Entenda o acordo entre a Anatel e o TSE para as eleições e o que é o ‘poder de polícia’

Agência vai atuar no cumprimento de determinações judiciais para vetar conteúdos antidemocráticos, com desinformação, discurso de ódio, racismo e ideologia nazista


Projeto Comprova - Estadão

Conteúdo analisado: Publicações em rede social e site afirmam que, após um acordo feito entre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, a agência “terá poder de polícia para retirar do ar todos os sites e aplicativos que o TSE considerar antidemocratas”.

Comprova Explica: O uso da expressão “poder de polícia” em um evento de lançamento de uma parceria entre TSE e Anatel causou questionamentos nas redes sociais. No caso, o poder de polícia mencionado pelo presidente da Anatel, Carlos Baigorri, diz respeito ao poder que a administração pública tem de estabelecer obrigações, de fiscalizar e de determinar sanções. Nesse caso, diante de uma decisão da Justiça Eleitoral, cabe à Anatel ordenar a retirada de sites do ar e o contato com as prestadoras de serviços de telecomunicações para efetuar o bloqueio dos sites em questão.

A Anatel dá cumprimento ao que é decidido pela Justiça Eleitoral com base em normativas eleitorais. Em 2024, as normativas eleitorais foram atualizadas para englobar a proibição das deepfakes, a obrigação de aviso sobre o uso de Inteligência Artifical (IA) na propaganda eleitoral e a responsabilização das big techs sobre a retirada imediata do ar de conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Para garantir o cumprimento dessas normas eleitorais, o TSE lançou no último dia 12 de março o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE). O propósito do centro, conforme o TSE, é combater a disseminação de desinformação eleitoral, incluindo deepfakes e discursos prejudiciais à democracia. A iniciativa promove cooperação entre a Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas, como as plataformas de redes sociais.

No mesmo dia, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, firmou um acordo de cooperação técnica com a Anatel para facilitar as operações do CIEDDE, uma vez que a agência é uma das instituições externas convidadas a participar do centro em um modelo de colaboração mútua.

Anteriormente, em dezembro de 2023, o TSE e a Anatel haviam assinado outro acordo para garantir um fluxo de comunicação rápido e direto entre os dois órgãos e agilizar o cumprimento de decisões judiciais para bloqueio de sites que propaguem desinformação.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos notícias sobre o assunto. Em seguida, procuramos o TSE para explicar alguns pontos da parceria com a Anatel. Posteriormente, procuramos a Anatel para entender o papel da agência na iniciativa de combate à desinformação nas eleições deste ano. Também entrevistamos o advogado Francisco Zardo, mestre e doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seccional Paraná, que explicou que é o poder de polícia.

Acordo assinado entre o TSE e a Anatel

O TSE inaugurou, em 12 de março o CIEDDE, um grupo criado por meio da Portaria 180/2024, assinada por Moraes. O objetivo, segundo o Tribunal, é combater a desinformação e os discursos de ódio, discriminatórios e antidemocráticos no processo eleitoral. O CIEDDE funcionará na sede do TSE, em Brasília.

O grupo busca estabelecer uma cooperação entre a Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas (em especial plataformas de redes sociais e serviços de mensageria privada) para garantir o cumprimento da Resolução TSE nº 23.610/2019, que trata da propaganda eleitoral.

Em fevereiro deste ano, a resolução foi atualizada para incorporar o combate ao uso fraudulento da tecnologia em campanhas eleitorais, como a produção de notícias falsas e a utilização irregular da Inteligência Artificial.

O CIEDDE terá uma rede de comunicação em tempo real com os 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). A norma que criou o CIEDDE indica ainda que o TSE fechará acordos de cooperação com a Procuradoria-Geral da República (PGR), com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

No caso da Anatel, isto ocorreu no próprio dia 12 de março, quando Moraes assinou um acordo de cooperação técnica com a agência para operacionalizar o CIEDDE.

Antes disso, em dezembro de 2023, o TSE e a Anatel haviam assinado outro acordo de cooperação para agilizar a derrubada de sites que propaguem desinformação. Segundo o texto da norma, o acordo tem o propósito de “estabelecer um fluxo de comunicação célere e direto, por meio eletrônico, entre os dois órgãos para o cumprimento de decisões judiciais para bloqueio de sites”. Esse acordo tem prazo de vigência indeterminado.

Conforme publicação do TSE, até então, as determinações de retirada de sites do ar por disseminação de informações prejudiciais ao processo eleitoral eram enviadas por meio de oficiais de Justiça. Na prática, ao vigorar o acordo de cooperação, é gerada uma integração eletrônica entre os sistemas das duas instituições, tornando a comunicação mais ágil.

Na ocasião, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, explicou que o mecanismo anterior era “mais moroso”, e, segundo ele, a Anatel recebeu “diversas determinações e julgamentos do Tribunal para retirar do ar sites, conteúdo e aplicativos que estavam disseminando desinformação e colocando em risco o processo eleitoral”.

‘Poder de polícia’ citado pelo presidente da Anatel

Em declaração à imprensa no dia 12 de março, Baigorri disse que a “Anatel usará poder de polícia contra fake news na eleição”. Essa afirmação tem gerado repercussão sobre o que vem a ser esse poder de polícia.

Ao Comprova, o advogado Francisco Zardo explicou que o poder de polícia, ao contrário do que sugere o nome, não se relaciona à atuação das polícias Militar, Civil ou Federal. Poder de polícia administrativa é o poder que a administração pública possui de ordenar condutas, estabelecer obrigações, fiscalizar e impor sanções.

“Por exemplo, quando a vigilância sanitária fecha um restaurante sem condições de higiene, ela está exercendo o poder de polícia. Da mesma forma, quando o Ibama autua alguém que cortou uma árvore sem licença ambiental”, explicou o advogado.

Ainda segundo Zardo, a finalidade principal do documento divulgado pelo TSE é agilizar o cumprimento das decisões judiciais, não introduzir novos poderes ou atribuições para ambas as instituições. “Não se cria nada novo, tanto o TSE quanto a Anatel continuarão a exercer os poderes e obrigações que já possuíam, apenas de forma mais ágil, a partir da integração eletrônica”, afirmou.

O advogado ainda ressaltou que, no caso específico, pode não ser adequado falar em exercício do poder de polícia pela Anatel. “Aqui, a Anatel estará meramente cumprindo determinações judiciais. A diferença é que os sistemas estarão integrados”, concluiu Zardo.

Questionada sobre o uso da expressão, a Anatel, em nota, respondeu ao Comprova que a menção ao poder de polícia “trata-se de um conceito de Direito Administrativo, definido como a faculdade de que dispõe a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.

Eleições e bloqueio de sites

Sobre o acordo para o fluxo de comunicação entre o TSE e a Anatel, assinado em dezembro de 2023, a agência esclareceu ao Comprova que a Anatel “não efetua os bloqueios determinados pelo Poder Judiciário diretamente, mas sim entra em contato com as prestadoras de serviços de telecomunicações para que elas efetuem o bloqueio do acesso a determinados websites, nos termos estritos das decisões judiciais”.

Do mesmo modo, diz a Anatel, a participação no centro inaugurado pelo TSE não altera o fato de a agência ser “a intermediária que assegura, junto às prestadoras reguladas, que determinada decisão judicial seja cumprida”. A Anatel reforça que “não entra no mérito das decisões judiciais que recebe, mas assegura o seu cumprimento, dentro de suas atribuições legais”.

Desinformação na propaganda eleitoral

A norma eleitoral deste ano que trata de propaganda eleitoral (a Resolução 23.732/2024 que alterou a 23.610/2019) busca incorporar medidas relativas ao uso da inteligência artificial na propaganda de partidos, coligações, federações partidárias e candidatos.

As mudanças na resolução estabelecem ainda a possibilidade de divulgação de posição política por artistas e influenciadores em shows, apresentações, performances artísticas e perfis e canais de pessoas na internet, desde que as manifestações sejam voluntárias e gratuitas.

A resolução proíbe o uso de conteúdos sintéticos que imitem a imagem de outras pessoas, os chamados deepfakes, para prejudicar ou para favorecer candidaturas.

Dentre outros pontos, há também:
  • Obrigação de aviso sobre o uso de IA na propaganda eleitoral;
  • Restrição do emprego de robôs para intermediar contato com o eleitor (a campanha não pode simular diálogo com candidato ou qualquer outra pessoa);
  • Responsabilização das big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Por que explicamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e busca esclarecer aqueles considerados duvidosos e que podem gerar entendimentos confusos e boatos.

Outras checagens sobre o tema: Em 2022, o Comprova classificou como falsa uma alegação publicada em vídeo no Kwai de que o TSE teria comprado 32 mil urnas “grampeadas” para serem usadas nas eleições daquele ano e dar um “golpe final no Brasil”.

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