"Mario Covas. O prefeito das periferias", por Fundação Mario Covas

Mario Covas foi prefeito de São Paulo entre maio de 1983 a dezembro de 1985

Prefeito de São Paulo, Mario Covas - 1985


Foi um prefeito que deixou saudades, sobretudo na periferia da capital, onde fazia questão de se mostrar afeito ao ofício, mesmo sendo um prefeito nomeado e sem voto, ainda resquício dos tempos da ditadura. Dia sim, outro também, inclusive sábados, domingos e feriados, se aboletava no banco da frente do Opalão Diplomata, cinza, com motorista e assessor e escarafunchava as quebradas das zonas sul, norte, leste e oeste. Surpreendia a população, despido de elegância ou rapapés. Falava com a linguagem própria das periferias. E não se sentia constrangido em literalmente pisar no barro, almoçar gordurentos pastéis e coxinhas e beber guaraná no bico da garrafa.

Dentre centenas de episódios acontecidos e que merecem um dia ser livro de história, um valeu o seu mandato.

Aconteceu em janeiro de 1984, há quase quarenta anos, que narramos agora.

Parque Paulistano, bairro de indústrias e residências em um cantinho remoto da zona leste da capital. Povo classe operária, atual classe média pela régua do PT. Infernal o calor paulistano naquele mês. E, como de costume, chuvas torrenciais, daquelas que fazem o Rio Tietê transbordar sobre as pistas das marginais.

Mario Covas é o prefeito. Cigarro aceso entre os dedos, é informado logo pela manhã que naquele ponto da cidade a água invadiu as casas com mais de 1 metro de altura.

- Liga pro Administrador Regional, trombeteia imediatamente Mario Covas.

- Sim Prefeito, “a coisa tá brava”, responde o administrador. Se o Senhor puder vir aqui dar uma olhada vai entender. São centenas de pessoas desabrigadas.

- Manda o helicóptero do DSV (órgão que cuida do trânsito e que tinha o único aparelho da prefeitura) vir me buscar. Quero ver de cima o que está acontecendo, trombeteia novamente o prefeito.

Meia hora depois o helicóptero decola. Sobrevoa a área e com o faro de engenheiro acostumado com calamidades desde a época em que era simples funcionário da Prefeitura de Santos, descobre que o problema era um córrego que em determinado local fazia uma curva, tal qual um cotovelo dobrado, que obstruía a passagem da água.


Desceu e percorreu a pé a esquecida Vila Nitro Química, divisa com Guarulhos. O povo não o conhecia e imaginava ser um engenheiro barnabé da Prefeitura, em virtude da linguagem que usava: jusante e montante, metros cúbicos, área de baixa, eram os jargões naquela roda de homens de botas pretas, capas de chuvas amareladas e... cigarros. Muitos cigarros.

Covas não titubeou. Chamou o entristecido e aflito povo, identificou-se e disse que assumia o compromisso de desapropriar a área e eliminar o cotovelo que a natureza havia traçado. Tempo: 1 ano. Janeiro de 1985 não haveria mais alagamento, chovesse menos ou mais.

Ao retornar, cabisbaixo, ao gabinete no Ibirapuera (a prefeitura era no Parque do Ibirapuera) mais uma vez trombeteou:

- Descubram o telefone da Companhia Nitro Química, dona do terreno e liguem para lá. Quero falar com o responsável.

A Nitro Química pertencia ao conglomerado Votorantim, que tinha como presidente o conhecido e festejado empresário Antônio Ermírio de Morais. Apesar de ambos sócios do tradicional Instituto de Engenharia, só se conheciam socialmente.

- Doutor Antônio Ermírio, prazer em falar com o Senhor. Estou ligando para comunicá-lo que vou desapropriar uma área da Nitro Química. Preciso corrigir o leito do córrego causador das enchentes. Imagina, hoje lá tem centenas de desabrigados por causa do excesso das águas das chuvas dos últimos dias.

- Prefeito, fiquei sabendo da sua visita. Vou me informar a respeito do problema. O Senhor me recebe amanhã para discutir o assunto?

- Doutor Antônio Ermírio, não temos muito o que discutir, a minha decisão já está tomada, vou desapropriar e conto com a sua compreensão.

- Mas insisto em falar pessoalmente.

- Pode passar aqui amanhã, 11 horas?

- Combinado!

Dia seguinte, pontual, chega Antônio Ermírio. Muito solícito, após os rapapés tradicionais, o empresário abre uma pasta, mostra um mapa da área e fotos da empresa e começa a falar:

- Vou fazer assim e assado, transfiro o galpão para o lado tal, mudo o lado da portaria, aumento a vazão do córrego, faço captação pluvial nas ruas, etc, etc.

- Mas como vai fazer? Quem vai fazer é a Prefeitura. E as laterais vou ajardinar, garganteou Covas.

- Maravilha. Faço também o ajardinamento. Eu assumo todos os custos pois a empresa tem compromisso social com aquela comunidade. Depois a gente faz a doação da área pra prefeitura.

- Mas quanto tempo o Senhor vai demorar? Prometi àquele povo que janeiro do ano que vem não tem mais enchente. É o tempo que eu preciso para desapropriar, fazer o projeto, licitar e fazer a obra.

- Deixa que eu faço tudo em 90 dias.

- Aceita um café?

E assim, graças ao espírito republicano e ao pragmatismo cartesiano próprio de engenheiros de boas cepas, os dois personagens resolveram, com uma só conversa, um grande problema. Maio daquele mesmo ano, com as bençãos do padre da paróquia, fanfarra da escola do bairro, rojões, guaraná e pastel, o povo do Parque Paulistano recebeu o córrego em linha mais reta, com vazão adequada rumo ao Rio Tietê.

A partir deste episódio Covas e Antônio Ermírio viraram amigos. Daqueles “do peito”, de telefonemas para conselhos, vez em quando tomar o cafezinho e, sobretudo, para confidências de cenários políticos. A amizade era verdadeira, pois abdicaram do “Doutor” e “Prefeito” para se tratarem carinhosamente como Mario e Antônio.

Porém Covas, tinhoso e defensor dos deveres partidários, não apoiou Antônio Ermírio em sua candidatura para governador de São Paulo em 1986, sucessão de Franco Montoro. O empresário era o candidato do PTB e Covas, fidelíssimo ao MDB, o seu partido, mesmo contra a sua vontade e de 99% dos seus amigos, apoiou o vitorioso Orestes Quércia, de quem viria a ser vítima logo após a eleição. Para purgar a sua teimosia, teve que fundar um outro partido, o PSDB, para se ver distante da política perniciosa do então “quercismo” que se alastrara na política paulista.

Mesmo com o episódio do não alinhamento na campanha de 1986, e sem mágoas, Antônio Ermírio continuou apoiando o amigo Covas. Ajudou, com voto e verba, nas campanhas de 1989, 1990, 1994 e 1998, eleições seguintes quando a foto do Mario Covas aparecia nas cédulas.

E Mario Covas, em homenagem ao amigo, antes de morrer, vaticinou:

- O bom, em política, é você ser sempre credor. Em relação ao Antônio Ermírio, sou devedor. E, dá-lhe motivos para sempre se arranjar tempo para o cafezinho.

Mario foi embora em 2001. Deixou Antônio órfão das confidências e cafés. Em 2014 Antônio foi ao seu encontro.

Ambos foram para o plano do infinito, ganhadores. O Brasil, perdeu!

(texto simulado a partir de relatos feitos por Mario Covas aos amigos)

Comentários

  1. Mario Covas, o político de caráter irretocável e invejável conhecimento da gestão pública. Dizem que ninguém é insubstituível...Mário Covas foi e continua sendo insubstituível. Muita saudade! MANDY

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  2. Carla Morelli Benetton12/5/23 06:19

    Maravilhoso e realmente esse foi o Mario Covas que tive orgulho de trabalhar e admirar a cada dia seus feitos.De políticos assim é que o Brasil precisa.

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