'O Congresso Nacional não pode se omitir', artigo de Aloysio Nunes Ferreira e Luciana Moherdaui


Compartilhamento de dados pessoais fere a lei

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O advogado Aloysio Nunes Ferreira, ex-senador, ex-chanceler e ex-ministro da Justiça 

É preocupante o decreto assinado pelo governo federal que permite ao Estado compartilhar dados pessoais com órgãos públicos sem informar a sua finalidade ao cidadão, como exige a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Essa megabase será formada por variados cadastros, desde o CPF à folha de pagamento do Programa Bolsa Família, além de dados sensíveis, como a biometria. Não se pode ignorar as eleições municipais de 2020.

A medida contraria a LGPD. O artigo 6° é claro: “a realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos e informados ao titular”, “de acordo com seu contexto” e “limitados ao tratamento necessário”. E o artigo 9° garante ao cidadão ser informado: “se houver mudanças da finalidade para o tratamento de dados pessoais não compatíveis com o consentimento original, o controlador deverá informar previamente o titular sobre as mudanças de finalidade, podendo o titular revogar o consentimento, caso discorde das alterações.”

Não é o que se verifica no decreto presidencial. Embora aponte, no artigo 3°, que a coleta, o tratamento e o compartilhamento pelo Estado seguirão as diretrizes da LGPD, o documento dá ao controlador dos dados poder decisório sobre o que pode ser distribuído, sob a justificativa de aprimorar a gestão de políticas públicas, conforme o artigo 21, que define as alçadas de um Comitê Central de Governança de Dados.

Nesta Folha, em 14 de outubro, o colunista Ronaldo Lemos alertou que o problema pode ser a forma pela qual a medida foi redigida. Essa redação, segundo Lemos, faz com que “o cidadão perca o controle sobre onde seus dados vão parar no âmbito federal”. É verdade. Mas o propósito de um decreto, de competência exclusiva do presidente da República, não é burlar a legislação, mas regulamentá-la com objetivo à fiel execução das leis, definido no artigo 84 da Constituição.

Essa contradição leva ainda à outra questão: como garantir que a ampliação do acesso a essa megabase não levará a abusos? Essa é uma das funções da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Mas a ANPD perdeu autonomia ao ser vinculada ao Executivo como órgão da administração pública direta, e não indireta como proposto no projeto original.

O Estado não tem o direto de controlar informações pessoais. Por isso, vem em boa hora a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), com tramitação na Câmara, que inclui a proteção de dados entre direitos e garantias fundamentais.

Mas o Congresso Nacional pode fazer mais. Tem atribuição garantida pelo artigo 49 da Carta para “sustar atos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa”, e a gravidade da medida que institui a megabase de dados é um caso que não pode ser ignorado pelo Parlamento. Já somam cinco os projetos protocolados para reverter essa interligação de bases.

O que fará o Congresso?

Aloysio Nunes Ferreira - Advogado, ex-senador (PSDB-SP) e ex-ministro da Justiça (2001 e 2002, governo FHC)

Luciana Moherdaui - Jornalista e pós-doutorada na FAU-USP

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