Contra coronavírus, Congresso mira lucro de empresas e grandes fortunas


Projeto sobre empréstimo compulsório foi apresentado pelo líder do PL na Câmara. No Senado, projeto de tributação de grandes fortunas do senador Plínio Valério avança

Plínio Valério defende diálogo e harmonia entre Poderes da ...
senador Plínio Valério (PSDB-AM)

Julia Chaib e Danielle Brant - Folha.com

A pandemia do coronavírus no Brasil ressuscitou no Congresso uma pauta antes restrita à esquerda, a de taxação de grandes fortunas, e ainda deslocou o foco dos parlamentares a outra potencial fonte de recursos para conter a crise: o lucro de empresas bilionárias.

Embora alguns projetos continuem tendo a digital da oposição, começa a haver uma movimentação de partidos de centro e independentes em defesa principalmente da aplicação do empréstimo compulsório de parte do lucro de empresas.

A adoção desse recurso está prevista na Constituição, que diz que a União pode, mediante lei, instituir empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública. É o caso da pandemia provocada pelo vírus Covid-19.

O dinheiro, conforme prevê o texto constitucional, só pode ser aplicado em ações relacionadas ao evento que gerou a necessidade de estabelecer o crédito obrigatório sobre empresas.

O projeto de lei que institui o empréstimo compulsório foi apresentado na segunda-feira (23) pelo deputado Wellington Roberto (PL-PB), líder do partido na Câmara.

Segundo o texto, empresas domiciliadas no país com patrimônio igual ou superior a R$ 1 bilhão estariam sujeitas à medida.

Se a proposta for aprovada, permitirá ao governo cobrar dessas companhias valor equivalente a até 10% do lucro líquido apurado nos 12 meses anteriores à publicação da lei.

Estimativa do gabinete do congressista indica que esse montante pode alcançar R$ 19 bilhões.

Esses valores deverão ser pagos até 30 dias a partir da publicação da lei. O percentual incidente sobre cada setor seria definido pelo Ministério da Economia.

Se o montante superar R$ 1 milhão, a empresa poderia dividir o pagamento em até três parcelas mensais e sucessivas.

Segundo o texto, o governo pode devolver os valores aos contribuintes em até quatro anos após o fim da pandemia e corrigidos pela taxa básica Selic. A proposta permite ainda o parcelamento da restituição em até 12 parcelas mensais e sucessivas.

"Pelo que eles já ganharam aqui e fizeram em benefício das suas empresas, é o mínimo que eles têm de fazer. Eles tinham de doar isso pela soma e o volume do que eles ganharam, mas não fizeram até agora", diz Roberto.

"Os mais humildes já vêm pagando há muito tempo. Tudo o que acontece nesse país é sempre em cima de quem bota dinheiro na economia, que são os mais pobres. Os mais ricos só contribuem para concentrar mais a renda no país", afirma o líder do PL.

O deputado ressalta que não se trata da criação de um imposto compulsório sobre as receitas das empresas e diz que, se o projeto for aprovado, caberá ao Executivo decidir se vai tomar os empréstimos ou não.

O líder do PP, Arthur Lira (AL), apresentou um pedido de urgência à tramitação do texto.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), resistia a fazer a proposta avançar. Porém, segundo Roberto, se comprometeu a pautar a solicitação para acelerar a análise do projeto na terça (1º).

O líder do PP também reforça que a proposta não trata de taxar grandes fortunas, porque é voltada especificamente a empresas.

Partidos como o Republicanos já declararam apoio à medida. O MDB deverá se reunir na próxima semana para decidir se seguirá esses congressistas, mas tende a apoiar.

No PSD, também há parlamentares, como Fábio Trad (MS), que querem ver o texto aprovado.

Outros partidos, como o Novo, que tem como fundador o empresário João Amoedo, já disseram ser contra a ideia.

Senadores também consideram a medida válida.

"Está desenhado na Constituição para isso. Para que você possa buscar uma fonte de recursos para uma emergência. Como é compulsório, esse valor vai retornar ao contribuinte. Não é um confisco, não é um sequestro de bens", afirma o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). "E me parece uma solução técnica bastante aplicável a esse momento que estamos vivendo."

Em outra frente, voltou a ganhar força a discussão sobre a tributação de grandes fortunas, também prevista na Constituição.

No Senado, a matéria está mais avançada. Na semana passada, projeto do senador Plínio Valério (PSDB-AM) recebeu parecer favorável do relator do texto, senador Major Olímpio (PSL-SP).

A proposta, restrita a pessoas físicas, define como grande fortuna aquela cujo patrimônio líquido exceda em 12 mil vezes o limite mensal de isenção do Imposto de Renda.

Conforme a tabela do IR de 2020, a faixa de isenção vale para quem tem renda mensal de até R$ 1.903,98. O imposto, portanto, incidiria sobre quem tem patrimônio líquido de R$ 22,8 milhões.

As alíquotas variam de 0,5% a 1%. A expectativa de arrecadação é da ordem de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões por ano.

"É o momento de quebrarmos esse tabu. O Estado teria dezenas de bilhões a mais em seus cofres para tratar de problemas para os quais nunca tem dinheiro suficiente. Por exemplo, no combate a pandemias como a que enfrentamos agora. Ou aprovamos agora ou nunca", afirmou o senador tucano.

Apesar do parecer favorável, o relator do projeto incluiu no texto que o imposto terá duração de dois anos. Também definiu que metade dos recursos arrecadados deverá ser destinada ao Fundo Nacional de Saúde. Além disso, 25% iriam para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e 25%, para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

Além disso, o imposto teria o efeito de aumentar a arrecadação no médio prazo. O princípio da anualidade faz com que mudanças no Imposto de Renda só passem a valer no exercício seguinte.

Na Câmara, os projetos ainda têm tramitação mais lenta.

O presidente da Casa já declarou em algumas ocasiões que a tributação de grandes fortunas não está na agenda. "Eu nunca tratei de grandes fortunas e não vou tratar", disse, em fevereiro, após evento na Associação Comercial do Rio de Janeiro.

Congressistas, porém, veem mais adesão à ideia neste momento, principalmente diante da necessidade de recompor a economia brasileira após os efeitos da crise provocada pelo coronavírus.

Autora de um dos projetos que versa sobre taxar grandes fortunas, a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), líder do partido na Câmara, afirmou que a proposta traz justiça tributária.

"A gente vai sair com outro olhar da crise. E é bom para levantar o debate e chamar a responsabilidade de todo mundo", afirmou.

O projeto da deputada prevê a incidência de imposto sobre pessoas físicas com patrimônio líquido superior a R$ 5 milhões. As alíquotas variam de 0,5% a 5%. ​

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