Entrevista do Secretaria da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto ao Estadão

'Governo está travando investimentos de SP sem razão técnica', diz secretário da Fazenda estadual
O economista Felipe Salto, que assumiu recente a Secretaria da Fazenda de São Paulo, diz em entrevista que projetos de infraestrutura estão sendo prejudicados pela falta de liberação de verbas


Felipe Salto em cerimônia de posse como secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de SP

Bárbara Nascimento e Eduardo Laguna -  O Estado de S.Paulo 

O economista Felipe Salto assumiu o posto de secretário de Fazenda de São Paulo, na semana passada, ciente de que tem poucos meses à frente deste mandato para mostrar a que veio. Em meio à corrida contra o tempo, ele revela em entrevista ao Estadão/Broadcast que quer deixar como legado uma reforma orçamentária para que os gastos públicos e incentivos tributários sejam periodicamente revistos. 

Outro objetivo é acelerar os investimentos, porém, nessa seara, Salto acusa o governo federal de, por motivos políticos, atrapalhar o Estado no aval de empréstimos para grandes obras, como as linhas 2 e 6 do metrô. "O governo federal está travando, sem razão técnica, parte dos investimentos de São Paulo , que poderia já estar acontecendo, prejudicando a população", disse. 

Quanto à privatização da Sabesp, o secretário demonstra não ter pressa, dado o contexto, em sua avaliação, adverso para avançar nesta frente. O foco, neste momento, está nos estudos sobre o real valor da empresa e o melhor modelo de capitalização, preparando assim o terreno para a venda da estatal apenas no ano que vem. 


ENTREVISTA

Sabemos que as contas dos Estados tiveram uma melhora circunstancial em 2021. Como o senhor encontrou as finanças de São Paulo?
A herança que recebi aqui é bendita, a dívida nunca foi tão baixa. No conceito da Capag (Capacidade de Pagamento), que é aquela classificação do Tesouro Nacional, São Paulo tem nota B, o suficiente para tomar empréstimos com aval do Tesouro. Mas tem existido dificuldade para obter o aval. A linha verde, por exemplo, eu assinei todos os pedidos e formulários para a gente obter aval. O BID quer dar empréstimo, o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos Brics) também. A gente tem todas as condições. São Paulo nunca teve as finanças tão boas. Eu acho que, do ponto de vista da fotografia, é o melhor momento. 

A arrecadação foi afetada por fatores que não devem se repetir, ajudadas pela inflação, pela recuperação cíclica e pelo socorro da União. Como estão as receitas?
No ano passado, tivemos um superávit de R$ 41,9 bilhões. Este ano a projeção é superávit acima de R$ 13 bilhões. É menor porque a dinâmica das receitas não vai ser estrondosa como a do ano passado. Mas a receita do ICMS está crescendo em termos reais: em abril, subiu 9,2% e no acumulado no ano, 4,8%. Em 2022, deve crescer em torno de 3% (reais). 

O senhor assume como secretário a meses das eleições, quais são suas prioridades?
Precisamos melhorar a execução. Temos executado pouco. É um problema que não é só de São Paulo. Tem questão ambiental, licitatória e do próprio modelo de financiamento, mas também uma certa dificuldade, vamos dizer, política do Tesouro Nacional. Acho que há uma influência política desse governo nefasto. Mesmo diante da condição de São Paulo de tomar os empréstimos que bem entender, estamos enfrentando dificuldade muito grande. Isso não é a área técnica, conheço todos lá (no Tesouro), que são excelentes. Só posso concluir que é um problema político. Vamos agendar para as próximas semanas uma ida ao Tesouro para conversar, reforçar que nossa situação é totalmente favorável para pegar empréstimos. São Paulo tem a linha 2 e a linha 6 do metrô, tem o Renasce Tietê (revitalização do rio Tietê). Tudo isso tem demanda para financiar e, do nosso lado, para fazer. Não pode o Tesouro, que tem essa prerrogativa de conceder os avais para tomar empréstimo, ficar segurando. 

Quais projetos estão travados no Tesouro? Há, entre eles, investimentos que estão previstos já para 2022?
Renasce Tietê é financiamento do BID. São US$ 79,9 milhões com garantia da União que estamos solicitando, R$ 16 milhões para este ano. Mas se não sair o aval, não acontece. Linha verde, (financiamento de) US$ 550 milhões, R$ 734 milhões seriam executados este ano. O governo federal está travando sem razão técnica parte dos investimentos de São Paulo, que poderiam já estar acontecendo, prejudicando a população. 

Falando em investimento, o que dá para fazer no curto prazo?
Os três que mencionei são de médio prazo, mas você tem na área de educação, de infraestrutura logística, social e urbana, investimentos que estão avançando. No ano passado, os investimentos ficaram em R$ 25,4 bilhões (ante R$ 11,2 bilhões em 2020). Este ano, sem considerar estatais, o que está previsto no Orçamento é R$ 27,1 bilhões. 

Esse valor ainda é crível?
Há uma certa sazonalidade, que leva a concentração da execução no segundo semestre. É ano eleitoral, pode ter algumas dificuldades. Pelo que tenho visto com outros secretários e com governador, há compromisso em executar investimentos do portfólio. 

O governo adiou a concessão do Rodoanel por problemas na conjuntura atual. Tem algum outro projeto que corre o risco de ser adiado?
O plano do governo não é adiar nada, é executar o máximo possível. É claro que sempre tem percalços. Em médio prazo, você pode ter algumas medidas de acompanhamento da execução para tentar acelerar esses investimentos. 

Como o quê?
Uma coisa que propus para o governador é adotar, pioneiramente, as revisões periódicas do gasto público. Num primeiro momento anualmente, num segundo momento, semestralmente, revisar gastos que não estão gerando o resultado prometido e aumentar gastos com investimento de boa qualidade. Junto com revisões, [podemos] adotar também plano fiscal de médio prazo. A Constituição criou o Plano Plurianual, que não funciona como foi pensado por não estar vinculado ao processo orçamentário. O plano fiscal de médio prazo seria baseado nessas revisões periódicas do gasto e estaria condicionado à Lei Orçamentária Anual. Minha equipe já está elaborando isso. 

Em quanto tempo consegue apresentar esse projeto? Está alinhado com o governador?
Esta semana vou despachar com ele e pretendo levar essa e outras ideias. Mas ele já tinha sido bastante receptivo sobre reforma orçamentária, sem impacto fiscal. Outra coisa que vamos fazer ainda esta semana é criar uma comissão para avaliação de benefícios tributários e incentivos fiscais. Até para a gente ter uma regra, um critério isonômico. Se ela não for cumprida, o benefício não será nem avaliado. 

O que precisa de aprovação pela Assembleia Legislativa?
O plano fiscal de médio prazo e as revisões periódicas do gasto. E tem que avaliar se é mudança da constituição estadual ou se é proposta de lei ordinária. Acho que em um mês a gente vai ter o projeto redondo. 

Os benefícios tributários retirados pelo governo paulista na pandemia podem voltar?
O fim do plano de ajuste fiscal, que contemplou essa redução de 20% em média dos benefícios, está previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem. Automaticamente, vai haver aumento dos benefícios tributários do ICMS: de em torno de R$ 60 bilhões para algo entre R$ 80 bilhões e R$ 82 bilhões no ano que vem. Daí a importância de uma comissão para, ao invés de fazer um corte linear [de ICMS], fazer um corte com base em critérios técnicos. 

Rever o ajuste fiscal pode ajudar a estimular a economia do Estado?
Essa revisão é bem-vinda porque estamos num momento bastante negativo da economia. Com os juros aumentando dessa forma (pelo BC), não há investimento que aguente. O que São Paulo pode fazer no curtíssimo prazo é garantir alguns subsídios que compensem parcialmente a situação macroeconômica ruim. 

Qual é a chance de a privatização da Sabesp acontecer ainda neste ano? O governo já definiu se entregará o controle da empresa?
Quero contratar uma instituição séria para fazer a avaliação de quanto vale a Sabesp. A primeira coisa que quero fazer na Fazenda é estudar o tema para que a gente possa preparar uma eventual decisão, numa direção ou outra, a partir do ano que vem. 

Então, este ano não sai a privatização da Sabesp...
Difícil avaliar nesses termos, mas, do ponto de vista da Fazenda, o que eu pretendo é estudar profundamente o tema. Já pedi para que isso seja feito. Vamos contratar uma instituição renomada para fazer um estudo sério sobre isso. Não dá para sair vendendo. O ministro Paulo Guedes [Economia] fez promessas de que iria privatizar Deus e o mundo e não conseguiu fazer absolutamente nada porque não houve estudos, colocou gente que não entendia do riscado. Temos que ter presente que privatizar é coisa difícil e nem sempre é a melhor saída. 

O ambiente internacional permite avançar em privatizações?
Faz parte do estudo considerar o ambiente macroeconômico, o ambiente internacional, as condições de demanda e as condições de mercado. Neste momento, a situação é bastante adversa. Estamos no meio de uma guerra e ninguém projetou que este ano seria marcado por isso. 

E em relação à Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), há um encaminhamento para a privatização?
É também um caso a ser avaliado. Mas eu não tenho pressa. Até o fim do ano, a melhor colaboração que a área econômica do governo pode dar é fazer boas avaliações e preparar o terreno para o segundo momento, de decisões nessa matéria.

Comentários