Diamantes: todos os passos de Bolsonaro para ficar com as joias de R$ 16,5 milhões

Do uso de três ministérios e militares a versões contraditórias sobre para quem eram os presentes; entenda como o ex-presidente fez de tudo para reaver os diamantes doados pelo regime saudita

Michelle, joias e Bolsonaro

Adriana Fernandes e André Borges - Estadão

O governo Jair Bolsonaro escalou três ministérios e militares para reaver o conjunto de joias e relógio de diamantes avaliado em 3 milhões de euros (cerca de R$ 16,5 milhões) trazidos ao Brasil de forma ilegal.

Como revelou o Estadão na sexta-feira, 03, o presente milionário dado pelo regime saudita acabou apreendido pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos. Eles estavam na mochilha de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Orienta Médio em outubro de 2021.

Leia também:
Governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente colar e brincos de diamante de R$ 16,5 milhões para Michelle

Entenda de que forma Bolsonaro usou da estrutura do governo envolvendo os ministérios de Minas e Energia, Economia e Relações Exteriores além de militares para reaver as joias:

1) A apreensão

A apreensão dos diamantes ocorreu no dia 26 de outubro de 2021, durante uma fiscalização de rotina entre os passageiros do voo 773 que desembarcaram nos terminais de Guarulhos, com origem na Arábia Saudita. Após a passagem das malas pelo raio X, os agentes da Receita decidiram fiscalizar a bagagem de Marcos André Soeiro, assessor de Bento Albuquerque.

Ao checar o conteúdo de uma mochila, os fiscais se depararam com a escultura de um cavalo de aproximadamente 30 centímetros, dourada, com as patas quebradas. Dentro da mochila, encontraram, ainda, o estojo com as joias trazidas para Michelle, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

O assessor solicitou aos funcionários da Receita que chamassem novamente o ex-ministro para acompanhar a fiscalização, o que foi atendido. Os servidores da Receita explicaram as regras para ambos.

2) As regras

Se fosse considerados bens do viajante era preciso pagar os impostos. A única maneira possível de se retirar qualquer item apreendido pela Receita na alfândega – e isso vale para itens com valor superior a US$ 1 mil ou mesmo joias milionárias – é fazer o pagamento do imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de mais 25%, pela tentativa de entrar no País de forma ilegal.

Se as joias fossem considerados presentes do regime saudita ao governo brasileiro, elas passariam a compor o patrimônio da União e seria preciso a formalização oficial.

Depois de passarem mais de um ano em poder da alfândega, os itens milionários seriam oferecidos em leilão de itens apreendidos pela Receita por sonegação de impostos. Essa decisão, porém, acaba de ser suspensa, porque as joias passaram a ser enquadradas como prova de crime.

O Ministério da Justiça acionou a Polícia Federal para investigar os fatos revelados pelo Estadão que podem configurar crimes de descaminho, além de peculato e lavagem de dinheiro, entre outras ilegalidades.

3) Os donos

Albuquerque disse aos servidores da Receita que os presentes eram para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. A praxe é de que esse tipo de abordagem seja gravada pelas câmeras de segurança do aeroporto.

Ele repetiu a mesma versão ao Estadão, acrescentando que o relógio era para o ex-presidente. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né? Deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveriam ser para o presidente, como dois embrulhos. Além do relógio, o estojo tinha um par de brincos, colar e um anel, todos com diamantes.

No ato de apreensão, o ministro poderia ter declarado que se tratava de um presente de um governo para outro, mas isso não foi feito. Neste caso, as joias seriam tratadas como propriedade do Estado brasileiro.

4) O uso da máquina pública

Após as joias ficarem retidas pela Receita, os ministérios de Bolsonaro entraram em ação para tentar reavê-las e passaram a mudar a versão de que os presentes seriam destinados ao acervo, sem dizer especificamente a qual deles.

O Ministério das Relações Exteriores pediu à Receita para que tomasse providências necessárias para liberação dos bens retidos”, mas a Receita retrucou que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos.

“Considerando a condição específica do Ministro —representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artístico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, diz o documento.

O gabinete do ex-ministro Bento Albuquerque também enviou ofício para a Receita cujo assunto era “liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse Órgão, que foram ofertados por ocasião de eventos protocolares no exterior”.

Em seguida, o ex-secretário da Receita, Julio Cesar Vieria Gomes, entrou em campo para liberar o material, mas os servidores do órgão mantiveram-se firmes.

5) A última tentativa

A última tentativa de reaver as joias foi em 29 de dezembro, quando Bolsonaro estava prestes a deixar a Presidência.

Um funcionário do governo Bolsonaro pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) naquele dia e desembarcou no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. “Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”, argumentava o militar, segundo relatos colhidos pelo jornal. A viagem foi autorizada pelo próprio Bolsonaro.

O Estadão localizou a solicitação à FAB para levar o chefe da Ajudância de Ordens do Presidente da República, primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva. O documento dizia que a viagem de Silva era “para atender a demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade”, com retorno “em voo comercial no trecho Guarulhos para Brasília”.

Registro da FAB do voo do 1º sargento da Marinha para buscar as joias de Michelle a pedido do presidente Jair Bolsonaro

Em 28 de dezembro, Bolsonaro já havia enviado um ofício ao gabinete da Receita Federal para solicitar que as pedras preciosas fossem destinadas à Presidência da República, em atendimento ao ofício 736/2022, da “Ajudância de Ordens do Gabinete Pessoal do Presidente da República”.

Na sexta-feira, após o Estadão ter revelado o caso, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro disse que “não estava sabendo” que tinha “tudo isso”, referindo-se às joias de diamantes avaliadas em R$ 16,5 milhões.

“Quer dizer que, ‘eu tenho tudo isso’ e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa (sic) vexatória”, publicou Michelle nos stories do Instagram.

Comentários