Os militares sempre criticam e até desprezavam o capitão insubordinado, chamado de “mau militar” pelo general Ernesto Geisel
Eliane Cantanhêde - Estadão
Jair Messias Bolsonaro chega ao fim de sua trajetória pública como começou, ainda como um jovem oficial do Exército: acusado de atentados. Na década de 1980, foi condenado e ficou preso 15 dias por decisão unânime de um conselho militar, sob acusação de tentativa de explodir prédios militares e públicos. Quarenta anos depois, é indiciado pela Polícia Federal, por tentar explodir a democracia brasileira.
Por mais aterrorizantes que sejam o planejamento e os passos concretos para assassinar o presidente e o vice-presidente legitimamente eleitos e o presidente do TSE, ninguém diga que foi surpresa. Bolsonaro não foi apenas flagrado no início da carreira militar, até com um croqui para explodir prédios do Exército, como passou toda a sua vida política ameaçando a democracia e as autoridades e poderes constituídos.
Num programa de TV, na década de 1990, chegou a defender claramente, sem nenhum pudor, o fechamento do Congresso, a deflagração de uma guerra civil e o assassinato do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Se pregava a morte de FHC, qual a surpresa de, no mínimo, saber do plano para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes? Uma vez golpista, sempre golpista. E foi para isso, e não para governar, que Bolsonaro tragou grupos específicos: militares, policiais, evangélicos, agronegócio. E dominou PF, Abin, Receita…
Ao se tornar o primeiro e mais estridente apoiador da candidatura Bolsonaro a presidente nas Forças Armadas, o general Augusto Heleno, tríplice coroado no Exército (primeiro de turma nos principais cursos do oficialato), me telefonou: “Você está sendo muito dura com o Bolsonaro, ele não é assim como você pensa”. Ao que respondi: “Tudo o que sei dele foram vocês (militares) que me disseram”. Ou seja: os militares sempre criticam e até desprezavam o capitão insubordinado, chamado de “mau militar” pelo general Ernesto Geisel.
Bastou Bolsonaro disparar nas pesquisas e depois subir a rampa do Planalto para muitos de seus críticos se transformarem em aliados, primeiro, bajuladores, depois, e até golpistas, no final. À custa da balela de “Deus, pátria e família”, do ódio à esquerda, do discurso da macheza e de cargos e vantagens, ele foi cooptando altas patentes e estraçalhando carreiras e biografias. Nunca, jamais, um presidente fez um estrago tão grande numa instituição que recuperou sua imagem e se tornara uma das mais prestigiadas do País.
Por quantos anos, ou décadas, Kids Pretos e Força Especial serão conduzidos não como tropa de elite, mas como um criadouro de bandidos antidemocráticos, com instinto assassino? Sem contar o víeis ridículo de tudo isso. Um oficial militar perambulando na rua porque não consegue um táxi na operação em que iria participar do assassinato do presidente do TSE? Seria cômico, não fosse trágico, terrívelmente trágico.
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