'Balbúrdia na ortografia', artigo de Thaís Nicoleti


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Folha.com

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, cabulou mais uma aula de português. Neste 30 de agosto, caiu nas redes sociais um ofício assinado por ele em que a palavra “paralisação” aparece duas vezes grafada com a letra “z” e, de quebra, “suspensão” vem com “ç”, o que nos leva a crer que “incitar” com “s” não tinha sido um caso isolado.

Erros de grafia têm aspecto dúbio: por um lado, são grosseiros e dão vergonha como um rasgo nos fundilhos da calça; por outro, pertencem à camada superficial da língua, dado que sujeitos a uma convenção.

Muita gente deve estar pensando que talvez já tenha cometido os mesmos erros, afinal, confundir “s” com “z” e “s”, “ss” e “ç” é relativamente comum entre usuários da língua portuguesa. Nem por isso o ministro merece ser desculpado, pois, na posição que ocupa, tudo o que diz, faz e escreve também se reveste de valor simbólico. A sabedoria popular dá o veredicto: não pega bem.

Culpar o assessor ou um revisor distraído não diminui o mal-estar: quem assinou o texto foi o ministro da Educação. O mais provável, no entanto, é que o personagem nem se dê ao trabalho de eximir-se de culpa – afinal, que se pode esperar de quem chamou de “acepipes” os que pretendia chamar de “asseclas” e confundiu o conhecidíssimo escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924) com um prato da culinária libanesa?

Resta extrair do episódio uma oportunidade de rever a gramática. O sufixo “-izar”, formador de verbos de caráter frequentativo (fiscalizar, agonizar) e causativo (demonizar, banalizar, purificar, realizar), é acrescentado a termos que não têm no radical as letras “s” ou “z” (de concreto fazemos concretizar; de economia, economizar; de ameno, amenizar e assim por diante). De baliza, no entanto, fazemos balizar, apenas com acréscimo de -ar (de cicatriz, cicatrizar; de ojeriza, ojerizar). Igualmente, apenas com a terminação -ar, de análise fazemos analisar, e de pesquisa, pesquisar.

Paralisação, paralisar, paralisia, essa família de palavras remete-nos à língua francesa, que nos deu paralisar via paralyser e paralisia via paralysie. Este último termo derivou do latim paralysis, já usado no sentido de “paralisia” como enfermidade; e ao latim o termo chegou pelo grego parálusis (“relaxamento, relaxamento dos nervos”).

Quanto à grafia de suspensão (e de outros substantivos abstratos cognatos de verbos), vale observar que, geralmente, a terminação -nsãodos substantivos tem correspondência com as terminações -nder/-ndirdos verbos (ns — nd). Vejamos alguns exemplos: apreensão/apreender, ascensão/ascender, pretensão/pretender, distensão/distender, expansão/expandir, escansão/escandir, extensão/estender, compreensão/compreender, propensão/propender, suspensão/suspender.

Agora observemos alguns dos terminados em -ção e seus verbos correlatos: atenção/ater, detenção/deter, unção/ungir, contenção/conter, manutenção/manter, obtenção/obter, prevenção prevenir, intenção/intentar, promoção/promover, presunção/presumir, invenção/inventar, subsunção/subsumir, distinção/distinguir.

As regras (que são a expressão da regularidade, daquilo que é mais frequente) ajudam muito a entender a língua e, por conseguinte, a ter mais recursos de comunicação, mas é a familiaridade com a leitura de textos escritos na modalidade culta do idioma que nos faz internalizar esse conhecimento. A ortografia, em particular, está bastante ligada à memória visual das palavras. Quem tentar orientar-se apenas pela escuta vai ter muitos problemas nessa área.

Em vez de se insurgir contra o fantasma do marxismo cultural, o ministro bem poderia lançar projetos de estímulo à leitura e de fomento à educação em todos os níveis.


*Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa da Folha e do UOL

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