Real permanece vivo na memória

Um estudo obtido pela coluna com exclusividade mostra que o Plano Real ainda tem avaliação alta, mas o país continua com medo da inflação

Fernando Henrique Cardoso

Míriam Leitão - O Globo

Trinta anos depois, os brasileiros se lembram bem do plano econômico que estabilizou a economia do país. O Plano Real é considerado a política pública mais importante, depois do Bolsa Família. Uma pesquisa feita neste mês de dezembro, pelo Ipespe para a Febraban, mostra a força da reforma monetária lançada no começo de 1994 pelo governo Itamar Franco, e formulada pela equipe do ministro Fernando Henrique Cardoso. Quase oito em cada dez brasileiros, 77%, avaliam como ótimo ou bom o Plano Real. Quando se pergunta qual é a moeda da estabilidade brasileira, 70% citam o real. A população brasileira, porém, permanece vigilante: 66% estão preocupados com a inflação e 79% consideram que o seu combate deve ser prioridade do governo. 

Em fevereiro de 1994, o governo anunciou que, no dia primeiro de março, seria instituída a URV, Unidade Real de Valor. Parecia uma abstração de economistas no meio de uma realidade dolorosa dos brasileiros que haviam enfrentado no ano anterior 2.477% de inflação. Vinha após os fracassos dos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor e dos remendos Cruzado II e Collor II. A URV era uma moeda virtual, num tempo ainda não digital. Existia, mas não era vista pelas pessoas. Era unidade de conta, mas não meio circulante. Aquele começo abstrato foi o caminho pelo qual os economistas oriundos da PUC do Rio venceram o que parecia invencível. A URV virou a moeda real no dia primeiro de julho de 1994.

Tanto tempo depois seria natural que esquecessem, e que uma inflação de 4,5%, como a de 2023, não assustasse mais. A pesquisa, do instituto de Antonio Lavareda, mostra como está vivo na memória o que aconteceu naquele tempo. O Ipespe ouviu três mil pessoas, entre os dias 3 e 9 de dezembro, com as seguintes dúvidas: passadas três décadas do Plano Real, o que pensam os brasileiros sobre ele? E os que nasceram depois daquele julho de 1994 e não viveram o Brasil da hiperinflação, que valor dão para tudo isso? Esse foi o tema do último Observatório Febraban.

“Numa lista de doze programas ou ações reconhecidas por especialistas como relevantes para o desenvolvimento econômico e social do país, Bolsa Família (26%) e Plano Real (23%) encabeçam o ranking”, diz o estudo. A descoberta do pré-sal teve só 3% de primeiras respostas. O PAC, 2%. As reformas trabalhista, previdenciária e tributária tiveram 2% cada uma. 

Claro que a memória está mais viva entre os mais velhos. Mas na faixa dos 18 a 24 anos, 55% reconhecem o real como sendo a moeda que marcou a estabilidade brasileira. Na pergunta estimulada, o que o estudo chamou de soft recall, a resposta “já tinha ouvido falar” do Plano Real é de 80%, atingindo 94%, 93% entre os mais escolarizados e de maior renda, respectivamente. Apenas 15% nunca tinham ouvido falar e 5% não responderam. 

Na avaliação do Plano Real, “ótimo” e “bom” têm 77% dos pesquisados, e 18% apontaram como regular. Ruim e péssimo, apenas 2%. A estabilização da moeda foi considerada “muito importante” e “importante” para o desenvolvimento econômico, por 88%. E 85% acham o plano importante também para a melhora do poder de compra e 83% para a sua própria vida pessoal e familiar. 

O plano que fará 30 anos no ano que vem nos diferencia, por exemplo, da Argentina que, nos últimos dias, tem vivido o horror da disparada dos preços nas gôndolas dos supermercados e da incerteza absoluta sobre o que será da economia do país e do orçamento das famílias nos próximos meses. 

Enquanto isso, o Brasil faz reformas, como a que acabou de ser aprovada na semana passada. Ainda que fique um travo amargo das velharias de subsídios e tratamentos privilegiados que foram mantidos, uma nova ordem tributária começará a nascer no país. Tudo o que avançou, como a própria Bolsa Família, só foi possível por que houve aquele plano que conseguiu, entre outras, a proeza logística de trocar todo o meio circulante desse país continental num único dia, o primeiro de julho de 1994. Em livro que escrevi, chamei de “saga brasileira” aquela travessia. Mas só é assim tão firme na memória, porque ainda se teme a inflação. Em todos os estratos sociodemográficos, a maioria continua “muito preocupado” com a inflação e 79% acham que deve ser “uma preocupação permanente da sociedade e do governo”. Toda vez que ela subiu, caiu a popularidade do governo. O Brasil não subestima, nem quer ver mais a cara desse inimigo.

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