Mauro Cid tentou alterar data de ofício para reaver joias da Arábia Saudita

Marcelo da Silva Vieira, então chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, entregou voluntariamente à Polícia Federal as conversas com o tenente-coronel

Bolsonaro e Mauro Cid

CNN

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tentou alterar a data de um ofício para reaver as joias que o governo da Arábia Saudita presenteou à antiga administração do Palácio do Planalto. As informações são da âncora da CNN Daniela Lima.

A Polícia Federal (PF) já tem as mensagens enviadas por Cid para Marcelo da Silva Vieira, então chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), em 27 de dezembro de 2022, com a minuta do ofício endereçada à Receita Federal, em que solicitava a incorporação dos bens retidos pelo órgão.

No documento, ele afirmava que os produtos, que não foram descritos, teriam sido encaminhados ao Estado brasileiro. A data colocada era a de 23 de dezembro, ou seja, quatro dias antes.

Entretanto, Vieira respondeu questionando se o assunto já havia sido resolvido, e que, pelas joias serem destinadas ao Estado, teria de ser tratado com a Secretaria de Administração. Cid prontamente retornou, falando que a questão estava solucionada.

O ex-chefe de gabinete entregou a imagem da conversa voluntariamente à PF.

O GADH é responsável por fazer a seleção daquilo que seria incorporado ao patrimônio público brasileiro e aquilo que seria do acervo pessoal do presidente. Vieira trabalhava no patrimônio da Presidência, no setor de arquivos e documentos, desde a gestão de Michel Temer (MDB), e foi exonerado em 1º de janeiro deste ano.

Leia a conversa a seguir:

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Buscas da Polícia Federal

A Polícia Federal realizou, nesta sexta-feira (12), buscas contra Marcelo da Silva Vieira.

O mandado de busca e apreensão foi cumprido na casa de Marcelo, no Rio de Janeiro, embora a operação aconteça no âmbito do inquérito policial aberto pela PF de São Paulo.

Jair Bolsonaro disse, em depoimento prestado no dia 5 de abril à PF, que nunca conversou com Marcelo da Silva Vieira e não sabe o motivo de seu envolvimento no caso.

Entenda o caso

A Arábia Saudita entregou ao governo brasileiro e a Bolsonaro três pacotes com joias durante o mandato do ex-chefe de Estado, entre 2019 e 2022.

Segundo a defesa de Bolsonaro, “os bens foram devidamente registrados, catalogados e incluídos no acervo da Presidência da República”. Além disso, os representantes afirmaram que todo o acervo de presentes será submetido à auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).

Em 2021, o príncipe Mohammed bin Salman Al Saud entregou dois estojos com joias ao então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que representou Jair Bolsonaro em agenda no país.

Os objetos, porém, não foram declarados como presentes de Estado – o que os eximiria de ter de pagar taxa na chegada ao Brasil, além de os regularizar e dar a devida destinação. A Receita Federal impõe que todos os produtos com valor superior a US$ 1.000 sejam declarados na entrada ao país.

O ex-ministro de Minas e Energia e a equipe de assessores dele viajaram em voo comercial e chegaram ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no dia 26 de outubro de 2021.

Um dos estojos, que estava com um dos assessores, que continha um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em R$ 16,5 milhões, foi localizado e apreendido pela Receita.

De acordo com o órgão, a incorporação ao patrimônio da União exige um pedido de autoridade competente, “com justificativa da necessidade e adequação da medida, como, por exemplo, a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu”.

Em comunicado, foi dito que isso não aconteceu. “Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público”, pontua.

A CNN questionou integrantes da equipe do governo Bolsonaro por que as joias não foram registradas antes de chegar ao Brasil. Interlocutores afirmaram que o assessor do Ministério de Minas e Energia deveria ter informado que se tratava de um presente do reino da Arábia Saudita para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o então presidente.

No segundo estojo havia uma caneta, um anel, um relógio, um par de abotoaduras e uma espécie de terço islâmicos, em valores oficialmente não divulgados, mas que está avaliado em R$ 500 mil. Este foi listado no acervo pessoal do ex-presidente Jair Bolsonaro, conforme o próprio confirmou à CNN.

No dia 28 de outubro de 2021, o gabinete do ex-ministro de Minas e Energia informou ao Departamento Histórico da Presidência da República que estava com os presentes entregues pelo governo da Arábia Saudita. Porém, omitiu-se que outros itens do primeiro estojo foram apreendidos pela Receita Federal.

Após um ano, em 29 de novembro de 2022, os itens do segundo estojo foram entregues ao Gabinete Histórico da Presidência da República, conforme a CNN confirmou em reportagem. No mesmo dia, os objetos foram incorporados ao acervo privado de Bolsonaro.

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