Resgate de 32 brasileiros da Faixa de Gaza atesta a resiliência e a habilidade do Itamaraty
O Estado de S.Paulo
Há sempre alívio quando a diplomacia profissional conduz missões de extrema importância para o bem da cidadania. O embarque ao Brasil de 32 brasileiros e palestinos que estavam enclausurados pelo conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza integra a lista de êxitos do Itamaraty em arriscadas operações de repatriação – que, além do desafio logístico, envolvem persistentes negociações diplomáticas e a assistência possível aos nossos nacionais e a seus parentes em zona de guerra.
Tudo fica ainda mais difícil quando o próprio presidente da República resolve antagonizar Israel, de maneira desarrazoada, ou quando o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível e responde a inúmeros processos, resolve capitalizar politicamente uma operação na qual não teve nenhuma participação.
Há razões de sobra para prezar o desempenho do Itamaraty e da Força Aérea Brasileira (FAB), que já haviam conseguido retirar de Israel 1.410 brasileiros nas semanas que se seguiram aos ataques terroristas e ao sequestro de israelenses e estrangeiros promovidos pelo Hamas no início de outubro. Na Faixa de Gaza, destroçada nas últimas semanas pelos bombardeios de Israel, que deixaram milhares de mortos, a operação envolveu a cada minuto riscos iminentes à integridade física do grupo a ser resgatado.
Os 22 brasileiros e 10 palestinos aguardavam desde 1.º de novembro a saída do enclave nas cidades de Rafah e Khan Yunes, alvos de recentes bombardeios. Trata-se de sobreviventes de explosões e doenças que proliferam na Faixa de Gaza, além da falta de alimentos, água, energia elétrica e assistência médica. As 32 pessoas reclamadas pelo Brasil, entre as quais 17 crianças, haviam sido ignoradas nas 6 listas anteriores de estrangeiros autorizados a ingressar em território egípcio e rumar para seus destinos finais. Cada leva de repatriação foi aprovada por Israel e pelo Hamas, sob influência do Catar e dos EUA, e dependeu da inconstante abertura da fronteira pelo Egito. Com os brasileiros, não foi diferente.
Resultado de um sem-número de triangulações diplomáticas e de uma conversa decisiva do chanceler Mauro Vieira com o ministro israelense das Relações Exteriores, Eli Cohen, o resgate demonstrou a resiliência do Itamaraty. Tal habilidade negociadora, reconhecida historicamente, se mostrou tão fundamental como sua experiência nas repatriações de brasileiros do Vale do Bekaa, no Líbano, em 2006, e da Ucrânia, no ano passado.
Lamenta-se, entretanto, que um esforço tão complexo para salvar as vidas de brasileiros em zona de guerra tenha sido exposto a risco de fracasso por declarações intempestivas de Lula da Silva e de seu assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim. Quando um objetivo maior se sobrepunha, ambos dispararam críticas de cunho ideológico contra a conduta de Israel no conflito, em detrimento da prioridade de Vieira.
Agora, o Itamaraty atua para repatriar uma segunda leva de cerca de 50 brasileiros e seus parentes palestinos, e por esse motivo se espera que o presidente se contenha. Lula da Silva não deveria hesitar entre o aplauso da militância petista anti-Israel e a proteção de cidadãos expostos ao terrível sofrimento da guerra no exterior.
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