Lula e Biden podem inaugurar relação produtiva

Viagem de Lula a Washington e envio ao Brasil de uma equipe de assessores dos EUA antes da posse sublinham interesse mútuo em novo diálogo

Biden e Lula

Paulo Sotero* - O Estado de S.Paulo 

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi recebida com alívio pela Casa Branca e um elogio ao sistema de votação brasileiro assim que o resultado foi postado no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A satisfação do governo americano foi reiterada na manhã seguinte pelo presidente Joe Biden, num telefonema de 20 minutos a Lula, no qual o líder americano prontificou-se a enviar ao País uma equipe de assessores para mapear com o presidente eleito caminhos para uma cooperação bilateral e multilateral produtiva, suspensa pelo presidente Jair Bolsonaro – um dos últimos a cumprimentar o líder americano pela vitória sobre Donald Trump, seu inspirador e aliado. A administração Biden vê o triunfo de Lula e da ampla aliança que o apoiou como prova do vigor da democracia brasileira diante do avanço dos regimes autocráticos. 

O País pode retribuir torcendo para que os democratas de Biden consigam maioria de cadeiras no Senado, hoje dividido ao meio, nas eleições legislativas da próxima semana. Isso possibilitaria ao presidente americano ter em Brasília um embaixador de sua confiança para aprofundar a cooperação e elevar o Brasil na escala das prioridades em Washington. 

A nova conjuntura global, escancarada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, expôs a mudança em curso do poder relativo global e diminuiu a assimetria entre os dois países, que é real, mas foi usada no passado em Brasília e no mundo acadêmico como justificativa para a inação e o não engajamento. Hoje, os EUA e os tradicionais aliados do país na Europa precisam mais do Brasil mais do que precisaram no passado. Cabe a Lula e a seus aliados compreender essa nova realidade e tirar proveito dela ampliando o diálogo para além do Itamaraty e dos canais tradicionais de interlocução. 

No topo da nova agenda bilateral está a cooperação sobre meio ambiente e clima, áreas nas quais o País possui inegáveis ativos, como a Floresta Amazônica, a produção sustentável de alimentos e a capacidade de liderança internacional que provou ter em décadas recentes e da qual o mundo hoje sente falta. 

A convergência de interesses com os EUA está visível também na decisão estratégica de Washington, recentemente anunciada, de apoiar uma reconfiguração dos organismos de governança global, a começar pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, que ganhará poder e efetividade se se tornar mais representativo da realidade internacional. O Brasil explorou esse difícil caminho e deu-se mal, em parte pela resistência dos membros permanentes do conselho (EUA, França, Inglaterra, China e Rússia) em ceder poder e abrir espaço para acomodar novos atores, como o Brasil. 

A tentativa frustrada do governo Lula de forçar a porta, 12 anos atrás, aceitando o desafio proposto pelo presidente Barack Obama de conciliar as diferenças sobre o programa nuclear do Irã e os membros permanentes do conselho, terminou mal, com os EUA, China e Rússia aliados na imposição de sanções econômicas contra Teerã. O Brasil aceitou a contragosto a decisão para evitar se ver reduzido a pária internacional (feito do qual vangloriou-se o incompetente que comandou o Itamaraty no início do governo Bolsonaro) e fechar de vez a porta para a realização de sua antiga e justificada ambição de ser parte da solução dos grandes conflitos mundiais. 

São tropeços da história que o País e suas elites precisam e podem aprender nos anos à frente, se avaliarem serena e corretamente seu poder de influenciar os eventos de forma que correspondam a seus interesses permanentes, sem ceder às tentações da vaidade diplomática, um mal de que o País padece e precisa superar para se tornar uma presença efetiva e estável no concerto das nações. Desse panorama deve fazer parte a elevação de brasileiros qualificados, como o ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, hoje na alta hierarquia do Fundo Monetário Internacional (FMI), à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento, e do médico sanitarista Jarbas Barbosa da Silva, recentemente alçado à diretoria-geral da Organização Pan-americana de Saúde. 

Não é por falta de talentos que o Brasil tem se mantido à margem das decisões globais. As duas mulheres que comandaram o Ministério do Meio Ambiente nos governos Lula e Dilma, Marina Silva e Izabella Teixeira, são autoridades reconhecidas que aportariam conhecimentos políticos e técnicos à missão inadiável de proteger os vários biomas do País – sua maior riqueza natural – e ajudar a forjar uma estratégia inclusiva e eficaz de políticas de clima. Ambas devem acompanhar Lula em sua primeira missão internacional como presidente eleito à reunião da Conferência das Partes do Acordo da ONU sobre Clima, celebrado há 30 anos no Rio de Janeiro. Esse é o tema mais premente da agenda internacional global. Ele reclama a presença do País no encaminhamento de soluções para os complexos problemas das quais dependem a estabilidade da atmosfera e a sobrevivência do planeta no futuro. O Brasil pode e sabe como contribuir, até porque isso é essencial para restaurar seu prestígio como nação depois do pesadelo Bolsonaro. 

*PAULO SOTERO - JORNALISTA, É PESQUISADOR SÊNIOR DO BRASIL INSTITUTE NO WILSON CENTER, EM WASHINGTON

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