Entrevista de Ricardo Nunes à revista EXAME

Pré-candidato à reeleição, prefeito de São Paulo se define como 'verdadeiramente de centro'

Ricardo Nunes
 (Foto:Leandro Fonseca/Exame)

Gilson Garrett Jr. e Luciano Pádua - EXAME

“Estávamos preparados para a possibilidade de ter alguns dias de afastamento do Bruno Covas.” Esse era o pensamento que entoava nos bastidores do período pós-eleição municipal de 2020, em que a chapa Bruno Covas (PSDB) e Ricardo Nunes (MDB) saiu vitoriosa na disputa pelo comando da cidade de São Paulo. Como pano de fundo estava um diagnóstico de câncer de Covas. A possibilidade mais remota se concretizou em pouco tempo. Cinco meses depois de assumir o cargo de prefeito, Covas faleceu. Nunes diz que ninguém esperava a morte tão precoce — ele tinha 41 anos.

De lá para cá, o vice que se tornou prefeito enfrentou a pandemia de covid-19, eleições nacionais polarizadas e reformas potencialmente impopulares. “Candidato natural à reeleição”, como ele mesmo diz, o emedebista tem caixa recorde para colocar a cidade toda em obra e fazer frente à popularidade de Guilherme Boulos (Psol), líder nas pesquisas eleitorais e principal oponente.

Nunes falou com exclusividade à EXAME, durante uma hora, sobre seus principais desafios, seu perfil de gestão e como pretende compor uma chapa vitoriosa.

Qual é o seu perfil de gestão? O senhor se considera mais analítico, mais estratégico, gosta de estar mais próximo dos secretários?
Meu perfil é um pouco do meu dia a dia fora da prefeitura, antes de ser prefeito. Eu sou empresário, então é sempre aquele foco de ter metas, cobrar resultados e exercer liderança. E exercer a liderança é dar o exemplo. Eu sou o primeiro a chegar e o último a sair. Meu estilo de liderança tem muita ligação com a minha história. Meu pai chegou de Portugal com 14 anos, empreendeu, trabalhou e chegou ao ponto de ser classe média alta. Ele então resolveu vender tudo e montar outro negócio no litoral de São Paulo, e não deu certo. Quando a gente voltou para São Paulo, a situação econômica da família mudou de classe média alta para pobre. Eu saí da escola particular e fui para a escola pública, saí do convênio de saúde e fui usar o serviço público, saí da situação de usar o transporte particular para usar o transporte público. Sou um cara assim, bastante amável, mas bastante exigente e muito consciente da minha responsabilidade de ser o gestor desta cidade-país de 12 milhões e meio de habitantes.

Com a morte do prefeito Bruno Covas (PSDB), o senhor pegou uma equipe já montada. Como foi trabalhar com esse time e garantir que cada pessoa tivesse as especificidades adequadas para exercer uma função dentro da gestão pública, alinhando também a composição política?
Eu e o Bruno montamos uma chapa, disputamos a eleição, e cerca de 60% da população nos deu a vitória. No final de 2020, o Bruno foi montando a equipe e eu fui participando junto. De todos os secretários escolhidos ali, eu só não conhecia a secretária de Justiça, a professora Eunice Prudente, que continua até hoje. Os outros já eram do meu convívio porque eu tinha sido vereador por oito anos. Mas não foi fácil. Assumimos em janeiro, e o Bruno já tirou dez dias de licença. Sendo bastante sincero, já estávamos preparados para a possibilidade de ele ter alguns dias de afastamento para o tratamento do câncer. No início eu ia ser secretário, mas o Bruno achou melhor ficar apenas como vice para justamente estar mais perto dele. Infelizmente, no dia 16 de maio, ele nos deixou. Tive de lidar com a dor de perder um amigo e administrar a cidade que estava no primeiro pico da pandemia de covid-19. Houve algumas mudanças, mas a estrutura em si é praticamente a mesma daquela iniciada em 2021.

O senhor tem uma base de governo um pouco mais à direita. Já o seu partido, o MDB, esteve em governos tanto de esquerda quanto de direita. Como o senhor se define no espectro político?
De centro, e verdadeiramente de centro. Sou uma pessoa de centro que dialoga com todo mundo, seja de esquerda, de centro, seja de direita. Fui vereador por oito anos, tenho uma relação ótima com o PSDB, com o PT, com o PP, com o União Brasil. Como prefeito, primeiro eu preciso pensar no interesse da cidade. Eu peguei uma parte em que o presidente era Jair Bolsonaro [PL]. Sentei com ele várias vezes para discutir pautas de interesse da cidade e trouxe muitos benefícios, como a negociação da dívida da cidade com a União de 25 bilhões de reais, que foi zerada. Recentemente, o presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva, do PT] me chamou para uma reunião sobre a segurança nas escolas e eu fui participar.

São Paulo tem um caixa recorde de 11 bilhões de reais para investimentos, mas muitos editais foram ou estão paralisados pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). Como a prefeitura está tentando destravar essas obras e responder ao órgão de controle?
Eu gostaria de perguntar para as pessoas se elas acham razoável o Tribunal de Contas parar um edital em julho de 2022 que era só para perguntar ao mercado se alguma empresa teria interesse em vender 5.000 unidades habitacionais prontas. E nós estamos em maio de 2023. Os órgãos de controle são fundamentais até para minha proteção. O Tribunal de Contas é fundamental para ajudar na gestão e no combate à corrupção. Meu questionamento é o tempo que eles estão demorando para fazer os processos, que não está de acordo com o tempo da necessidade da população. E não é só o Tribunal de Contas, o Tribunal de Justiça de São Paulo também. Pegando um caso concreto, da ponte Pirituba-Lapa: no dia 9 de abril de 2023, mês passado, completaram três anos que, por uma ação do Ministério Público, o tribunal paralisou a obra da ponte. Já era para estar pronta, era para milhares de pessoas estarem fazendo uso dessa obra importante. Eu estou usando 250.000 reais do seu imposto para colocar uma empresa de segurança que toma conta de uma obra parada. Pelo bem das pessoas, precisa haver uma celeridade na avaliação, sem nenhuma objeção aos controles rígidos.

A situação da Cracolândia está ligada diretamente à falta de moradia (há um déficit de 369.000 residências na cidade), além de questões de saúde e segurança. Como resolver o problema? Há uma meta do governo municipal para acabar com a Cracolândia?
Primeiro é preciso coragem de fazer. Eu e o governador Tarcísio [de Freitas, do Republicanos] estamos determinados e com coragem porque estamos enfrentando ali também o crime organizado. Já foram presos mais de 180 traficantes, e está sendo feito um trabalho muito forte de abordagem e convencimento para o tratamento daquela dependência química. Para entender o cenário hoje é preciso voltar um pouco, em 2016, quando foi feito o “Bolsa Crack”.

O senhor se refere ao programa De Braços Abertos, da gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT)?
Isso. As pessoas pegaram o dinheiro e foram abastecer o traficante. O número de usuários subiu para 4.000. Nós desapropriamos a região, demolimos, fizemos construções e enfrentamos uma verdadeira batalha. Hoje não tem feira, não tem balança, e tem presença policial. E, mais do que isso, tem presença da assistência social, do agente de saúde, fazendo convencimento para as pessoas se tratarem. Atualmente, há em torno de 1.000 pessoas na região da Cracolândia. Ela se espalhou um pouco, mas foi necessário. As pessoas precisam entender que esse remédio amargo é necessário. Eu tinha de quebrar aquele monopólio da organização criminosa, para poder haver acesso do poder público na região. O prazo para resolver eu não posso garantir, mas o que eu posso garantir é que tanto eu quanto o governador Tarcísio não vamos desistir, vamos persistir até chegar a uma solução, mas é um problema de 30 anos.

O senhor já respondeu em entrevistas recentes que é um candidato natural à reeleição. Mas, afinal, o senhor é candidato à reeleição?
É natural. Nós ficamos 2021 inteiro falando somente da pandemia de covid-19 até o início de 2022, lembrando que precisei cancelar o Carnaval. Depois veio uma disputa nacional altamente polarizada em que só se falava em Bolsonaro e Lula. Não tivemos uma atenção especial para falar dos problemas da cidade, como estamos tendo agora. Não é uma crítica, estou apenas colocando os fatos. A partir de agora, começamos a discutir a cidade. As pessoas vão poder ter oportunidade de ver o que nós estamos fazendo, a classificação do nível de investimento a que levamos a cidade de São Paulo, de 11,5 bilhões de reais.

Considerando então o senhor pré-candidato à reeleição. Como está a construção das alianças? O senhor vai pedir apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, já que o PL faz parte do seu governo?
Eu não vejo o PL fazendo oposição a mim porque fez parte da coligação e faz parte do governo. Não pedi apoio ao ex-presidente Bolsonaro, mas conversei com o presidente nacional do PL, o Valdemar Costa Neto. Ele me chamou, há duas semanas, para um almoço em que Bolsonaro também estava, ao lado do presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado André do Prado, que é PL. Na conversa coloquei algumas questões do que estamos fazendo. Estamos com 1.300 obras até por causa do acordo que fizemos com o governo federal na gestão dele. Eu não fiz nenhuma colocação de pedido de apoio, até porque eu não tenho essa liberdade. Mas o presidente do PL sinalizou muito positivamente a boa relação que a gente tem a partir do momento em que ele me convidou para um almoço com o presidente Bolsonaro. Também tem as declarações do presidente do PL aqui de São Paulo, lembrando que a eleição é municipal. Ele tem declarado abertamente que deseja continuar conosco no nosso projeto. Mas sabe como é: política é igual nuvem, cada hora está de um jeito.

Em um momento pós-pandemia, em que as pessoas não precisam mais morar na cidade em que o trabalho está, qual é o papel da prefeitura na construção de boas cidades?
Acredito que proporcionar um ambiente positivo, ter uma equipe que trabalha e que ama a cidade, um prefeito que é o maior apaixonado pela cidade. Além disso, fazer uma gestão de resultado. Acho que é isso que vai ter essa atratividade cada vez maior de mais profissionais e de pessoas para morar em São Paulo.

Comentários