Tarcísio e o pós-bolsonarismo

Governador de São Paulo flerta com a elite que trocou Bolsonaro por Lula

Tarcísio e Bolsonaro

Thomas Traumann -Veja

Na semana em que o ex-presidente Jair Bolsonaro era julgado em Brasília pelo Tribunal Superior Eleitoral, o seu mais provável herdeiro, o governador Tarcísio de Freitas, estava em Lisboa reunido com a mesma elite jurídica, política e empresarial que ajudou a eleger Bolsonaro, rompeu, reatou com Lula e decidiu a eleição de 2022.

Chamado de Fórum Jurídico de Lisboa, o encontro é um convescote das empresas do ministro do STF Gilmar Mendes que funciona como um Palácio de Versalhes, um espaço no qual os poderosos podem jantar, beber e conversar com mais liberdade do que no centro administrativo de Brasília. 

Estiveram em Lisboa um dos ministros do STF mais odiados por Bolsonaro, Luís Roberto Barroso, e o mais amado, André Mendonça; o presidente da Câmara Arthur Lira, os expoentes do Centrão Marcos Pereira e Antonio Rueda; o vice-presidente Geraldo Alckmin, e os ministros Flávio Dino (Justiça), Camilo Santana (Educação), Alexandre Silveira (Minas e Energia), José Mucio (Defesa), Jader Filho (Cidades) Jorge Messias (AGU) e Vinícius Carvalho (CGU); o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, seis ministros do STJ, além dos empresários André Esteves (BTG), Luiz Trabuco (Bradesco) e Rubens Ometto (Cosan). Como definiu a colunista de O Globo, Malu Gaspar, a intensa agenda paralela ao encontro jurídico ganhou o apelido de Gilmarpalooza. 

Na segunda-feira, dia 26, o governador participou do painel “Riscos para o Estado de Direito e Defesa da Democracia”, logo depois da fala fortemente antibolsonarista do ministro Flávio Dino. No curto discurso, Tarcísio admitiu que não sabia o que estava fazendo ali (“sou um mero engenheiro”) e elogiou o STF, alvo preferencial de Bolsonaro nos últimos quatro anos. “Nós temos um guardião da Constituição que tem funcionado muito bem”, disse. 

Fugindo do tema do julgamento do antigo chefe, Tarcísio usou seu tempo para defender uma reforma política: “a gente viu um choque de placas tectônicas do nosso País. Choque de placas de opiniões absolutamente divergentes e esse choque de placa gera muita energia e talvez essa energia não tenha sido completamente dissipada. E aí nós temos uma grande oportunidade E aí nós temos uma grande oportunidade. A oportunidade de promover uma reforma política”, conforme relato da repórter Marina Verenicz, da Carta Capital. 

Tarcísio está testando seus limites. Em Lisboa, ele falou para uma elite que, em sua maior parte, esteve com Bolsonaro contra o PT em 2018, sonhou com uma terceira via em 2022 e, por rejeição, terminou no barco lulista. Mas hoje esse grupo se incomoda com a retórica esquerdista do presidente e adoraria ter em 2026 um candidato liberal na economia e conservador nos costumes. 

Já para agradar os bolsonaristas, Tarcísio postou logo após a decisão do TSE que “a liderança do presidente @jairbolsonaro como representante da direita brasileira é inquestionável e perdura. Dezenas de milhões de brasileiros contam com a sua voz”. 

No governo de São Paulo, Tarcísio pula do barco da direita civilizada para a da direita radical a cada meia hora. Ele esteve ao lado de Lula no dia seguinte à invasão dos prédios Três Poderes em Brasília, em fevereiro, na visita aos desabrigados pelas chuvas no litoral. Ao mesmo tempo, ajudou no desconvite ao ministro da Agricultura para a abertura da feira Agrishow, em Ribeirão Preto, que homenageou Bolsonaro.

Tarcísio não demitiu o secretário que divulgou a informação falsa sobre cancelamento de investimentos ucranianos no Brasil em retaliação ao governo Lula, assinou a troca do nome de uma estação de metrô de Paulo Freira para Fernão Dias e não vetou a lei que deu nome ao ícone da ditadura coronel Erasmo Dias a um viaduto que liga duas rodovias no interior do Estado. 

Tarcísio tem um mestre nisso. Seu mentor político é Gilberto Kassab, que é secretário de governo do Estado de São Paulo, mas ao mesmo tempo apoia o governo Lula e controla os poderosos ministérios da Agricultura e Minas e Energia. Para agradar a Bolsonaro, os bolsonaristas radicais e as viúvas da terceira via, Tarcísio terá de ser tão hábil quanto Kassab.

O medo 

Embora o julgamento do TSE tenha sido uma derrota gigante, a pior notícia da semana para Jair Bolsonaro foi a prisão do hacker Walter Delgatti Neto, na quarta-feira , dia 28. Famoso por ter haqueado os telefones dos promotores da Lava Jato e comprovado o concluiu de Sergio Moro e Deltan Dallagnol nas investigações, Delgatti foi posteriormente contratado pela deputada bolsonarista Carla Zambelli e levado para um encontro com Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em agosto de 2022. Como revelou a repórter Andréia Sadi, da Globonews, o núcleo bolsonarista teme que Delgatti feche um acordo de delação premiada. 

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