Segundo a juíza, a campanha do governo federal coloca em risco o direito à saúde, especialmente dos mais vulneráveis —como idosos e a parcela mais pobre da população

Igor Melo - UOL
A Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou, em caráter liminar, que o
governo federal deixe de veicular em meios de comunicação a campanha
publicitária "O Brasil não pode parar", que defende a suspensão do isolamento social como estratégia para o combate à covid-19, doença causada pelo novo
coronavírus.
A medida foi pedida ontem pelo MPF (Ministério Público Federal) e concedida
pela juíza federal Laura Bastos Carvalho, no plantão judiciário. A decisão barra
propaganda do governo que não tenha embasamento técnico do Ministério da
Saúde e científico. A juíza ainda argumenta que a campanha que incentiva o fim
do isolamento põe em risco do direito constitucional da população à saúde e
que sua adoção pode levar a um colapso da rede de saúde.
Segundo ela, a ordem é para que "a União se abstenha de veicular, por rádio,
televisão, jornais, revistas, sites ou qualquer outro meio, físico ou digital, peças
publicitárias relativas à campanha 'O Brasil não pode parar', ou qualquer outra
que sugira à população brasileira comportamentos que não estejam
estritamente embasados em diretrizes técnicas, emitidas pelo Ministério da
Saúde, com fundamento em documentos públicos, de entidades científicas de
notório reconhecimento no campo da epidemiologia e da saúde pública".
Em caso de descumprimento por parte do governo federal, a juíza determina a
aplicação de multa de R$ 100 mil.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem pressionando governadores e
prefeitos de grandes cidades para suspenderem medidas de isolamento social
e retomarem atividades que geram aglomerações —como o funcionamento
regular do transporte público, as aulas em escolas e universidades e a
reabertura de estabelecimentos comerciais.
Com o argumento de que o impacto econômico do bloqueio seria mais grave do
que a pandemia de coronavírus, Bolsonaro tem pedido que a população volte
ao trabalho, mantendo isolados apenas idosos e outros integrantes de grupos
de risco em quarentena —estratégia conhecida como isolamento vertical.
Segundo a juíza, a campanha do governo federal coloca em risco o direito à
saúde, especialmente dos mais vulneráveis —como idosos e a parcela mais
pobre da população.
"Verifica-se que o incentivo para que a população saia às ruas e retome sua
rotina, sem que haja um plano de combate à pandemia definido e amplamente
divulgado, pode violar os princípios da precaução e da prevenção, podendo,
ainda, resultar em proteção deficiente do direito constitucional à saúde, tanto
em seu viés individual, como coletivo. E essa proteção deficiente impactaria
desproporcionalmente os grupos vulneráveis, notadamente os idosos e pobres",
escreve.
A magistrada destaca ainda que a campanha sustenta o fim do isolamento
social, adotado por grande parte dos governadores e prefeitos das grandes
cidades, sem qualquer evidência científica.
"Nesse sentido, fica demonstrado o risco na veiculação da campanha 'O Brasil
não pode parar', que confere estímulo para que a população retorne à rotina,
em contrariedade a medidas sanitárias de isolamento preconizadas por
autoridades internacionais, estaduais e municipais, na medida em que
impulsionaria o número de casos de contágio no país", defende.
A juíza diz também que não há evidências científicas contrárias ao isolamento
social e que o estímulo para a população sair de casa pode gerar um colapso no sistema de saúde.
"Na dita campanha não há menção à possibilidade de que o mero
distanciamento social possa levar a um maior número de casos da Covid-19,
quando comparado à medida de isolamento, e que a adoção da medida mais
branda teria como consequência um provável colapso dos sistemas público e
particular de saúde. A repercussão que tal campanha alcançaria se promovida
amplamente pela União, sem a devida informação sobre os riscos e potenciais
consequências para a saúde individual e coletiva, poderia trazer danos
irreparáveis à população", completa.
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