O vice perfeito

Pelas beiradas e sem rufar os tambores, Alckmin acumula poderes que um vice-presidente nunca desfrutou antes

Geraldo Alckmin

Carta ao Leitor - Veja

Na terça-feira 11, Lula embarcou para uma viagem oficial de cinco dias à China. Por essa razão, a cena da foto acima, em que o atual ocupante do Palácio do Planalto cumprimenta fraternalmente seu vice, Geraldo Alckmin, carrega uma poderosa carga de simbolismo. Em governos passados, a transmissão de cargo do presidente para o seu substituto era meramente protocolar, em alguns casos cercada de apreensão. Itamar Franco não suportava Fernando Collor — e vice-versa. Dilma Rousseff fazia questão de manter Michel Temer, em quem não confiava, o mais distante possível. Jair Bolsonaro, paranoico, acreditava que o general Hamilton Mourão conspirava para tomar o seu lugar. Não é o caso agora. Lula tem muitos problemas para resolver neste início de mandato, mas Geraldo Alckmin certamente não é um deles.

Em algumas situações, ele tem sido a solução. O vice-­presidente, ao contrário dos antecessores citados, tem atribuições importantes no governo, acumula a função de ministro do Desenvolvimento, Indústria , Comércio e Serviços, cargo que lhe dá um status diferenciado e funciona como um canal de comunicação entre o Planalto e o empresariado — especialmente com aquela parcela que ainda vê o PT com relativa desconfiança, como o agronegócio, por exemplo. Lula também delegou a Alckmin a coordenação das reuniões setoriais do ministério e a tarefa de servir de elo com correntes do bolsonarismo e com parlamentares de perfil mais conservador que tentam se aproximar do Planalto.

São poderes que um vice-presidente nunca desfrutou antes. Em outros tempos, não demoraria muito para que essa desenvoltura fatalmente se transformasse num vertedouro de intrigas. De novo, não é o caso. Alckmin, segundo o próprio presidente, é o vice perfeito. Cumpre com diligência as missões que recebe, fala pouco e é incapaz de apunhalar alguém pelas costas. A característica do vice que mais agrada a Lula — e aos petistas de modo geral —, aliás, é a discrição. Desde que assumiu o cargo, ele se reuniu com pesos-pesados da economia, participou das tensas discussões do 8 de janeiro e serviu até de algodão para evitar que valiosos cristais do governo rachassem precocemente. Em nenhum momento ele apareceu — nem quer aparecer — como protagonista desses feitos. Ao assumir a Presidência da República interinamente, o vice avisou que não iria sentar na cadeira do presidente.

Mais que uma demonstração de respeito, a decisão de se manter distante do gabinete de Lula é a maneira de Alckmin delimitar sua atuação, sem diminuir a relevância do cargo que ocupa e mostrando que sabe bem o peso de determinadas imagens. Em entrevista exclusiva a VEJA, a primeira desde que assumiu o cargo, ele disse que, se depender dele, continuará sendo um “zé-ninguém” até o fim do governo — apesar de alguns aliados mais entusiasmados já especularem ambiciosamente sobre o seu futuro político. “Presidente só tem um e é o Lula”, afirmou. Na campanha eleitoral, Alckmin teve um papel decisivo ao personificar o que Lula prometia como sua principal bandeira: o pacto pela pacificação do país. O petista garantiu, se eleito, que faria um governo plural, de união, sem revanchismos. Cem dias depois, a promessa ainda não se concretizou. Mas há esperança. Pelas beiradas e sem rufar os tambores, Geraldo Alckmin continua a trabalhar para que isso aconteça.

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