Do choque da morte de Bruno Covas ao desafio da reeleição: Ricardo Nunes aposta em ‘realizações’

De perfil discreto, com poucos arroubos, prefeito abraça Bolsonaro, mas rechaça polarização na campanha; prefeito estreia série de perfil do Estadão com os pré-candidatos à Prefeitura de SP

Ricardo Nunes e Bruno Covas

Monica Gugliano - Estadão

“Ricardo, vou pedir 30 dias de licença. Confio em você. Até breve”.

“Bruno, fique tranquilo”.

A troca de mensagens ainda está salva e guardada no celular do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), eleito como vice na chapa de Bruno Covas, que morreu aos 41 anos, no dia 16 de maio de 2021, vítima de um câncer no aparelho digestivo. “Nunca havia mostrado essa mensagem”, diz Nunes. Antes dela, Covas lhe telefonara chorando muito para dizer que estava sendo internado novamente. O tratamento que fizera no começo daquele ano não tinha dado certo.

Bruno, do PSDB, fora reeleito em 2020 derrotando o candidato do PSOL, Guilherme Boulos. Nunes, vereador até o início daquele ano, era um nome não muito cotado na bolsa de apostas, mas com quem Bruno tinha uma boa relação e a lembrança de um pedido feito em 2019. Nesse ano, se elegera presidente do Diretório do MDB e, em uma das conversas entre ambos, sugeriu que gostaria de compor a futura chapa como candidato a vice. Naquele momento, o tucano considerou que era cedo para tratar do assunto. Mas, tão logo foi decidido que concorreria à reeleição, telefonou a Nunes e fez o convite. “Quando ele me falou, eu chorei. Sempre tive muita admiração por ele, tinha ele como um ídolo”, diz.

Ricardo Luis Reis Nunes tem 56 anos, nasceu em São Paulo, filho de um imigrante português, Luis Nunes, e da mineira Maria do Céu. É o mais velho de quatro irmãos (a mais nova já faleceu). É casado com Regina, tem três filhos e um netinho de um ano e seis meses. A família de Nunes morava no bairro de Santo Amaro e ele estudava no Colégio Jesus, Maria, José, fundado em 1919, por uma comunidade de irmãs portuguesas. Tinha uma vida de classe média confortável, até que o pai resolveu vender quase tudo o que tinham para montar uma empresa em Cananéia, no extremo sul do litoral de São Paulo, considerada um dos primeiros povoados do Brasil. Era uma empresa de ônibus, blocos de construção e oficina mecânica.

O empreendimento não deu certo. Luis Nunes quebrou e a família teve que voltar a São Paulo. Só que não mais se instalaram em Santo Amaro. Foram morar no Parque Santo Antônio, na periferia da Zona Sul, uma comunidade pobre, sem opções de lazer ou infraestrutura urbana, com altos índices de criminalidade. Nunes costuma contar que essa foi uma das grandes mudanças de sua vida. Passou a estudar em uma escola pública, os serviços de saúde eram precários, a família não tinha mais carro e todos andavam de ônibus. Ele era adolescente e não esquece do trauma da mudança.

O tempo passou, o pai foi reconstruindo a vida e Nunes, quando fez 18 anos tirou seu título de eleitor e se filiou ao então PMDB. Aos 23 anos se candidatou a vereador, mas perdeu e resolveu empreender. Na segunda tentativa deu certo, Mas até então, montou um jornalzinho de bairro “Hora de Ação” e criou uma empresa, a Nikkey, de tratamento fitossanitário. A primeira sede da companhia, que hoje tem filiais em várias cidades do país, funcionou em uma sala de 2x2, cedida a Nunes por um amigo, dentista, que tinha um consultório na sobreloja de um prédio. “Sei o que é empreender, ter um cliente, pagar imposto, receber o fiscal, lutar contra a burocracia. Sei quais são os desafios do empreendedor e de quem usa o serviço público e trouxe essa experiência para a vida pública”, diz o prefeito, que também chegou a cursar Direito na FMU, tendo abandonado o curso antes de se formar por não conseguir pagar.

"Quando ele (Bruno Covas) me falou, eu chorei. Sempre tive muita admiração por ele, tinha ele como um ídolo"
Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo

Nunes recebeu a reportagem do Estadão em seu gabinete no quinto andar do prédio no Viaduto do Chá, no centro de São Paulo. Vestindo uma calça azul marinho e uma camisa clara e com o cabelo escuro e liso sem nenhum fio fora do lugar, se sentou em uma das poltronas e contou que levou muito tempo para ocupar o espaço, depois da morte de Bruno Covas. O impacto da morte do colega de chapa, diz ele, foi arrasador. Tanto que até hoje, em todas as placas de inauguração, ele manda escrever “gestão Bruno Covas”.

O gabinete é amplo, com pé direito alto, duas grandes janelas, uma mesa de trabalho, um oratório com muitos santos, um conjunto de sofás, uma mesa de reuniões e um aparador. Estes dois últimos, repletos de papéis. Atrás de sua escrivaninha, há uma foto de Bruno Covas, sorridente, e uma imagem de Nossa Senhora. E, em uma das mesinhas, um porquinho verde de borracha – como esses que os bebês mordem – revelando que ali trabalha um fanático palmeirense.

No auge da pandemia da covid, Bruno Covas montou uma cama ali. Passava dia e noite no gabinete. O projeto inicial de ambos era que Nunes assumisse uma secretaria de Governo. Mas Covas, já sentindo-se doente, pediu a Nunes que ficasse por ali. O vice-prefeito foi para outra sala no sexto andar e ficou no mesmo lugar por mais de um ano depois que Bruno morreu. “Eu não conseguia entrar aqui neste gabinete, chorava muito”, explica Nunes. Porém, chegou um hora que ficou impraticável trabalhar num pequeno gabinete. “Eu saía da sala para ir ao banheiro e o pessoal já me atacava”, conta, rindo.

Nunes é um homem de maneiras contidas. Nada de gestos expansivos como os que se costuma ver nos políticos. Custa a perder a paciência e procura não mudar o tom de voz nem mesmo quando agredido por um cidadão mais revoltado com a sua gestão. Um dia depois da conversa no gabinete, ele convidou a reportagem do Estadão para acompanhá-lo em uma das visitas do programa Prefeitura Presente. Ele cumpre essa agenda todas as quintas-feiras, leva secretários e o subprefeito para vistoriarem obras ou ouvir reivindicações dos moradores. O roteiro da quinta passada era na Vila Mariana.

O primeiro compromisso foi para anunciar o início da obra de restauração da marquise do Ibirapuera. A reforma custará R$ 71,9 milhões e ficará a cargo da Urbia, a concessionária que administra o parque. O trabalho está previsto para durar seis meses e terminar em setembro de 2025. Dali, ele seguiu para o Teatro João Caetano, inaugurado em 1952, e que receberá R$ 7 milhões para obras de modernização, acessibilidade, restauro e outras.

Do teatro, a comitiva seguiu para visitar as obras de drenagem na Chácara Inglesa. A rua alaga em dias de fortes chuvas e os moradores mostraram ao prefeito muros de contenção que fazem nas casas e prédios para tentar impedir que a água entre. Muitos moradores se aproximaram para conversar com Nunes, até que começou uma confusão por causa da cratera feita pela obra.

Um casal de moradores reclamou que os buracos estavam abertos desde dezembro do ano passado, pondo em risco a vida dos moradores. Eles alegaram também que os tapumes e as redes de contenção haviam sido colocadas naquela manhã para a visita do prefeito. Antes de Nunes chegar, as tábuas tinham sido pichadas com frases como “Boulos Prefeito”, mas já haviam sido apagadas. A mulher, que dizia ter uma filha autista que corria perigo com a obra, tinha uma toalha de banho pendurada nas costas com uma grande foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O homem, que fora fotografado pichando os tapumes, quis engrossar e começou a levantar a voz. Nunes, que tentava explicar que a obra terminaria em março, não teve sucesso e, por um triz, não perdeu a paciência.

Mesmo com a discussão, que Nunes atribui a motivos políticos, ele não acredita que a eleição será polarizada entre Lula e Bolsonaro. No dia anterior, ainda na conversa em seu gabinete, dissera não saber de onde sai essa ideia da polarização. Em sua opinião, o debate será em torno da cidade, se vai haver creche, posto de saúde. “Ninguém vai querer saber de Lula e Bolsonaro”, diz.

Mas demonstrou não gostar da pergunta sobre se ficava confortável com o apoio de Bolsonaro. Em um tom levemente mais ríspido que o habitual, afirmou que o apoio do ex-presidente era muito importante para ele e que não entendia a pergunta já com esse viés e uma opinião pessoal. E aproveitou para alfinetar o PT, lembrando que o apoio de Bolsonaro será tão importante para ele, como foi o do ex-prefeito Paulo Maluf, para o então candidato a prefeito de São Paulo e hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Nunes é grato a Bolsonaro pela negociação da dívida de São Paulo. “Eu tinha uma dívida de R$ 25 bilhões e pagava por mês R$ 280 milhões. Graças ao Bolsonaro, renegociamos e pudemos deixar de pagar esse valor mensal”, explicou o prefeito.

Mas Nunes não gostou das críticas do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ao apoio de Bolsonaro. Lembrou que quase todo o seu secretariado e seus auxiliares diretos – do chefe de gabinete às secretárias foram escolhidas por Bruno Covas. “Como é que o PSDB vai falar contra mim? Contra o governo dele? Às vezes as pessoas querem ficar só olhando a grama dos outros”, diz.

Além do apoio do ex-presidente, Nunes tem um forte apoio do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que foi ministro de Bolsonaro. “Temos uma ótima relação de trabalho e de amizade. Trabalhamos de uma forma muito parecida, com metas, planejamento. Tarcísio é um cara fantástico, uma das pessoas mais preparadas que conheço, com uma capacidade profissional e emocional extraordinárias”, elogia.

Na campanha, Nunes acredita que suas realizações vão ajudá-lo a mostrar que é o melhor candidato para seguir administrando a cidade. “Meu adversário nunca cuidou nem de um carrinho de hot dog. Nós temos 1.300 obras sento tocadas. Não vamos conseguir a perfeição. Mas vamos mostrar que a cidade tem rumo. Eu vou ganhar a eleição”, afirma.

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