Em entrevista exclusiva ao UOL, o governador João Doria disse que ainda está recebendo ameaças de morte, mas vai continuar defendendo o isolamento

O governador João Doria
Ricardo Kotscho
- UOL
Em entrevista exclusiva ao UOL, o governador João Doria disse que ainda está
recebendo ameaças de morte, mas vai continuar defendendo o isolamento durante a pandemia de coronavírus e admitiu adotar medidas mais restritivas
caso a população não cumpra a quarentena.
"Eu luto pela vida. Fanáticos negam a doença. São traidores do seu próprio
povo e do país", afirmou em resposta às manifestações do último fim de semana
que defenderam a posição do presidente Bolsonaro contra o isolamento social.
Para que os moradores das favelas e da periferia possam ficar em casa,
anunciou que o governo distribuirá um milhão de cestas básicas por mês e
destinará R$ 42,5 milhões à compra de alimentos para atender os 732 mil
alunos em situação de extrema pobreza que ficaram sem a merenda escolar.
Doria não quis fazer uma previsão sobre quanto tempo ainda vai durar o
isolamento.
"Hoje meu maior desejo é chegar o dia em que vou poder anunciar o fim do
isolamento e a volta da rotina normal".
Abaixo, as respostas que o governador João Doria me mandou por escrito.
ENTREVISTA
UOL — No último sábado, na avenida Paulista, durante a carreata contra a
quarentena, o advogado Marcelo Pegoraro ameaçou o senhor de morte. Que
providências tomou?
João Doria — Lamentável! Durante o feriado de Páscoa, época de louvar a vida
e o amor ao próximo, este facínora fez um discurso público ameaçando me
matar e invadir a minha casa onde vivem minha esposa e filhos. Já abri um
processo por ameaça e incitação ao crime.
UOL — Como se sentiu ao ser chamado de comunista por eleitores que votaram
na chapa "Bolsodoria"? O que já foi apurado sobre as ameaças que vem
recebendo do "gabinete do ódio" pelo celular?
Doria -- A respeito das ameaças que sofri, entramos com notícia crime pedindo
a abertura de inquérito policial, que já foi instaurado. Os fatos falam por si. De
um lado, temos mais de 600 mortos no nosso Estado. A grande maioria da
população entende a gravidade da situação e atendeu ao nosso apelo para
ficar em casa. Profissionais de saúde estão sacrificando suas vidas. Policiais
estão cumprindo o seu dever. Do outro lado, fanáticos negam a doença e
passaram a Páscoa rindo em tom de deboche, enquanto praticavam uma dança
macabra, com um caixão nos ombros. Eu os considero traidores de seu próprio
povo e do nosso país.
UOL -- A carreata impediu a passagem de ambulâncias com sirenes ligadas na
Paulista. O que o senhor achou da insubordinação da Polícia Militar que assistiu
inerte às manifestações?
Doria -- É gravíssimo não dar passagem a ambulâncias de maneira
premeditada. A Polícia Militar tem tido um comportamento exemplar nesta crise.
Além de arriscarem as suas vidas diariamente, exercem atividade essencial na
linha de frente do enfrentamento da doença e de conscientização da
população. Recentemente, de maneira totalmente espontânea, vários PMs
gravaram vídeos para as redes sociais reforçando a importância de permanecer
em casa durante este período de quarentena, além de tranquilizar a sociedade
em relação ao trabalho de segurança pública que segue acontecendo com
eficiência.
UOL -- Bolsonaro anunciou no domingo que o vírus já está indo embora e esta
semana o senhor lançou nova campanha publicitária para as pessoas ficarem
em casa. Mandetta disse que o povo não sabe se deve seguir as orientações do
Ministério da Saúde, que defende o isolamento social, ou do presidente, que
quer acabar com a quarentena. Assim o povo fica perdido. O que fazer?
Doria — A maioria da população tem consciência da importância de mantermos
a quarentena neste momento. Apesar da oposição do presidente à quarentena
horizontal e isso gerar uma mensagem dúbia, a palavra dos governadores e do
ministro da Saúde tem demonstrado mais credibilidade e mais autoridade do
que a do próprio presidente da República, como evidenciaram recentes pesquisas do Datafolha nesse sentido. A Organização Mundial de Saúde
recomenda o isolamento social como única maneira de controlar a doença.
Mais de 70 países adotaram medidas de isolamento que atingiram 3 bilhões de
pessoas.
UOL — Como decidir entre ficar em casa e correr o risco do desemprego ou
manter as pessoas trabalhando e correr o risco do disparo de casos da doença,
como já está acontecendo? O que o governo paulista está fazendo para que
moradores das favelas e da periferia possam ficar em quarentena sem ter renda
nem para comprar comida?
Doria — Impossível existir normalidade econômica ao preço da vida de milhares
de brasileiros. O governo do Estado de São Paulo vai continuar agindo com base na ciência e na medicina. Eu luto pela vida. O princípio que tem nos
norteado desde o início é prioridade para salvar e proteger vidas. Como disse o
prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz: "A economia será devastada se não
salvarmos as pessoas". Salvar as pessoas significa o firme compromisso de
ajudar os mais pobres, aqueles que precisam de alimento e assistência.
Conseguimos a suspensão dos cortes de água, luz e gás neste período de
crise para os mais pobres. Ampliamos o atendimento dos 59 restaurantes Bom
Prato para os finais de semana e feriados, com café da manhã, almoço e jantar.
Vamos distribuir 1 milhão de cestas de alimentos por mês a 4 milhões de
pessoas. O programa Merenda em Casa, da Secretaria de Educação, vai
repassar R$ 40,5 milhões por mês para a compra de alimentos pelas famílias de
732 mil alunos em situação de extrema pobreza da rede estadual. Vamos
continuar implantando programas e ações para ajudar os mais necessitados.
UOL — O prefeito Bruno Covas já levou a cama dele para o gabinete. O senhor
se sente mais seguro em casa ou no palácio? O que mudou na sua rotina com o
coronavírus e as ameaças que vem recebendo dos seguidores do presidente?
Qual foi o momento mais difícil no combate à pandemia? Tem dormido quantas
horas por dia? Continua tomando o seu coquetel de vitaminas?
Doria — Eu me sinto mais seguro fazendo aquilo que sempre fiz. Cumprindo
meu papel como governador de proteger vidas e tomar atitudes corretas para
reduzir o impacto da crise na saúde, na economia e na vida dos mais pobres.
Do ponto de vista pessoal, não alterei a decisão de continuar residindo na
minha casa. Mas ampliei a proteção aos meus filhos e à minha esposa. Recebi
inúmeras ameaças e, lamentavelmente, continuo a receber. Sigo dormindo 4
horas por noite, sempre foi a minha média nos últimos 30 anos. E continuo
tomando também meu coquetel de vitaminas como faço há mais de 3 décadas.
UOL — O que a pandemia muda no cenário para 2020? Bolsonaro tem
condições de disputar a reeleição ou pode não terminar o mandato? O que é
mais provável hoje? O senhor participaria de uma frente ampla contra Bolsonaro
aliado à esquerda, até com Lula?
Doria -- Não penso nisso agora. Não é hora de política e muito menos de
eleição. Temos que estar dedicados a um só propósito neste momento: salvar
vidas.
UOL -- Como está a articulação dos governadores para uma ação conjunta em
defesa do isolamento social diante da ofensiva de Bolsonaro para acabar com a
quarentena no momento em que se aproxima a fase mais aguda da pandemia?
Doria — A maioria dos governadores tem agido corretamente e mantido a
quarentena e isolamento social, com a suspensão do comércio, das aulas e de
serviços não essenciais. Saberemos resistir às pressões e fazer o que é correto
para proteger as pessoas.
UOL — O que todo mundo se pergunta hoje é quando poderemos voltar a uma
vida normal sem colocar em risco o combate à pandemia. Qual é a sua
previsão?
Doria — Não fazemos a quarentena por vontade, fazemos por necessidade.
Infelizmente não tenho esta resposta e seria leviano da minha parte dar uma
data com precisão. Quem vai nos dizer isso serão os 15 médicos especialistas
que formam o Comitê Médico que integra o Centro de Contingência do Covid19 em São Paulo. Eles acompanham dia a dia o cenário e a evolução da doença
no nosso Estado. Hoje meu maior desejo é chegar o dia em que vou poder
anunciar o fim do isolamento e a volta da rotina normal.
UOL — Esta semana o senhor não voltou a falar em punição aos que
desobedecerem a quarentena. São Paulo ainda corre o risco de um lockdown, o
confinamento obrigatório?
Doria — Espero sinceramente que não tenhamos que fazer lockdown. Uma boa
parte da população tem respondido de forma positiva. Espero que isso
continue. Caso contrário, teremos que tomar medidas mais restritivas,
amparadas na recomendação médica.
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