Entrevista do presidente do PSDB, Eduardo Leite ao jornal Valor Econômico

‘O futuro é o que deve nos unir no PSDB’, diz o governador do Rio Grande do Sul

Eduardo Leite

Ricardo Mendonça - Valor Econômico

Eleito para presidir o PSDB após o acanhado desempenho eleitoral do partido em 2022 - não apresentou candidatura presidencial, elegeu só 13 deputados federais e perdeu a eleição estadual em São Paulo - o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tenta unir a agremiação. Ele reconhece que o surgimento do bolsonarismo como força antipetista colocou o partido em uma crise de identidade.

Na primeira eleição de sua história sem candidato próprio à Presidência, a sigla apoiou Simone Tebet (MDB). Mas só oficialmente. Parte grande dos tucanos ficou com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Outro grupo preferiu Luiz Inácio Lula da Silva, que acabou sendo eleito. Leite, que disputava a reeleição, não declarou voto no segundo turno. 

Leite lutou contra João Doria, ex-governador de São Paulo, para ser o candidato a presidente do PSDB. Sem sucesso, investiu no retorno ao mandato ao qual havia renunciado pouco antes. Pelo menos por enquanto, evita se colocar como candidato em 2026. Diz que o foco é no Estado. No comando do Estado, ele busca fazer uma gestão intensiva em concessões e privatizações e elogia a “abertura ao diálogo” que vem sendo demonstrada pelo governo Lula. Manifesta dúvida em relação a agenda econômica do petista, mas expressa apoio à reforma tributária. 

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor: 

Valor: O senhor assumiu a presidência do PSDB no fim do ano passado. O que muda no partido?
Eduardo Leite: Eu tenho o papel de liderar para dentro do PSDB a discussão sobre as agendas do partido, o seu propósito, suas bandeiras. Depois do resultado eleitoral muito ruim para o partido - é a menor bancada do Congresso na nossa história -, o momento exige essa discussão. Como vamos nos comunicar? O que vamos comunicar? Quais são as bandeiras que a gente deve erguer com mais força? Com quais setores devemos nos aproximar? 

Valor: Qual é o desafio? 
Leite: Sensibilizar as pessoas, cativar, nos conectarmos com os corações e mentes dos eleitores. É para que, de uma forma orgânica, com brilho no olho, cada um dos nossos líderes possa estar conectando o partido novamente com as ruas. É um momento de discussão interna, alinhamento. É para que possamos sair falando uma mesma língua, de forma coerente, depois de, por algum momento, ter havido aí até uma crise de identidade. 

Valor: Além da redução da bancada, outra marca do PSDB em 2022 foi não ter apresentado candidato próprio à Presidência pela primeira vez. O que explica essa fase e esses resultados tão ruins? 
Leite: O cenário eleitoral de 2015 para cá tornou-se especialmente tenso, turbulento e com uma polarização muito forte. Isso depois de um período de o partido ter sido um antagonista ao PT. Quando esse antagonismo ao PT passa a ser exercido pelo bolsonarismo, isso gerou uma crise de identidade para o PSDB. E aí gerou a aproximação de alguns [tucanos] com bolsonarismo, insatisfação de outros, que repudiavam o bolsonarismo. E isso gerou uma crise de identidade. Então, por isso, o partido chegou fragilizado nas eleições, deixou de ter candidato e teve os resultados que teve. 

Valor: Acha que foi um erro o partido não ter seguido as prévias, eleição interna que escolheu o ex-governador João Doria (SP) como candidato a presidente? 
Leite: O partido seguiu as prévias. O Doria podia ter sido candidato. Ele abriu mão de candidatar-se, né? Eu deixei declarado o meu apoio a ele, nunca tentei subverter a ordem das prévias. Doria tomou a decisão de não ser candidato e abriu espaço para que o partido não tivesse candidatura e apoiasse a Simone [Tebet, MDB]. Foi uma decisão dele. 

Valor: Ele queria muito ser candidato. Ele foi levado a desistir.
Leite: Foi levado a isso porque identificou-se que as lideranças do partido teriam dificuldade de levar adiante a sua candidatura. Ele mesmo ficou convencido de que não deveria ser candidato. Então, na verdade, não se deixou de ter atenção ao resultado das prévias. 

Valor: Em 2022, figuras importantes do PSDB, como o governador Eduardo Riedel (MS) e diversos parlamentares, apoiaram Jair Bolsonaro. Outros, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aloysio Nunes, apoiaram Lula. O senhor não declarou apoio a ninguém. Como construir unidade numa agremiação assim? 
Leite: Olhando para o futuro. O futuro é o que deve nos unir no PSDB. Com esse episódio de polarização intensa, as escolhas feitas não são reveladoras do caráter ou do pensamento político puramente das lideranças políticas. Os que lutaram por um e os que lutaram por outro, tenho certeza, não o fizeram com satisfação. Acho que a gente deve deixar isso agora para discutirmos o futuro. 

Valor: Já se sente à vontade para dizer em quem votou no segundo turno da eleição presidencial?
Leite: Acho que nada colabora com meu papel como governador. Nós estamos trabalhando para unir as pessoas, né? Respeitar as diferenças que temos. Eu dei meu voto como cidadão a um dos candidatos. Meu pensamento político é o que busca conciliar uma visão arrojada, moderna, de estado que revê estruturas, que reforma, que privatiza, mas que, de outro lado, entende que o estado precisa estar forte e atuante na área social, com transferência de renda, com políticas de inclusão, promovendo a igualdade, respeitando a diversidade. Como nenhuma das candidaturas conseguiam representar esse pensamento conciliador, não revelo o meu voto. É para que possa preservar meu posicionamento político, que busca este caminho alternativo. 

Valor: O senhor fez um grande esforço para tentar ser candidato a presidente em 2022. Em 2026, não poderá tentar nova reeleição. É certo que tentará a Presidência? 
Leite: Não. Não é certo, não. Nem estou considerando isso. O foco é total no governo. A gente acabou de passar por uma eleição. Eu tenho absoluta tranquilidade que o contexto, o cenário político, é muito dinâmico. A gente pode chegar lá em 2026, o vento ter soprado numa direção ou em outra e mudado completamente o contexto, exigindo posições diferentes. Na minha responsabilidade como governador, participarei dos debates e das discussões nacionais. Mas as decisões sobre candidatura em 2026 são reservadas ao momento adequado, que é mais adiante. 

Valor: O senhor e outros 26 governadores reuniram-se com o presidente Lula para tratar das prioridades de cada Estado. O que pleiteou? 
Leite: Relacionamos itens em infraestrutura, especialmente. É muito importante que a gente tenha um investimento que ajude a reduzir o curso de logística, afinal nós estamos ao sul do Brasil. Conexão com países vizinhos, pontes em ligação com a Argentina, com o Uruguai. Duplicação de estradas, investimentos no nosso sistema ferroviário. 

Valor: Qual o valor global dos investimentos solicitados? 
Leite: Não tenho agora o número fechado. Alguns itens não têm nem valores fechados ainda. Possivelmente deve chegar próximo de R$ 10 bilhões. 

Valor: E depois da reunião? As conversas prosseguiram? 
Leite: Foram chamadas reuniões com as nossas secretarias de planejamento onde isso foi pormenorizado. Foram colocados em destaque os investimentos mais urgentes. Houve chamamento depois da Casa Civil aos governos estaduais. Mas são dois meses e meio, né? Não dá para cobrar a resolução de todos as demandas dos Estados. 

Valor: Que avaliação faz sobre essa fase inicial do governo Lula? 
Leite: Acho que o aspecto especialmente positivo é a abertura ao diálogo. Nós tínhamos muitas dificuldades no governo passado até pela hostilidade do ex-presidente [Jair] Bolsonaro. Sempre agredindo e atacando governadores e todos aqueles que não estivessem com ele. Então agora há uma relação mais saudável, uma abertura para discutir temas importantes para os Estados, como a compensação das perdas no ano passado por conta da redução forçada de ICMS promovida pelo governo federal. 

Valor: E a crítica? 
Leite: Causa preocupação na área econômica. Quais serão os direcionadores da política fiscal? Como é que o comportamento das ações do governo vai influenciar na economia? Há muita expectativa sobre o que virá em relação ao arcabouço fiscal. O histórico do PT e do presidente Lula leva a crer que as regras que venham a constar de um arcabouço fiscal não sejam tão sólidas e rígidas a ponto de gerar a melhor segurança para os investidores. 

Valor: Mas o senhor já faz uma avaliação negativa nesse campo? 
Leite: Não. Eu acho que não dá para avaliar ainda. O importante é aguardar os movimentos. 

Valor: O senhor apoia a reforma tributária nos termos colocados? 
Leite: Nós apoiamos a PEC 45. Ao que tudo indica, será a base da proposta de reforma a ser encaminhada pelo governo. Claro que não temos os detalhes. Mas a gente entende que é fundamental para aumento de produtividade do país. Que reúna tributos para simplificar a relação do contribuinte com o fisco. 

Valor: O governo Lula pode contar com o apoio do senhor nisso? 
Leite: Nós seremos apoiadores. Claro que acompanhando os impactos em relação ao nosso Estado. Como uma reforma que é desejada por muitos, todos precisam ter a disposição de fazer concessões. O Rio Grande do Sul, que é produtor e que, portanto, tem tributação na origem, sabe que é importante migrar para a tributação no destino. Isso é uma concessão. 

Valor: Como avalia a chance de aprovação da reforma tributária? 
Leite: Será especialmente dependente da ênfase que o presidente da República colocar. Eu tive a oportunidade de fazer reformas muito profundas do Rio Grande do Sul. Privatizações, reforma administrativa, da Previdência. Todas tiveram sucesso porque o próprio governador se envolveu. Eu liderei pessoalmente essas reformas, as reuniões, explicava aos setores atingidos, aos servidores, aos partidos, aos deputados. Estive diretamente envolvido para que ficasse claro que era uma agenda prioritária. Isso fez toda a diferença. Se houver forte envolvimento do presidente da República, acho que há ambiente político e compreensão da importância da reforma. 

Valor: Qual é o diagnóstico do senhor a respeito da situação econômica do Rio Grande do Sul hoje? 
Leite: O Estado que eu assumi há quatro anos tinha uma crise violenta, de não conseguir pagar salários nem hospitais, não tinha nenhuma capacidade de investimentos, acumulava dívidas e estava fiscalmente desestruturado. O Estado que temos hoje tem uma situação muito mais confortável. Salários em dia, dívidas pagas, capacidade de investimento. Mas é uma situação que ainda inspira cuidados, porque o problema é estrutural no Rio Grande do Sul. A dívida para com a União é a maior proporcionalmente à população. São R$ 82 bilhões. O estoque de precatórios também é, proporcionalmente, o maior. R$ 16 bilhões. O déficit previdenciário, por mais que tenha sido reduzido, era de R$ 12 bilhões, hoje é de R$ 9 bilhões. Mas ainda assim é o maior também proporcionalmente. Vamos precisar de longos anos, com muita disciplina, esforço contínuo, para que o Estado possa ser redimir efetivamente desses problemas. 

Valor: Há uma agenda de concessões. Qual a dimensão? 
Leite: Ao longo do primeiro governo fomos o [Estado] que mais avançou em privatizações e concessões. Privatizamos três companhias na área de energia elétrica, uma de gás e outra na área de saneamento. Avançamos em concessões de estradas, blocos de rodovias, parques ambientais. Continuamos com projetos nessa direção. A gente tem a concessão do cais do antigo porto de Porto Alegre, deve ter edital publicado ainda no primeiro semestre. Concessão de novos parques ambientais. Concessão de presídio também, de blocos de rodovias. E vamos avançar também, começamos a ter estudos, nas áreas finalísticas de saúde e educação, isso ainda incipiente. 

Valor: Em 2018, quando era candidato, o senhor afirmou que não iria privatizar a empresa de saneamento. Eleito, encaminhou a venda. Em 2022, na reeleição, prometeu que não irá privatizar o Banrisul. Por que as pessoas devem acreditar? 
Leite: No caso do saneamento, o marco regulatório foi alterado em nível federal. Esse novo marco estabeleceu uma outra condição, com prazos a serem observados na ampliação dos serviços de coleta e tratamento de esgoto e a obrigação de ser universalizado até 2033. Para isso, o Estado precisaria de R$ 15 bilhões, o que significaria triplicar os investimentos. A companhia não tinha capacidade para isso. Além da dificuldade de agilidade em promover esses investimentos por conta das restrições de uma empresa pública, que precisa respeitar a lei de licitações e contratações, e dificuldades em demissões para ganhos de eficiência. Então mudou o cenário. No caso do banco, não há sinalização de mudança nas regras bancárias que venham a impor ao Estado a necessidade de privatizar. 

Valor: O senhor citou também a Previdência. Ao renunciar em 2022 para tentar ser candidato a presidente, o senhor solicitou a aposentadoria de ex-governador aos 37 anos. Ainda que formalmente dentro da lei, não enxerga isso como um mau exemplo? 
Leite: Aposentadoria é tudo que você leva para a vida toda. Nunca foi isso. O que era garantido pela legislação no Estado era um período de remuneração [para ex-governadores], tanto quanto existe para ministros que saem e recebem por um período de quarentena. É por conta do desempenho da função. No caso do governador, é uma remuneração pelo período de quatro anos após o mandato. Não era aposentadoria, portanto. Sem caráter previdenciário, sem relação com a questão da idade. 

Valor: Por que ex-governador precisa receber isso? 
Leite: O desempenho da função de governador nos afasta de cumprir nossa tarefa profissional. No [meu] caso, no direito. Qualquer um teria dificuldade de imediatamente [após o mandato] se estabelecer no mercado. 

Valor: Mas diante da má-repercussão, o senhor desistiu. Foi isso? 
Leite: Sim. Quando a situação tomou uma proporção de polêmica, eu preferi abrir mão. Sou o único ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul que não recebe. Todos os outros recebem. 

Valor: Se a vigência do benefício é de quatro anos, os outros não recebem mais. 
Leite: Não, porque a legislação mudou. A regra [de quatro anos] seria a partir do mandato que eu cumpri. Para os outros governadores anteriores ao meu mandato, o benefício é vitalício. 

Valor: O Estado virou notícia no país inteiro em razão do episódio de trabalho escravo associado às vinícolas de Bento Gonçalves. O Rio Grande do Sul tem uma comissão instituída em 2011 para monitorar o risco de trabalho degradante e fazer prevenção. Em 2014, criou um plano estadual para erradicar o trabalho escravo no Estado. Por que não funcionou? 
Leite: Não. Tem sido feito uma série de fiscalizações, operações. É um crime federal, né? Responsabilidade de órgãos federais. Ministério Público de Trabalho e Ministério do Trabalho devem agir sobre essas áreas e há a cooperação por parte do governo do Estado. Eu acho que as dificuldades fiscais que o Estado passou ao longo dos últimos anos geraram uma série de dificuldade de atuação em diversas frentes. Talvez também nessa frente. Mas a nossa disposição é reforçar ações em cooperação com os órgãos federais para garantir as condições de fiscalização.

Valor: No âmbito estadual tem no horizonte providência de penalização econômica de empregador envolvido nesse tipo de crime? 
Leite: Estaremos abertos a essa [possibilidade]. Se houver identificação de atuação deliberada de empresas na contratação de terceirizadas de forma a desrespeitar os direitos trabalhistas, essas responsabilidades irão se impor em diversas frentes. Inclusive de ordem econômica, principalmente de ordem criminal. 

Valor: Uma entidade empresarial havia associado o caso ao que chamou de “sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade”. Estava se referindo aos programas de transferência de renda. O senhor endossa essa crítica? 
Leite: Em absoluto. Não endosso. Acho que foi uma manifestação equivocada, talvez assustados com a repercussão tentaram gerar algum distanciamento. Os programas de transferência de rendas são importantes para a inclusão social, para proteção de camadas da população que foram marginalizadas, que não tiveram acesso a condições adequadas de educação para se incluírem economicamente. São programas muito importantes. É importante que a gente proteja e inclua socialmente e economicamente. Nos interessa que essas pessoas estejam protegidas para que seus filhos possam frequentar a escola, serem bem nutridos e para se desenvolverem melhor. Inclusive para se tornarem a mão de obra e o capital humano que nós desejamos para o futuro.

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