No centro de São Paulo, empresários ajudam Prefeitura a atender moradores de rua

Depois de construir um núcleo de convivência, Associação Comercial busca parceiros para ampliar rede de acolhimento na região central

O núcleo de convivência para adultos em situação de rua "Rodrigo Silva", na região central de São Paulo

Gonçalo Junior - Estadão

A Associação Comercial de São Paulo está cooperando com a Prefeitura para ampliar os núcleos de apoio à população em situação de rua na região central. Um ano após a inauguração de um centro de convivência na Praça Carlos Gomes, a entidade mobiliza parceiros para erguer mais espaços. O próximo deve ser na Sé.

Um dos parceiros na iniciativa é o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais (Secovi), que apoia financeiramente e tecnicamente os estudos para o projeto.

A Associação Comercial estuda a viabilidade técnica do novo equipamento a partir de dois terrenos indicados pela Subprefeitura da Sé, diz o vice-presidente e coordenador do Conselho de Política Urbana, Antonio Carlos Pela. As localizações exatas dos imóveis, na Sé, não foram divulgadas. Segundo levantamento da própria entidade, há mais de 30 pontos que oferecem atendimento às pessoas em situação de rua na região e que poderiam receber algum tipo de melhoria.

As 32 mil pessoas sem-teto na cidade, nas contas da Prefeitura, deixaram de ser um problema só dos poderes municipal e estadual na opinião de Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial. “A sociedade também tem de participar. É uma tentativa de resgatar a dignidade das pessoas em situação de rua que, muitas vezes, são invisibilizadas”.

O primeiro espaço erguido com apoio da iniciativa privada foi o “Núcleo de Convivência para Adultos em Situação de Rua Rodrigo Silva” que atende entre 600 e 700 pessoas diariamente e foi construído com investimentos de R$ 2 milhões da Associação Comercial. O Estadão visitou o núcleo.

Segundo a tipificação da Prefeitura, que administra o local, o núcleo de convivência é um espaço de “portas abertas”, ou seja, acolhe pessoas em situação de rua, dependentes de substâncias psicoativas, egressos do sistema prisional que buscam se reintegrar à sociedade, além de trabalhadores sem-teto. Todos precisam se alimentar, tomar banho ou lavar roupa.

São públicos com múltiplas carências que dividem o mesmo espaço. Durante o inverno, o refeitório do núcleo se transforma em um dormitório com 50 vagas. “É neste espaço que há o atendimento social, o trabalho de reinserção familiar e a oferta de banho e de refeições”, afirma o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Carlos Bezerra Jr.

Quem frequenta o núcleo tem possibilidade de sugerir melhorias. Semanas atrás, os frequentadores pediram uma rede de vôlei, que passou a ser instalada aos finais de semana. Outra reivindicação, ainda não atendida, é um varal maior para abrigar as peças de roupa. A Prefeitura oferece sabão e as máquinas de lavar itens que fazem parte de um orçamento mensal da ordem de cerca de R$ 200 mil.

É também um espaço de convivência e troca para quem tenta se reerguer. João Paulo Caetano da Silva usa o espaço diariamente para almoçar, tomar banho e passar as noites mais frias. Há dois anos, teve uma recaída com o uso de crack por causa de uma perda familiar. O alagoano de Maceió recusou uma vaga fixa de acolhimento, oferecida pelos assistentes sociais em outros equipamentos, porque pretende alugar um quarto só seu com o trabalho na reciclagem.

O funcionamento diário do núcleo esbarra nos desafios de uma população sempre crescente. Isso pode ser constatado pela longa fila que se forma na hora do almoço e dá voltas no quarteirão. O refeitório oferece em média 200 cafés da manhã, 300 almoços e 260 jantares diariamente, quantidade nem sempre suficiente, o que gera conflitos, como conta a gerente Marilene Alves.

São oferecidos 100 banhos diários – 50 de manhã e 50 de noite – por ordem de chegada. Também não dá para atender toda a procura. “A alimentação e os cuidados pessoais são essenciais para eles”, afirma.

Especialistas e líderes sociais consideram positiva a ação dos empresários. Segundo eles, a sociedade precisa mirar ações mais permanentes que promovam a autonomia e a saída qualificada da rua. “(A iniciativa) É um bom começo e abre a possibilidade de diálogo positivo para encontrar outras saídas como, por exemplo, um programa de moradia social nos prédios abandonados na cidade”, afirma Alderon Costa, conselheiro do Comitê Pop Rua.

Sheila Marcolino, especialista do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, lembra alguns dados do censo municipal dos sem-teto, para reforçar a necessidade de inclusão profissional. Segundo ela, a maioria da população de rua é do sexo masculino, 70,8% se declararam pretos ou pardos e 42,8% da população em situação de rua não trabalha.

“A criação de programas específicos de moradia e inclusão profissional, como a efetivação do decreto que prevê cota mínima de vagas de trabalho em serviços públicos para a pop rua, seria fundamental para estruturar e fortalecer esse conjunto trabalhadores marcados por um recorte de gênero e raça, que vem sofrendo com a instabilidade, precariedade do trabalho e rendimentos insuficientes para sobreviver e arcar com os custos da moradia”, afirma ela.

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