Fundação Itaú leva brasileiros à Ásia para conhecer uso de IA na educação

Jornada reuniu representantes de diversos setores para estudar experiências de aplicação da inteligência artificial em empresas, fundações e escolas

Da esq. para a dir.: Eduardo Saron (Fundação Itaú), Rejane Cantoni (artista), Álvaro Machado Dias (Universidade Federal de São Paulo), Paulo Blikstein (Columbia University) e Gabriella Seiler (pesquisadora) no evento Missão Ásia — Foto: Rodrigo Peixoto

Fundação Itaú

A Fundação Itaú cruzou o mundo em busca de ampliar o conhecimento sobre inteligência artificial. A iniciativa, que ganhou o nome de “Missão Ásia”, reuniu, a convite da instituição, representantes de governos, organizações do terceiro setor, especialistas e artistas brasileiros em uma visita a China, Hong Kong e Coreia do Sul. O grupo tinha o objetivo de conhecer experiências bem-sucedidas do uso da IA aplicada à educação, à cultura e às políticas públicas, entender como a tecnologia pode ser vetor de desenvolvimento nessas áreas e como o Brasil pode aprender com a vivência dos países asiáticos. Entre os 40 representantes de 18 instituições que integraram o grupo, participaram da visita a artista Rejane Cantoni, o professor Paulo Blikstein, a pesquisadora Gabriella Seiler e o neurocientista Álvaro Machado Dias.

Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú e líder da iniciativa, conta que esse movimento surgiu de duas percepções:

— A primeira é a de que arte, cultura e educação precisam estar próximas. Se não as unirmos agora, podemos perder a última oportunidade para dar o salto de que o país precisa, seja para combater as desigualdades ou para melhorar a nossa competitividade. E a melhor forma de fazer isso foi juntar essa turma em uma experiência transformadora. A segunda percepção é que estamos falando de uma tecnologia com propósito geral, que vai mudar a vida de todo mundo, até de quem está distante disso — explica.

Bons exemplos

Durante os 15 dias de viagem, o grupo foi recebido por cerca de 30 instituições – entre empresas, fundações e escolas. O foco principal foi o uso da IA na área da educação, como o apoio aos educadores na otimização de suas atividades, desde a correção de avaliações, o auxílio aos estudantes até a elaboração de planos de aula. Na bagagem, o grupo trouxe referências positivas, como lousas digitais interativas com IA embarcada, robôs assistentes para diferentes tipos de serviços, sistemas precisos no monitoramento e na coleta de dados e ganho de produtividade, eficiência e performance.

— Na China, duas coisas muito positivas se desdobram a partir do que vimos com a IA. Uma é a capacidade de fazer e coordenar planos, e eles fazem isso a cada 15 anos. Isso significa que tem que ter universidade, centro de pesquisa valorizado, qualificação de professores e possibilidade de tecnologia com custos cada vez menores. A segunda é a aposta na matemática, porque ela traz pensamento analítico. Isso é essencial e nós já temos trabalhado para melhorar nossos índices de aprendizado no Brasil. A missão também serviu para nos mostrar soluções que não cabem no contexto do Sul Global, como as jornadas de trabalho excessivamente longas, comuns nos países que visitamos e que não temos a intenção de replicar aqui — avalia Saron.

Aprofundando o debate

Para fazer uma análise das soluções encontradas na viagem, representantes do grupo participaram do seminário Encontro Missão Ásia – Inteligência Artificial e Inovação, realizado no dia 25 de março. Na primeira mesa do evento, “Experiência da Missão e aplicação do conhecimento”, os painelistas relembraram os dias de jornada e acenderam o sinal de alerta para os perigos que o uso da IA pode trazer. Entre eles, o excesso de humanização dos robôs, a robotização dos humanos e o uso da tecnologia para disseminação de informações distorcidas e para o monitoramento equivocado do aluno.

O segundo painel, “IA – Vida digital e educação”, discutiu a implementação de tecnologia na rede de ensino por meio de políticas públicas. Os convidados debateram os caminhos para oferecer soluções que fomentem o uso consciente e responsável da inteligência artificial nas escolas e o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos, evitando, dessa forma, a padronização da educação, da arte e da cultura.

Na cerimônia de abertura, João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, trouxe considerações sobre a experiência e uma constatação fundamental:

— Vimos que o protagonismo continua sendo humano. O papel do educador é indispensável para que a ferramenta seja bem usada. E aí entram temas que não podemos perder de vista, como a formação docente, a privacidade dos dados de crianças e adolescentes e a necessidade de um letramento digital.

Para Paulo Blikstein, professor da Columbia University, a tecnologia deve ser uma ferramenta para impulsionar uma transformação no setor:

— Precisamos voltar a valorizar a escola, o estudo e a análise crítica, fazer com que as crianças não estejam lá só para acumular conhecimento e fórmulas. Mas que se divirtam e que vejam sentido no que aprendem.

Brasil tem janela de oportunidade para desenvolver IA

CEO da Fundação Itaú aposta em união de forças públicas e privadas como diferencial competitivo do país

Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, destaca a criatividade do país como oportunidade de desenvolvimento — Foto: Rodrigo Peixoto

A distância cultural e política marca as diferenças entre o Brasil e os países asiáticos. O país está atrás não só na aplicação de tecnologias na arte, na cultura e na educação, mas também na produção de inovação e de conhecimento voltado para o segmento. Contudo, Eduardo Saron, da Fundação Itaú, acredita que as especificidades do Brasil podem colocá-lo em um patamar competitivo quando o assunto é inteligência artificial.

O presidente joga luz sobre três perspectivas que podem ser oportunidades de desenvolvimento. O primeiro ponto, de acordo com ele, é a cultura da colaboração, o segundo é a produção de dados e a matriz energética limpa que o país detém e, por último, a produção acadêmica.

— Temos uma força que é a nossa capacidade de criar e a nossa aposta no apoio e na colaboração. A perspectiva da colaboração é algo muito potente para que nós sejamos mais humanos. Já os nossos dados podem servir de referencial para o mundo todo. Nosso perfil socioeconômico e genético é plural. O SUS tem uma quantidade maravilhosa de dados, a Embrapa e o Banco Central também. Precisamos incentivar a produção e o tratamento deles. A IA precisa de servidores e data center; temos uma matriz energética que pode alimentá-los. Por fim, temos uma produção acadêmica muito poderosa, que é uma oportunidade de reposicionar nossos pesquisadores e universidades — argumenta ele.

Os desafios, no entanto, são muitos. Saron acredita que o avanço brasileiro nesse campo demanda propósito, e depende de coordenação, articulação e aliança poderosa entre poder público, sociedade e empresas, para se criar um lugar de respiro para a evolução de outras formas de se conduzir essa transformação digital.

— Se feito com intencionalidade, pode ajudar no combate à desigualdade e no aumento da competitividade. Precisa de plano e de implementação junto com os vários players, para termos a janela de oportunidade a nosso favor. E não sermos um consumidor marginal de soluções não tropicalizadas — defende.

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