CPI das Fake News mira grupo que integraria 'gabinete do ódio' no Planalto


Acusados de contribuir para a radicalização política, três assessores da Presidência foram convocados a depor; governo diz que eles têm 'função técnica'

 Tercio Arnaud Tomaz ao lado do presidente Jair Bolsonaro

Daniel Gullino e Gustavo Maia - O Globo

Acusado de divulgar notícias falsas e de contribuir para a radicalização política, um grupo batizado de “gabinete do ódio” é alvo da CPI das Fake News. Com salários entre R$ 10 mil e R$ 13 mil, os servidores atuam em uma sala do terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos metros de onde despacha o presidente Jair Bolsonaro, como noticiou a revista eletrônica “Crusoé”. São três assessores da Presidência: Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. Todos foram convocados a prestar depoimento.

Os dois primeiros, ex-funcionários do gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), são ligados diretamente ao presidente e foram efetivados no quarto dia do governo, tendo atuado na campanha e na transição. Ambos recebem mensalmente R$ 13.623,39 em remuneração bruta. Já o terceiro ganha R$ 10.373,30 e foi nomeado na Secretaria de Comunicação em janeiro.

Na justificativa para a convocação, apresentada pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), eles são apontados como responsáveis por executar “estratégias de confronto ideológico e de radicalização de ataques nas redes contra adversários”.

Governo nega

Embora não explique as funções de Tomaz, Sales Gomes e Diniz, o Palácio do Planalto “nega veementemente a existência de um chamado gabinete do ódio na estrutura institucional da Presidência da República”. O termo foi usado para descrever a atuação dos assessores em reportagens dos jornais “O Estado de S. Paulo” e “Folha de S.Paulo”, que também usaram a expressão “gabinete da raiva”.

Sobre as atividades desempenhadas pelos três funcionários públicos, o governo se limitou a dizer, por meio de nota, que “todos os servidores lotados nesse órgão desempenham suas funções técnicas inerentes aos cargos ocupados”. O GLOBO questionou quais são essas “funções técnicas”, mas não houve resposta.

Tido como uma espécie de mentor do grupo, Carlos Bolsonaro afirmou na quarta-feira, no Twitter, após o trio ser convocado pela CPI, que “quem criou o gabinete” foi seu pai e quem o apelidou de “gabinete do ódio” foi a imprensa.

“E quem ‘acreditou’ foram os ‘otários’, como esse ‘Major Otárius Olímpius’”, complementou, ao compartilhar declaração do senador e ex-aliado Major Olímpio (PSL-SP) sobre a suposta atuação dos integrantes do gabinete. Olímpio disse que “cabe crime de improbidade a quem permitiu” a existência do do gabinete.

Em setembro, no dia seguinte à publicação de reportagens sobre o grupo, Bolsonaro reclamou com jornalistas do que classificou como invenção.

— Deturpa tudo na imprensa. É impressionante... É impressionante a falta de patriotismo. Como agora a gente vê gabinete do ódio. O que é isso? Como inventam esse negócio? Pelo amor de Deus! Qual a intenção? — questionou o presidente.

Junto com o trio também foi convocado pela CPI Allan dos Santos, fundador do portal de notícias bolsonarista Terça Livre. Em outro requerimento, igualmente apresentado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), o chefe da Assessoria Internacional do Planalto, Filipe Martins, também foi convocado. Martins é alinhado ao grupo e próximo da família Bolsonaro.


Serviço acumulado

No ano passado, o GLOBO revelou que Tercio recebia salário da Câmara de Vereadores do Rio sem trabalhar de fato no Legislativo da cidade. Durante a pré-campanha, sua verdadeira ocupação era a produção de conteúdo digital, filmando e fotografando Bolsonaro em momentos de descontração e em intervalos de sua agenda como pré-candidato à Presidência da República. Na ocasião, o chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro, Jorge Luiz Fernandes, negou ao GLOBO que Tercio trabalhava na pré-campanha.

Logo após a vitória de Bolsonaro, porém, Tercio passou a se apresentar como assessor de comunicação do presidente eleito, recebia demandas da imprensa, divulgava agendas e compartilhava áudios e imagens oficiais, mesmo enquanto estava lotado no gabinete de Carlos Bolsonaro. Após ser nomeado no Palácio do Planalto, Tercio continuou acompanhando Bolsonaro em algumas viagens: foram nove até agora, todas no Brasil.

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