Entrevista de Aloysio Nunes À Folha


Lava Jato manipulou impeachment de Dilma, diz Aloysio Nunes, do PSDB

Entrevista com Aloysio Nunes (PSDB-SP), ex-chanceler e ex-senador. Aloysio fala sobre política e acusações da Lava Jato 
Lucas Seixas/Folhapress

José Marques e Felipe Bächtold - Folha.com

Acusado em delação premiada pelo ex-presidente da OAS Léo Pinheiro de ter solicitado propina de obras em São Paulo para campanhas do PSDB, o ex-senador e ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, 74, afirma que o relato é absurdo e cita apenas informações que não podem ser sujeitas à comprovação.

Em entrevista à Folha, o tucano diz que o empresário, que ficou preso durante três anos em Curitiba, entregou sua cabeça à Lava Jato e "conseguiu ir para casa, se livrar de uma prisão que estava se eternizando".

Aloysio, que foi presidente da Investe SP (agência estatal de fomento) no início do governo João Doria (PSDB) e deixou o cargo após sofrer busca e apreensão da Lava Jato, critica os métodos da operação. 

Na mesma fase, foi preso preventivamente o engenheiro Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, suspeito de ser operador do PSDB. Aloysio diz que não tem relações com os negócios de Paulo Preto, mas afirma ser amigo dele.

"O Paulo de Souza que eu conheço foi premiado em 2009 pelo Instituto de Engenharia de São Paulo como o engenheiro do ano", diz. Ele afirma ter intercedido a favor de um habeas corpus do engenheiro com assessores do STF porque "estava vendo uma ilegalidade sendo cometida".

O ministro Gilmar Mendes concedeu o habeas corpus à época. "Eu faria isso por qualquer pessoa, aliás, não precisa ser meu amigo", acrescentou.

Ex-chanceler do governo Michel Temer (MDB), ele diz que viu "com constrangimento" o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU e defende que o PSDB se posicione como oposição à atual gestão.

Na entrevista, ele também falou que a equipe da Lava Jato fez uma "manipulação política" durante a discussão do impeachment da então presidente Dilma Rousseff.



ENTREVISTA

O sr. ainda tem atividade partidária após deixar o governo João Doria? 
Sou membro da executiva do PSDB. Tenho relação de amizade e companheirismo com o presidente Bruno Araújo e com outros membros da executiva, para quem frequentemente eu faço observações sobre questões políticas. Me preocupa muito o silêncio do PSDB sobre temas que são muito caros e sensíveis ao eleitorado do PSDB. 

Quais temas? 
Bolsonaro cultiva os seus eleitores de raiz. O PSDB, não. Não se pronuncia com vigor merecido sobre temas como direitos humanos, flexibilização da lei de porte de armas, política ambiental, política externa, educação. A guerra ideológica, que parece ser a única pauta do ministro da Educação, foi encampada em São Paulo por uma CPI das Universidades, que é um espetáculo constrangedor de truculência e ignorância. O PSDB apoiou. Essas coisas me parecem muito preocupantes.

Há temas que são definidores. O que o PSDB acha da indicação para a embaixada nos Estados Unidos? 
São questões palpitantes, do dia a dia da política, que comovem uma parte significativa do eleitorado do PSDB. E, por não ter resposta, vão acabar se afastando. Quando chegar a eleição, vamos bater em outras portas, que estarão fechadas a essa altura. Falta definição concreta sobre o que fazer: o PSDB é situação ou oposição ao governo Bolsonaro? 

Nós é que perguntamos.
Não sei [risos]. Se eu estivesse no Congresso, saberia. 

E como o PSDB deve se posicionar? 
Na oposição, obviamente. Perdemos a eleição.

Ser de oposição ao governo Bolsonaro não é o oposto do que João Doria pregou durante a campanha, que é o Bolsodoria? 
Não quero falar do governador Doria. O governador tem a missão fundamental de dirigir o estado e fazer um bom governo como acho que ele está fazendo. Não cabe ao governador fazer oposição ao governo federal. A função dele é governar São Paulo, com a boa equipe e projetos claros que ele tem. Estou me referindo à política do PSDB, das suas bancadas, do seu diretório.

E como o sr. define o eleitorado do PSDB? 
É um eleitorado com compromisso com a democracia, reformista, que apoia algumas reformas que já estavam na agenda do Fernando Henrique, é um eleitorado que defende as causas relativas ao meio ambiente e aos direitos humanos, que defende um estilo de governo de diálogo, de composição, de pedagogia e não de confronto.

E também tem convicção de que as desigualdades sociais não são corrigidas automaticamente pelo mercado, mas devem ser enfrentadas por políticas públicas.

Como o sr. vê o entrevero que teve entre o PSDB de São Paulo e de Minas Gerais em relação à expulsão do deputado Aécio Neves? 
Não teria que haver entrevero porque o PSDB acabava de, numa convenção, aprovar um código de ética que previa situações como essa e estabelecia uma regra clara: condenado em primeira instância, se afasta, confirmada em segunda instância é excluído. Essa é a regra geral, não tinha que ter regra pró-Aécio. Acho que a executiva nacional fez bem em aplicar a regra geral.

Que avaliação faz do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU?
Com constrangimento. Não tem sentido ocupar a tribuna da ONU para falar sobre o Foro de São Paulo —reunião de nefelibatas de extrema-esquerda, dedicados a uma espécie de onanismo ideológico e que não tem a menor relevância. É um governo com um discurso da Guerra Fria, para quem o calendário do mundo não mudou. Como diz o governador Doria, é um discurso inadequado. O oportuno seria fazer um discurso que estivesse na linha da política externa brasileira, que é uma linha agregadora.

Mas essa linha não mudou quando Ernesto Araújo se tornou chanceler? 
Mudou. E esse rediscurso reflete essa mudança, na minha opinião muito ruim para o país. Vai criar problemas de ordem prática, imediata. Não é à toa que o ministro das Relações Exteriores vai conversar com esse vigarista desse Steve Bannon às vésperas da reunião. Bannon que se apresenta como ideólogo de um grande movimento mundial nacionalista e populista. O Brasil não é isso.

E o que achou da indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos EUA?
São coisas que vão desmerecendo a função presidencial. A escolha tem que ser extremamente criteriosa porque não se trata apenas de ser amigo do presidente. O embaixador nos Estados Unidos não fala na Casa Branca o tempo todo. Ele tem a função de falar com o Congresso, onde muitas questões que dizem respeito ao interesse brasileiro são decididas. Não tem sentido você chegar lá com um embaixador que até pouco tempo ostentava um boné com a campanha do Trump. É uma visão rastaquera da politica.

Vamos às questões relativas à Lava Jato. O sr. saiu em fevereiro do governo Doria dizendo que ia trabalhar em sua defesa, mas quando depôs sobre o inquérito em Curitiba não se manifestou. 
Por que não me manifestei? Porque contesto a legitimidade desse inquérito. Não tem por que eu ser investigado ou vir a ser processado pela 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. Eu não tenho nada a ver com Petrobras. Uma das questões mais graves que afetam a Lava Jato é a usurpação da competência de outras instâncias judiciais. Eu disse isso ao delegado que me inquiriu e disse também que não tinha tido acesso —para espanto dele— ao inquérito. 

Como foi o dia da ação? Qual foi o objeto do mandado de busca e apreensão? 
Um cartão de débito para viagem com limite de 10 mil euros que foi entregue num hotel onde eu estava hospedado em Barcelona aos meus cuidados. Consta do inquérito um email que um banco, pedindo ao seu correspondente da Espanha que entregasse aos meus cuidados em um hotel onde eu passava o fim de ano.

Acontece que há um outro email, do mesmo banco, que consta também do inquérito, pedindo para anular o cartão, que foi pedido por engano. Consta no inquérito. E no entanto eles fazem uma busca e apreensão em minha casa, em 2019, atrás de um cartão de crédito emitido em 2007, que eles sabiam que tinha sido cancelado.

Esse cartão foi emitido com vinculação a uma conta de Paulo Vieira de Souza. Eu não tenho nada a ver com isso. Eu não tenho conta do Paulo de Souza. 

O senhor nunca usou esse cartão? 
Não. Ainda que tivesse usado, eu não sabia. Eu sabia que o Paulo de Souza tinha conta no exterior como muitos brasileiros têm, tanto é que houve uma lei para regularizar. Mas não tinha a menor ideia de como essa conta poderia ser abastecida. 

Por que o seu nome foi aparecer no email, então? 
Porque era um cartão aos meus cuidados, não era um cartão meu. E apareceu no cartão o meu nome. O banco percebeu o engano e mandou cancelar. Paulo de Souza estava esquiando em Andorra e ia passar por Barcelona e pegaria o cartão no hotel. Era um fim de ano e na Espanha não funciona nada. Ele passaria por Barcelona nesse período e pediu para eu pegar o cartão. Sou amigo do Paulo de Souza. 

É uma coisa absurda. Entram na minha casa com policiais armados, com colete à prova de balas e com gente da Receita Federal também com colete à prova de balas. Eu peço para falar com advogados e eles dizem que está sob segredo de Justiça —no entanto avisam à imprensa. Se isso não é abuso de autoridade, não sei o que é.

Esclarecendo: foi um favor que o sr. prestou ao seu amigo naquela ocasião e o cartão estava no seu nome e foi cancelado? 
E ainda que tivesse usado, qual o crime que eu teria cometido? Nenhum. Você pode me emprestar um cartão de débito. Tudo bem. Eu uso e depois lhe pago. Qual o crime?

Em relação ao sr. não há imputações, mas Paulo Vieira de Souza tem diversas acusações. 
Paulo de Souza que eu conheço foi premiado em 2009 pelo Instituto de Engenharia de São Paulo como o engenheiro do ano. É o homem que conduziu e liderou obras muito importantes no estado de São Paulo, como o Rodoanel. O Paulo de Souza que era membro de uma diretoria colegiada, que tinha um presidente e estava sob a tutela do secretário de Transportes. Esse é o Paulo de Souza que eu conheço. As acusações contra ele, ele vai se defender na Justiça, e acho que contra ele existe uma ilegitimidade fundamental. Contra ele não tem nada a ver com a Petrobras, e Lava Jato é Petrobras.

Mas ele foi condenado em São Paulo. 
Numa sentença que ainda não foi publicada, aliás. Agora, o problema é que ele está preso em Curitiba, a jurisdição da 13ª Vara diz respeito a casos da Lava Jato que implicam corrupção na Petrobras. Menos sentido ainda eu estar nessa história e estar em Curitiba. O que tenho a ver com Petrobras? Sou mero cliente da BR Distribuidora. Fiz oposição ao governo do PT. 

O sr. falou que sabia que Paulo Vieira de Souza tinha contas no exterior. Ele já tinha conversado sobre isso com o sr.? 
Ele nunca me disse isso. Ele foi empresário antes de trabalhar no governo, e muitos empresários tinham. Tanto que houve uma lei para permitir a legalização dessas contas. 

O sr. confia na atuação que ele teve nos governos aqui em São Paulo? 
O que eu conheço, sim. Conheço um trabalho eficiente, pontual, e feito dentro dos orçamentos aprovados.

Mas ele declarou, por exemplo, ter R$ 130 milhões em contas no exterior. 
Isso ele tem que explicar. Eu não sei. A explicação não cabe a mim.

São diversas delações que o citam, duas condenações em São Paulo, investigações em Curitiba. 
Não quero analisar as questões judiciais do Paulo, ele tem advogados que o defendem. Falo do Paulo Souza que eu conheço, que é um gestor muito eficiente.

Ele disse em entrevistas que foi trabalhar no governo Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990, junto com o sr. O sr. teve um papel de apresentá-lo dentro do PSDB? 
Não. Eu conheci o Paulo na diretoria do Metrô. Quando eu fui secretário de Transportes Metropolitanos, havia a diretoria do Metrô já constituída, e ele era diretor. Ele fez um trabalho muito positivo na reformulação do projeto da linha-4. Aí eu conheci.

Um episódio pouco explicado foi quando o sr. faz ligações para o advogado José Roberto Santoro e há uma comemoração a respeito de um habeas corpus obtido por Paulo com o ministro Gilmar Mendes. O sr. pode explicar? 
Santoro, naquela época, era advogado de Paulo. O caso ia ser julgado pela juíza, que acabou o condenado, sem que ele tivesse tido a oportunidade de oitivas de testemunhas de defesa. Havia um habeas corpus tramitando no Supremo, no gabinete do ministro Gilmar Mendes, pedindo que fossem ouvidas as testemunhas.

Eu não falei com o ministro Gilmar Mendes. Falei com assessores do tribunal, falando que ela tinha marcado a data da sentença, era, iminente, uma ilegalidade, e estou prevenindo o que poderia acontecer. Foi deferido o habeas corpus independentemente de eu ter falado ou não porque era uma coisa tão evidente que qualquer estudante de direito sabia.

Mas por que o sr. foi interceder? 
Porque eu estava vendo uma ilegalidade sendo cometida, eu soube disso. Eu faria isso por qualquer pessoa, aliás, não precisa ser meu amigo.

A filha de Paulo defendeu em uma carta que ele faça colaboração premiada. Como o sr. vê essa possibilidade? 
Cabe a ele fazer o melhor para ele.

O sr. mantinha contato com ele até antes de ele ser preso, recentemente? 
Sim, sou amigo do Paulo Souza. Não [tinha] um contato muito frequente, eu estava em Brasília, era ministro. Tive contato com ele de amizade, com ele e com a família. Ele fará o que for melhor para ele.

Qual era a relação do sr. com Léo Pinheiro? 
Conheço há muitos e muitos anos, desde a juventude. Léo, como eu, era comunista, conheço de militância, de mocidade, temos amigos comuns, desse ambiente. Como dirigente da OAS, tive com ele muitas reuniões, muitos contatos, como deputado, como secretário.

Eu o recebia para tratar de assuntos da empresa que pudessem ser da minha alçada de decisão. Nunca Léo Pinheiro sequer ousou em fazer qualquer tipo de proposta que implicasse em troca de favores administrativos por dinheiro. Até porque nos conhecemos e nos respeitamos. Foi uma surpresa essa delação.

Examinando a delação, verá que os fatos são tão absurdos, com alegações falsas que podem ser desmentidas a olho nu, que me espantou. Depois entendi que pudesse ser uma estratégia de defesa porque nada dito ali é sujeito a comprovação. Aquilo que está lá são acusações de crimes eleitorais que eu teria cometido em benefício de José Serra e em meu benefício, que eu sequer vou poder comprovar [a inocência], porque tanto Serra quanto eu temos mais de 70 anos e essas coisas estão prescritas.

Para o sr. tudo está prescrito? 
Pode-se entender que houve crime de corrupção, dependendo do juiz. Vamos pegar as coisas que estão lá: ele diz que eu pedi propina na linha-4 [do metrô] para que uma reivindicação [da OAS] de reequilíbrio do contrato fosse atendida. O reequilíbrio do contrato foi concedido por uma corte arbitral. Imaginar que eu vou ligar para uma corte arbitral, e dizer ‘pode pagar porque eles já deram propina’, é um absurdo. Léo Pinheiro convive com governos há 40 anos. Não daria dinheiro para ninguém se não precisasse. Sabia que era uma decisão que não dependia do governo. Não tinha sentido nenhum.

Sobre [pagamentos no contrato da rodovia] Carvalho Pinto: era uma disputa judicial que encontramos quando chegamos no governo, de reequilíbrio de contrato. O estado havia sido condenado a pagar, e a ré era a Dersa [estatal rodoviária]. Havia uma ameaça iminente de confisco, sequestro das receitas de pedágio. O estado fez um acordo para pagar parceladamente. 

​A acusação é de que o estado vendia uma dificuldade para conseguir uma facilidade. Se ele já tinha uma decisão judicial a favor, qual foi a facilidade? Outro exemplo: [contrato da] ponte estaiada [Octavio Frias de Oliveira]. Quando Serra entrou na prefeitura, a ponte estava praticamente pronta. Faltava completar um acesso e submeter a ponte a um teste de vento, para ver se aguentava temporal. Tem cabimento imaginar que o Serra fosse deixar de completar? Precisaria pagar para completar?

Na minha campanha, pedi recursos à OAS e outras empresas. Era legal, legítimo, e não sou homem que tem fortuna. Não faria sentido pedir propina para a campanha do Serra nessas obras, uma vez que estavam asseguradas à OAS. 

Por que Léo Pinheiro faria toda essa descrição? 
A delação foi homologada sem análise, ainda que superficial, desses fatos. Se analisasse com um mínimo de cautela, saberia que isso não fica de pé. Ele [Léo Pinheiro] entregou a minha cabeça aos ‘lavajatos’ e, com isso, conseguiu ir para casa, se livrar de uma prisão que estava se eternizando. Um homem doente, idoso. Ao mesmo tempo, alinha uma série de fatos cuja prova vai demorar dez anos, sei lá quanto tempo. Porque não tem como provar. Não faz nenhum sentido, nem para Serra, nem para mim, para nossas campanhas, recursos obtidos dessa forma. [Léo Pinheiro] não precisaria fazer nenhum tipo de agrado nem a Serra nem a mim para obter aquilo que já era dele.

Ao longo da Lava Jato, ficou cada vez mais claro que era o modus operandi dessas grandes empresas, em grandes obras, como as da Petrobras, pagar uma porcentagem para um núcleo político. Essas empresas, imagino eu, só pagam se têm necessidade, para obter uma obra, um adiantamento de pagamento, uma renegociação de um contrato. Mas de graça? 

Para obter uma boa relação política... 
Não era preciso isso. Pelo menos para mim, não. Talvez tenha gente que precise. Para mim, e para o Serra, não. 

Que avaliação o sr. faz da Lava Jato até o momento? 
Acho que os diálogos divulgados pelo Intercept e por vários veículos, entre os quais a Folha, carimbam muitos desses procedimentos de absoluta ilegitimidade. Não é possível, em um processo judicial, em um país civilizado, um juiz e os procuradores se comportarem da forma como se comportaram. Processo judicial exige um juiz independente, imparcial, que dê iguais oportunidades tanto à defesa quanto ao Estado provarem seus argumentos.

É um processo viciado por essa relação promíscua entre o juiz e os procuradores, imbuídos de um projeto político, que vai além do processo judicial. São janízaros liderados por um vizir que quer ser o próximo califa no lugar do califa atual. 

Em 2016, o sr. disse que ninguém poderia barrar a Lava Jato. Continua com essa opinião?
Verdade. Depois das revelações, eu fico profundamente chocado com o que aconteceu na Lava Jato. Acho que o Supremo tinha que tomar providências, uma vez que o Conselho Nacional de Justiça não sei se tomará.

Foi uma surpresa? 
O PT sempre criticou o viés político [da operação]. Quando você fala na divulgação do diálogo de Lula com a Dilma, evidentemente você tem uma manipulação política do impeachment. Quando você tem a divulgação da delação de [Antonio] Palocci nas vésperas da eleição presidencial, você tem uma manipulação política da eleição presidencial. Isso feito de caso pensado, como os diálogos revelaram.

Não é uma coisa por inadvertência, foi de caso pensado. Então, isso para mim torna, não todos, porque não conheço todos, esses casos em que esse tipo de procedimento se verificou, nulos, porque atingiu um princípio fundamental do Estado de Direito, que é a garantia que a existência de um juiz imparcial dá ao direito de defesa.

Principalmente na época do impeachment, o PSDB explorou muito essa divulgação de diálogos. 
Não só o PSDB. O Supremo Tribunal Federal acabou por barrar a posse do Lula [como ministro de Dilma] com base em uma divulgação parcial de diálogo, feita por eles, Moro e seus subordinados, do Ministério Público. Eles manipularam o impeachment, venderam peixe podre para o Supremo Tribunal Federal. Isso é muito grave.

O sr., na época do impeachment, era uma das principais lideranças a favor. 
Eu fui a favor do impeachment. Nós, da bancada do Senado, não tínhamos o mesmo entusiasmo da bancada [do PSDB] da Câmara. Éramos mais prudentes em relação ao que estava acontecendo. Diante do fato de que a presidente Dilma não conseguiu ter sequer 173 votos a favor dela para barrar o processo de impeachment na Câmara, ficou evidente que ela tinha perdido as condições de governar. 

Além, evidentemente, do desvario na condução da política econômica e da política fiscal. Como uma presidente não consegue ter 173 votos para barrar o impeachment, que praticou atos que, à luz da própria legislação, constituiu crime de responsabilidade, não havia como a manter no poder.

​Houve um peso político na divulgação dos áudios? 
Eles [autoridades da Lava Jato] manipularam o impeachment ao barrar a posse do Lula. Se Lula tivesse ido para a Casa Civil, não seria capaz de recompor a base política do governo? Lula, que dizem que foi um governo socialista, governou com a direita. Teria rapidamente condições de segurar a base política. Porque o impeachment é um processo jurídico —crime de responsabilidade—, e político. Ele, pelo menos em relação à questão política, talvez tivesse condição de recompor. Foi exatamente por isso que eles procuraram barrar, como conseguiram, a posse de Lula.

O sr. é a favor da lei de abuso de autoridade? Não pode restringir investigações importantes?
Sou a favor. Prender alguém sem base legal, é evidentemente abuso de autoridade, claro. Restringir direito de defesa, manter a pessoa presa além do que a lei permite, é abuso de autoridade.

Como é abuso de autoridade, fazer o que fazem frequentemente: expor uma pessoa, que às vezes nem começou a ser investigada, à execração pública, como se tivesse sido condenada. Eu tive helicóptero sobrevoando a minha casa e imprensa na porta, para apreender um cartão, emitido em 2007, que eles sabiam que tinha sido cancelado. Isso não é abuso de autoridade?

O sr. então acha que a Lava Jato incorreu nisso várias vezes. 
Claro que sim. Várias vezes. Não é uma questão de Lava Jato ou não. São garantias que devem ocorrer para a lisura de um procedimento. Acho que contribui para manter as balizas do respeito ao contraditório, aos direitos individuais.


Comentários