Os descaminhos na educação paulista

O sr. Feder pode até se revelar um profissional ‘preparadíssimo’, como disse Tarcísio em sua defesa. Mas sua gestão, até agora, está marcada por confusões, extravagâncias e suspeitas 

Tarcísio de Freitas e Renato Feder

O Estado de S.Paulo

“Não há nada que resista ao resultado”, escreveu o então candidato Tarcísio de Freitas logo no início de seu programa de governo, documento enviado à Justiça Eleitoral há exatamente um ano. Se o governador de São Paulo ainda acredita no que apôs no papel, à guisa de coerência, tem o dever de substituir o atual secretário estadual de Educação, Renato Feder, e, sobretudo, alterar os rumos da educação pública paulista. Os resultados da pasta não são apenas ruins, como se isso não fosse grave o bastante; estão, na verdade, muito longe das marcas de “modernidade” e “eficiência” que Tarcísio prometeu imprimir em sua gestão.

Desde janeiro, a Secretaria da Educação, com o sr. Feder à frente, tem sido uma usina de polêmicas e problemas que apontam para o retrocesso, prejudicando os cerca de 4 milhões de alunos matriculados na rede estadual. Se “modernidade” há no que tem sido feito pela pasta, ficou no discurso ou em ações estéreis, como essa política extravagante de abolir os livros didáticos das salas de aula a fim de substituí-los por slides de PowerPoint. Para quem comanda a maior rede pública de ensino do País, deveria ser claro que a tecnologia, por si só, não educa ninguém.

Digitalizar o material didático não significa modernizar coisa alguma se a ação não fizer parte de um plano geral muito bem construído com vista à formação integral dos alunos, vale dizer, voltada para a formação de cidadãos mais bem preparados para a vida, não para uma prova qualquer. Não há sinais de que esse plano estratégico exista. E o que se assemelha a um plano é muito ruim para um Estado que, a despeito de sua pujança econômica e política, ainda apresenta indicadores educacionais muito aquém de suas possibilidades.

Privar crianças e adolescentes do acesso aos livros é apenas um desses erros recorrentes do governo estadual na seara da Educação, o “pilar de qualquer sociedade” e “um dos principais investimentos para a redução de desigualdades e a geração de oportunidades no longo prazo”, nas palavras do próprio Tarcísio em seu programa de governo.

Recentemente, o governador determinou que os diretores das escolas estaduais assistam a pelo menos duas aulas por semana. A medida vai de encontro às melhores práticas educacionais, pois é óbvio que os professores sentir-se-ão vigiados e tolhidos em sua liberdade de cátedra. É estupefaciente que alguém como Tarcísio, tido e havido como um gestor técnico, ignore que há outros métodos muito mais eficientes e menos invasivos de avaliar a qualidade do trabalho do corpo docente.

Há poucos dias, este jornal também revelou que os professores e alunos da rede estadual foram surpreendidos com a instalação de um aplicativo da Secretaria da Educação em seus celulares particulares, sem aviso prévio ou consentimento – o que pode ser considerado uma violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). De acordo com a pasta, tudo não passou de um “erro” durante um “teste” com 20 mil celulares, como se a trapalhada atenuasse a gravidade da invasão.

Para coroar, digamos assim, os descaminhos na educação pública paulista, sobre o sr. Feder ainda recaem suspeitas muito graves de conflito de interesse, ora sob investigação do Ministério Público de São Paulo, envolvendo a assinatura de contratos milionários entre a Multilaser, empresa controlada por uma holding da qual o secretário de Educação é sócio, e o governo do Estado. Este jornal apurou que alguns desses contratos foram assinados em 2023, ou seja, quando o sr. Feder já estava ocupando o cargo público.

O atual secretário de Educação pode até se revelar, mais adiante, um profissional “preparadíssimo” e “estudioso”, como disse Tarcísio em sua defesa. Mas, até o momento, seu currículo, festejado pelo governador, não se traduziu em ações acertadas. Pelo contrário, a pasta que comanda virou foco de preocupação com os rumos de uma das mais cruciais áreas da administração pública. Fosse apenas isso, já seria ruim; quando a honestidade do secretário é colocada em dúvida, o problema se torna muito pior.

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