A volta da política

Buscar soluções que interessem à população, e acima de divergências pessoais ou partidárias, como fizeram Lula, Tarcísio e Felipe Augusto, é fazer política responsável

Tarcísio, Lula e Felipe Augusto

Jorge J. Okubaro* - Estadão

A política, para alguns o símbolo de todo o mal que acomete o País, felizmente está recuperando seu papel. Ela implica a discussão sensata em busca de consensos sem os quais nenhuma ação pública, especialmente as mais importantes e em geral mais complexas e geradoras de dissensão, pode prosperar no ritmo e nas condições necessárias para amenizar os problemas da população.

Se imagens podem ser mais veementes do que palavras, veja-se a foto do encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o governador paulista, Tarcísio de Freitas, e o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto, para decidir providências imediatas de socorro às vítimas das chuvas no litoral norte e de recuperação dos serviços afetados pelos deslizamentos. Cada uma dessas autoridades representa uma instância do poder público e pertence a um partido diferente e adversário dos demais – PT, Republicanos e PSDB, respectivamente. Mas uma necessidade muito maior do que seus interesses pessoais ou partidários as unia. Buscar soluções que interessem à população, e acima de divergências pessoais ou partidárias, como estavam fazendo esses dirigentes públicos, é fazer política. E é fazer política responsável, com a valorização do pacto federativo.

É um cenário diferente do que se observou entre 2019 e 2022. Por iniciativa do ex-presidente Jair Bolsonaro, os demais Poderes foram atacados; outras instâncias de poder foram ignoradas. Apenas interesses dos bolsonaristas mereciam atenção do governo. Embora pretendessem destruir a política, esses bolsonaristas estimularam seu fortalecimento. À violência das ações de seus grupos golpistas que, em 8 de janeiro, atacaram e invadiram edifícios que simbolizam a República, dirigentes dos Três Poderes, acompanhados de mais de 20 governadores de Estado, responderam com uma caminhada do Congresso até a sede do Supremo Tribunal Federal, num gesto que simbolizou a união em defesa do Estado Democrático de Direito. Dele já surgem frutos.

A reunião de Lula, Tarcísio e o prefeito de São Sebastião é um deles. Há dias, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que desde 1989 se apresentava como adversário inconciliável do principal líder do PT e feroz crítico de tudo o que esse partido defende, destacou a importância do diálogo com o governo Lula. Caiado disse ser importante estabelecer uma “convivência pacífica e respeitosa” entre Estados e governo federal e que governar com a participação de todos os entes federados, sejam aliados ou opositores, é “a maneira republicana de governar”.

Há evidente dependência financeira de Estados em relação à União, assim como há das prefeituras aos governos estadual e federal, o que força a aproximação de governadores com o presidente da República. Não se viu isso, porém, no governo Bolsonaro. Na pandemia, qualquer forma de cooperação com os governos estaduais foi descartada.

A desobstrução dos caminhos da política propicia a oportunidade para que os grandes problemas do País sejam discutidos e, assim, se possa encontrar meios para enfrentá-los com eficiência, ainda que muitos deles pareçam bem maiores do que a disposição geral para superá-los.

Na reunião que teve com os 27 governadores no Palácio do Planalto no dia 27 de janeiro, o presidente Lula disse que não haverá vetos aos pedidos dos Estados, cujas demandas, garantiu, serão examinadas pelo governo federal. Ao final, os governadores divulgaram documento, também assinado por Lula, no qual reafirmam seu compromisso com o Estado Democrático de Direito e garantem que “todos os nossos esforços serão orientados pela agenda do desenvolvimento para superarmos o desemprego, a inflação, a fome e a pobreza numa agenda integrada e negociada permanentemente”. Eis aí um resumo dos anseios do País.

Foi um ato nitidamente político. Esse ato dá força ao compromisso que Lula assumiu no discurso de posse que pronunciou no Congresso: “Reafirmo, para o Brasil e para o mundo, a convicção de que a política, em seu mais elevado sentido – e apesar de todas as suas limitações – é o melhor caminho para o diálogo entre interesses divergentes, para a construção pacífica de consensos. Negar a política, desvalorizá-la e criminalizá-la é o caminho das tiranias”.

A valorização da política, a busca da reconciliação num país ainda nitidamente dividido, a promessa de que governará para todos os brasileiros o ajudam. A coragem de rever programas sociais de grande alcance, como o Bolsa Família, para restabelecer sua eficiência e seus verdadeiros objetivos, ainda que isso implique afastar mais de 1,5 milhão de pessoas dos benefícios hoje pagos irregularmente, lhe dá credibilidade. Mas ele ainda faz discursos voltados exclusivamente para a base petista e que parecem estimular-lhe uma espécie de volta às origens operárias, mas podem enfraquecê-lo em diferentes segmentos da sociedade e ameaçar o êxito de seu governo. O País ainda aguarda seus planos e suas propostas para a retomada do desenvolvimento.

*JORGE J. OKUBARO - JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME)

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