Na HQ da política brasileira, Bolsonaro e Lula dependem um do outro


Ambos querem ser o super-herói da história, mantendo a polarização acesa no país

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Igor Gielow - Folha.com

Em uma pequena pérola de seu mui irregular repertório, “Corpo Fechado” (2000), o diretor M. Night Shyamalan opõe um supervilão vivido por Samuel L. Jackson a um super-herói que não conhece seus poderes, o protagonista Bruce Willis.

No filme, o vilão discorre sobre uma lei áurea das histórias em quadrinhos: só há super-herói se houver um antípoda, uma nêmesis à sua altura. Sem isso, as narrativas esmaecem e findam os sentidos existenciais de lado a lado.

O Brasil de 2019 vive, e isso é bastante significativo de seu estágio de evolução institucional, preso a essa lógica das HQs no mundo político. O difícil é achar algum herói nesse conto, embora ambos os protagonistas tenham certeza absoluta de que o são.

Falo, claro, de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois principais políticos do Brasil operam suas táticas com a mesma visão estratégica do mundo das HQs: precisam do outro como adversário para maximizarem seu desempenho. Não é a única similaridade entre eles, como se sabe.

A situação penal de Lula, que por anos a fio pendurou no tucanato a pecha de inimigo, acaba ditando o ritmo do jogo. É um balaio de decisões para movimentar o enredo: a modulação que o Supremo irá fazer do rito das delações nesta quarta (2), o debate sobre a progressão de regime do ex-presidente ou mesmo a anulação de seu julgamento por suspeição do hoje ministro de Bolsonaro Sergio Moro, então implacável juiz da Lava Jato.

O petista manobra a contento, mantendo o seu PT e de certa forma todo o eleitorado que viu em Fernando Haddad um poste aceitável no segundo turno de 2018 escravos de seus desígnios. Não por acaso são dignos de risos os arroubos dando conta de frentes únicas de esquerda no país.

Não se trata aqui de criticar o petista, que tem todo o direito de querer manter-se relevante da forma que achar melhor. Ou o presidente, que claramente torce para que a novela se arraste e que Lula siga sendo o grande espantalho político do país —o que não é exatamente uma novidade.

A versão corrente na esquerda, de que Lula seria imbatível no pleito do ano passado, ganhou ares de verdade incontestável em alguns círculos. Não é, por desconsiderar o grau de ebulição de um eleitorado que não só deu a vitória a Bolsonaro, mas que rejeitou liminarmente boa parte do establishment político, a começar aquele aglutinado em torno do PT durante os anos de poder do partido.

Me parece mais crível ver Lula pelo valor de face, um utilíssimo instrumento para assustar flancos deste eleitorado que não se veem representados no histrionismo do bolsonarismo, mas que votariam no Tinhoso para não ver o petista de volta ao poder.

Nesse sentido, como já foi dito, todo o radicalismo do presidente visa manter o seu terço do eleitorado fiel consolidado. Lula tem o dele. No meio, aqueles que serão disputados em 2020 e 2022, o “swing vote” tupiniquim.

A provável debacle da Lava Jato poderá ajudar Lula a reconquistar algum pedaço de classe média que venha a enxergar nos exageros da operação, que teve em posição de destaque um procurador-geral que disse ter se armado para matar um ministro do Supremo, um sinal de perversão completa de seu sentido. Não é assim, mas seria compreensível.

Por ora, contudo, a tática de Bolsonaro parece ser mais eficaz. Para o presidente, Lula Livre, mas não tanto, é o melhor cenário possível. Trabalho mesmo terão João Doria, Luciano Huck, Wilson Witzel e outros que venham tentar adequar-se ao tabuleiro com o jogo já em pleno andamento.

Em favor deles, o oceano de tempo até a eleição presidencial. Além disso, podem buscar algum consolo na ficção: na decepcionante sequência do filme de Shyamalan, “Vidro” (2019), tanto o herói quanto o vilão se dão mal no fim.


*Igor Gielow - Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.


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