Guerra e greve impõem choque de realidade a estratégia de Boulos para 2024

Pré-candidato do PSOL à Prefeitura de SP virou alvo da direita com posições sobre Palestina e privatizações

Boulos, Juliano Medeiros e Fred Henriques, do PSOL, em Belém


Joelmir Tavares - Folha.com

Duas crises nos últimos dias expuseram desafios para Guilherme Boulos (PSOL) em sua tentativa de articular uma candidatura da esquerda com o apoio do PT e formatar um perfil de moderação e diálogo para fazer frente a rivais como Ricardo Nunes (MDB) na disputa pela Prefeitura de São Paulo.

O deputado federal e líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) foi alvo de ofensiva por causa da greve contra a privatização dos transportes e da Sabesp, na semana passada, e por causa de seu posicionamento após os ataques do grupo terrorista palestino Hamas a Israel.

Uma declaração sobre o conflito em que deixou de citar a facção extremista custou a Boulos a participação em sua candidatura do ex-secretário estadual de Saúde Jean Gorinchteyn. O ex-auxiliar de João Doria (PSDB) anunciou sua saída da coordenação da área de saúde do futuro plano de governo.

Gorinchteyn era um dos trunfos de Boulos na estratégia de se pintar como um político aberto à aproximação com outros setores para rebater as pechas de radical e extremista atribuídas a ele por Nunes e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem o prefeito espera apoio.

O pré-candidato do PSOL tem reiterado posições de esquerda historicamente defendidas por ele, mas evitado partir para bate-boca nas redes sociais com detratores que querem desgastá-lo. Ao mesmo tempo, aponta a veiculação de fake news contra si, especialmente no caso da guerra no Oriente Médio.

A onda de críticas tem unido apoiadores de Nunes, bolsonaristas e membros do partido Novo, além do MBL (Movimento Brasil Livre), que tenta emplacar a candidatura de Kim Kataguiri (União Brasil-SP). A direita quer fustigá-lo para evitar uma vitória de Lula (PT), fiador da candidatura do psolista.

Boulos deverá reunir na coligação, além do partido do presidente, outras siglas do chamado campo progressista, como PC do B, PV e Rede. O deputado lidera a pesquisa Datafolha com 32% das intenções de voto (ante 24% de Nunes, segundo colocado) e tem percorrido a cidade para ouvir a população.

Após os ataques do Hamas, perfis de direita resgataram a foto de uma visita de Boulos à Cisjordânia em 2018, insinuando relação dele e de seu partido com o Hamas. O pré-candidato disse se tratar de fake news, e aliados disseram à coluna Painel que a distorção pode ter tido efeito sobre Gorinchteyn.

A imagem mostra Boulos e o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, ao lado de uma pedra com a inscrição "PSOL com a Palestina" em inglês. O conteúdo foi compartilhado por bolsonaristas como Eduardo Bolsonaro (SP), Nikolas Ferreira (MG), Carlos Jordy (RJ), todos deputados do PL.

Após a veiculação, Boulos foi a uma rede social dizer que sua defesa dos direitos do povo palestino "é pública", mas que bolsonaristas estão usando imagens da viagem para propagar fake news.

"Condeno sem meias palavras ataques violentos a civis, como os que mataram nas últimas horas 250 israelenses e 232 palestinos", postou no domingo (8). "Defendo uma solução pacífica e duradoura, que passe pelo cumprimento do direito internacional e das resoluções de paz."

A ausência de menção ao Hamas também foi criticada no posicionamento de Lula sobre o conflito.

Gorinchteyn, que é judeu e apoia Israel, tomou a decisão de abandonar o grupo que elaboraria propostas de Boulos para a saúde "diante da postura pró-Palestina que não menciona ou condena o grupo extremista islâmico armado Hamas pelos atentados terroristas em Israel".

O médico infectologista se destacou na gestão da pandemia de Covid-19 no estado durante a gestão Doria. Antes do rompimento, ele fez elogios públicos ao psolista e afirmou à Folha que ele vinha se mostrando "uma figura muito madura, com perfil muito diferente do que apresentava anos atrás".

Segundo um interlocutor do pré-candidato, o afastamento não foi traumático, mas a equipe lamentou a saída de Gorinchteyn.

Em meio aos bombardeios, Boulos repostou na rede social X (antigo Twitter) mensagem do professor Michel Gherman, assessor acadêmico do Instituto Brasil-Israel. O especialista escreveu que o político o procurou na época da viagem de 2018 e falou que também gostaria de ir a Israel na ocasião.

Gherman publicou uma foto do político no Yad Vashem, memorial em Israel em homenagem às vítimas do Holocausto, disse que o brasileiro teve conversas com movimentos juvenis judaicos de esquerda e ressaltou que "ele foi pressionado a não ir e fez questão de fazer as visitas".

Boulos agradeceu ao acadêmico "pela postura honesta e compromisso com os fatos" e disse ser "lamentável que usem um momento dramático como esse para alimentar fake news".

A controvérsia sobre o Hamas acontece dias depois de Boulos ser cobrado pela postura favorável à greve que paralisou uma parte do transporte sobre trens na capital.

A presença de membros do PSOL e do PC do B no comando da paralisação serviu de munição para Nunes e para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que sinaliza apoio à reeleição do emedebista e falou motivação política no movimento.

O Sindicato dos Metroviários de São Paulo é presidido por Camila Lisboa, que é filiada ao PSOL. Aliados de Boulos rebateram a insinuação de conluio, dizendo que o sindicato tem independência em relação ao partido e que é absurdo supor que o deputado tenha responsabilidade sobre a mobilização.

O pré-candidato é contrário às privatizações desejadas por Tarcísio e disse que governador e prefeito partidarizaram o debate. No dia da greve, ele ressaltou problemas em linhas privatizadas, enquanto os rivais diziam que os transtornos eram uma demonstração do que pode ocorrer caso ele seja eleito.

O entorno de Nunes computou os dois episódios como negativos para Boulos e avaliou que as situações contribuíram espontaneamente para que convicções do psolista viessem à tona. A análise é que as pautas ideológicas vão criar dificuldades para ele convencer eleitores fora da esquerda.

Já a equipe do deputado aposta no discurso de equilíbrio para vencer resistências, tenta desconstruir estereótipos e leva a cabo a tática de associar Nunes a Bolsonaro, pela rejeição ao ex-presidente na capital —68% dos moradores não votariam em alguém indicado por ele, segundo o Datafolha.

Outra diretriz que será mantida por Boulos é a de se manter fiel a seus princípios ideológicos, enfatizando que isso não se confunde com intransigência nem invalida a disposição de dialogar com segmentos variados. Auxiliares dizem que o acirramento do debate no ambiente virtual está longe da vida real.

No PT, a avaliação nos bastidores é que o partido não se engajou na defesa pública de Boulos nos dois casos e será preciso decidir uma estratégia conjunta à medida que o pleito se aproxima. O entendimento é o de que ele deverá ser cauteloso para ampliar seu eleitorado sem melindrar a base mais à esquerda.

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