Entrevista do prefeito Bruno Covas ao Valor Econômico


Pré-candidato à reeleição em São Paulo, Bruno Covas articula chapa com dez partidos

Covas: “O resultado da eleição de São Paulo não muda muito o resultado para presidente. O que muda é o ganho político” — Foto: Silvia Costanti/Valor
prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB)

Cristiane Agostine e César Felicio - Valor Econômico

Descontraído e visivelmente aliviado após receber alta ontem do Hospital Sírio-Libanês, onde se trata de um câncer no sistema digestivo, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), se prepara para tentar a reeleição em 2020 e não descarta deixar o partido, cumprindo um propósito externado no meio do ano, quando a sigla se recusou a expulsar de seus quadros o deputado Aécio Neves (MG).

“Estou muito desconfortável de fazer parte de um partido que tem Aécio como quadro”, diz ao Valor. O prefeito afirma que ainda está em tempo de trocar de partido e participar das eleições - o prazo termina em abril de 2020-, mas pondera que até lá o PSDB pode expulsar o correligionário. Aécio é investigado em inquéritos da Lava-Jato e é réu por corrupção em um processo no qual é acusado de cobrar R$ 2 milhões de propina do empresário Joesley Batista, do Grupo J&F.

Covas diz que, se reeleito no próximo ano, pode dar ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a mesma musculatura política que o então prefeito Gilberto Kassab (DEM) deu ao então governador José Serra (PSDB) para concorrer à Presidência em 2010. O prefeito articula uma frente ampla de partidos, que pode contar mais de dez legendas, e diz que a negociação sobre seu vice na chapa está aberta.

Três quilos mais magro, sem barba nem cabelo, Covas comemora os resultados do tratamento contra um câncer na cárdia, diagnosticado em outubro, com metástase no fígado e lesões no sistema linfático. Com 39 anos, diz que os efeitos colaterais das quatro sessões de quimioterapia foram baixos, com poucos enjoos e sem perda de apetite. A energia, porém, já não é mais a mesma e na semana passada foi para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) depois de um sangramento no fígado. No dia 26, voltará ao hospital para a quinta das oito sessões de quimio previstas, e em fevereiro deve fazer exames para definir os próximos passos do tratamento - inclusive a possibilidade de cirurgia.


ENTREVISTA

Valor: Em julho, quando o PSDB discutia o caso de Aécio, o senhor disse: ‘ou ele ou eu’. O PSDB paulista ficou isolado naquele momento. Agora, houve dificuldades na escolha do líder na Câmara. O senhor está desconfortável no PSDB?
Bruno Covas: Muito. Estou muito desconfortável de fazer parte de um partido que tem Aécio como quadro.

Valor: Ainda está em tempo de o senhor trocar de partido?
Covas: Ainda está. Mas ainda está em tempo de o PSDB expulsá-lo.

Valor: O PSDB já fez esse debate e manteve Aécio
Covas: Fez e recorremos ao diretório nacional, que é uma instância maior.

Valor: Para qual partido o senhor poderia migrar?
Covas: Não estou procurando nenhum partido.

Valor: Mas foi procurado?
Covas: Nem fui procurado. Não há nenhuma conversa.

Valor: Além de Aécio, o que tem gerado desconforto sobre o PSDB?
Covas: Em relação a outros nomes [do PSDB], não há nenhum áudio em que tenha a pessoa pedindo para o dono da JBS ‘x’ milhões de reais. Até hoje não foi explicado para onde iria aquele recurso. Acusação até eu tenho, tenho um monte de processo do período que estou aqui como prefeito. Mas é muito difícil de explicar o motivo de um cara desses [Aécio] estar no PSDB. [O partido] comete o mesmo erro que apontamos no PT. Não expulsa quem foi condenado pela Justiça.

Valor: João Doria trouxe bolsonaristas para o PSDB e tem feito acenos à direita, ao eleitorado de Bolsonaro. Concorda com isso?
Covas: Doria tem o mesmo discurso desde que disputou as prévias do PSDB para a prefeitura. Ele mantém coerência com o discurso dele e eu mantenho com o meu. Não há conflito, não há dissabor, não há nenhuma rusga.

Valor: Em 2016, Doria foi eleito no primeiro turno em São Paulo, mas essa vitória não fortaleceu Alckmin como presidenciável e não foi preditivo para eleição nacional de 2018. Que impacto o senhor vê da eleição de 2020 sobre a candidatura de Doria para à Presidência?
Covas: O resultado da eleição para prefeito de São Paulo não muda muito o resultado para presidente. O que muda é o ganho político, a musculatura que ganha dentro do partido. Quando Kassab foi reeleito, Serra ganhou mais músculo, mas não ganhou a eleição presidencial de 2010. Do ponto de vista eleitoral, essa relação nunca acontece. Mas no mundo político tem reflexo na importância partidária e na musculatura que os atores envolvidos na candidatura vitoriosa ganham.

Valor: Então se o senhor ganhar, Doria terá musculatura?
Covas: É um trunfo, uma importância que se coloca no currículo de eleger, de ter um bom resultado na cidade.

Valor: O senhor articula sua chapa para a reeleição com dez partidos. Como está essa articulação?
Covas: As coisas começam a tomar um pouco mais de corpo nesse recesso parlamentar. Dez, doze, quinze partidos... Quanto maior o arco de alianças, melhor. Quanto mais você conseguir montar um grupo forte e coeso, melhor para a candidatura. Mas não tem nenhum ‘deadline’ nos próximos dias para fechar.
Covas: Não está definido nem se o PSL é o partido do presidente ou não, quem é o líder do PSL na Câmara, quem vai continuar à frente do PSL. E neste momento, não há nenhuma escolha entre A, B ou C, de quem vai ser o vice do PSDB. Como também não há nenhum veto a nenhum nome.

Valor: Não tem veto a Joice, mas também não há proximidade...
Covas: Proximidade muito grande a gente tem com quem é do próprio partido. Não tem proximidade grande com outros nomes de outros partidos. É por isso que se faz uma coalizão. Não se trata de questão relação pessoal. Não vou colocar para vice quem é mais meu amigo ou menos.

Valor: Parte do PSDB defende uma chapa puro sangue e cogita-se até Alckmin como vice. Concorda? E Celso Russomanno como vice?
Covas: Nunca ouvi falar nisso [Alckmin]. Está muito cedo para definir. Vice é depois do arco de alianças. O PRB [Republicanos] estará com o PSDB? Essa questão antecede o nome. Primeiro fecha o arco de aliança e depois verifica o melhor nome [para vice].

Valor: O discurso mais conservador e populista que ajudou a eleger Jair Bolsonaro em 2018 ganhará força nas eleições de 2020?
Covas: Na eleição municipal as pessoas estão muito mais preocupadas com questões pontuais e locais do que com posições político-partidárias. Doria foi eleito se apresentando como gestor.

Valor: Não foi como o anti-PT?
Covas: Ele se apresentou como gestor, realizador, pessoa que faz. Isso se opunha ao cenário que tinha, de um prefeito que não trabalhava, e pegava mais no eleitor do que ser anti isso ou aquilo. Em 2018 aí sim teve uma disputa nacional de posições político-partidárias, que dominou o debate mais do que outra coisa.

Valor: Um dos pontos questionados do seu governo é a falta de ações. Seus adversários apontam a falta de gestão, de obras, o ‘abandono’ da cidade e problemas na zeladoria, além de medidas impopulares como a reforma da previdência e mudanças no Vale Transporte. O senhor concentrou para o ano eleitoral verbas para zeladoria e investimentos. Não demorou demais? Ainda é possível reverter essa imagem?
Covas: Quando assumimos a gestão, tinha um rombo no orçamento de R$ 7,5 bilhões entre receitas que não seriam realizadas e despesas não previstas. Vamos chegar em 2020 com investimentos de R$ 7,5 bilhões. Diminuímos a dívida corrente líquida em R$ 10 bilhões. A relação dívida/ receita era de 92% e está em torno de 55%. Arrumamos a casa tomando medidas impopulares como a reforma da Previdência, revisão do subsídio para o Vale Transporte, que é obrigação das empresas e não da prefeitura. Na zeladoria, a média de gasto anual da gestão anterior e dos dois primeiros anos desta gestão foi de R$ 500 milhões. Neste ano, gastaremos R$ 1,5 bilhão e em 2020 deve chegar a R$ 3 bilhões. Governo é de quatro anos. Não tem como resolver todos os problemas em um mês. Espero ser avaliado pela gestão de quatro anos.

Valor: O senhor pretende aumentar a tarifa do ônibus em 2020?
Covas: Nesta sexta teremos reunião do Conselho Municipal de Transporte, que deve apresentar uma proposta. Vamos analisar e encaminhar para a Câmara Municipal. Estamos discutindo com o governo do Estado para ver se conseguimos chegar a uma decisão uniforme, pela manutenção da tarifa ou aumento.

Valor: Mesmo no ano eleitoral?
Covas: Por mim, não cobrava tarifa de ninguém. Mas o sistema custa R$ 8 bilhões, sendo R$ 3 bilhões de subsídio e R$ 5 bilhões pela tarifa. Ninguém gosta de aumentar, mas não fazê-lo significa não entregar obras. É uma escolha, não tem o que fazer. Encontramos doze esqueletos de unidades de pronto atendimento, doze esqueletos de hospitais. Vamos entregar todas estas obras.

Valor: Doria fez muitos anúncios no início da gestão sobre privatizações e concessões, que renderiam R$ 7 bilhões, mas pouco se avançou...
Covas: Assumimos a concessão do mercado de Santo Amaro. No caso do mercadão o edital está parado no Tribunal de Contas do Município. Nós esperamos a autorização da Câmara para fazer a concessão dos demais. Já assinamos a do Pacaembu, que deve chegar a R$ 650 milhões. Estamos aguardando o vencedor da licitação montar a sociedade de propósito específico para o parque do Ibirapuera e há um ganho de R$ 1,65 bilhão. Estamos com edital para o autódromo de Interlagos e vamos lançar o edital para o serviço funerário e dos cemitérios. Vamos assinar em dez áreas diferentes contratos de desestatização. Doria passou a campanha falando em três: Anhembi, Pacaembu e Interlagos. Ampliou-se para além desses.

Valor: A área social é outro problema da gestão e secretários deixaram o cargo criticando a falta de recursos. O aumento de verba para zeladoria não é igual para essa área
Covas: Só o programa de metas da prefeitura gerou 103 mil empregos. O emprego é o grande programa social. São Paulo é a cidade que mais gera empregos. Não há nenhum problema. Todos os secretários dessa área saíram sem eu pedir. Vamos criar 85 mil vagas em creches, criamos bolsa para ajudar as mães que não conseguem colocar os filhos na creche.

Valor: Sobre 2022, o descuido de Bolsonaro com a área social pode ser a maior fragilidade dele?
Covas: Torço muito para que a economia vá bem. Não sou do quanto pior, melhor. Mas isso não me faz ter qualquer tipo de descuido em relação ao fato que a gente vê o governo federal demitindo diretor de banco porque o banco faz propaganda para o público LGBT, vê o governo dizendo que não tem desmatamento, mas passa a mão na cabeça de quem faz queimada, vê colando selo de desrespeito ao meio ambiente no produto do agronegócio brasileiro, censurando peça de teatro.

Valor: Como avalia a gestão Bolsonaro? Vê riscos à democracia?
Covas: A democracia e as instituições são muito maiores do que a pessoa A ou B. Não se vê nenhum tipo de mobilização para derrotar as instituições. Isso é muito hollywodiano. não vejo nenhum tipo de risco à democracia mesmo quando um ou outro integrante ligado ao governo defende a ditadura, o AI-5. O que aliás não é nada que me espanta. Bolsonaro, quando deputado federal, defendia a ditadura e é natural que no governo dele tenha gente que pense como ele. Está sendo coerente com o que sempre falou. O povo elegeu esse discurso. Paciência. Não votei nele, mas tenho que respeitar a decisão popular.

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