Entrevista do prefeito Bruno Covas ao El País


Bruno Covas: “Tirar o Parque Minhocão do papel muda a cara da cidade”

Marina Rossi - El País

O prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB), na sede da Prefeitura 
Foto: Luis Simione

Prefeito fala sobre os riscos nas infraestruturas da cidade,defende verba pública para Carnaval e se queixa das contradições da população: “Querem tirar morador de rua, mas querem respeito aos direitos humanos”

No mesmo dia em que anunciou que daria o pontapé inicial no projeto de desativar o Minhocão para transformá-lo em um parque (leia mais no quadro abaixo), o prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB) afirmou não se importar com qual marca de gestão quer deixar na cidade. “Não sei qual marca vai ficar, sei que estamos trabalhando bastante para cuidar das pessoas e cuidar da cidade”, tergiversou. Embora desconverse sobre o futuro e as próximas eleições, o neto do ex-governador paulista Mario Covas é hoje a grande aposta de renovação de um PSDB combalido pelo resultado pífio nas urnas no ano passado. Enquanto o ex-governador Geraldo Alckmin tira por completo seu time de campo, e o atual João Doria flerta mais com a extrema direita do que com seus correligionários, Covas desponta como o sucessor natural entre os tucanos.

Completando dez meses como titular no cargo, Covas recebeu a reportagem na quinta-feira e falou por breves 26 minutos em uma sala de reunião gelada no 5º andar da Prefeitura, onde fica o gabinete. Vestindo calça de sarja, camisa e sapatênis sem meia, o prefeito dispensa formalidades. Carrega um terno de reserva caso precise usar, mas não o coloca enquanto não for necessário. Aos 38 anos e ocupando o cargo de administrador da maior cidade do país, não faz nenhuma questão de ser chamado de senhor – “Não precisa”, diz. Enquanto fala, mistura um tom sério com algumas risadas e gesticula um pouco os braços cobertos por pulseirinhas de couro e contas, que são "apenas adereços, sem nenhum significado místico", segundo a assessora.

*

Pergunta. Você indicou o ex-prefeito João Doria para o Prêmio Cidade de São Paulo, que ele ganhou no início deste ano. Como é a sua relação com ele? Vocês se falam periodicamente?
Resposta. A gente se fala. Hoje o WhatsApp facilita muito. Você não precisa estar disponível. Você manda um recado, quando a pessoa puder, ela responde. Eu diria que por WhatsApp, ao menos uma vez por dia, a gente se fala.


O PARQUE MINHOCÃO

O projeto de desativar o Elevado Presidente João Goulart, que conecta a avenida Radial Leste-Oeste (no Centro) à avenida Francisco Matarazzo (Zona Oeste), e transformá-lo em parque é discutido desde a gestão Fernando Haddad. Foi o ex-prefeito quem sancionou a criação da lei do parque, em 2016, depois que o Plano Diretor de 2014 já previa a desativação do viaduto.

Na semana passada, a Prefeitura anunciou que iniciará, ainda neste ano, a criação do primeiro trecho do parque, com 900 metros. A ação será realizada em três etapas e a previsão é que as obras sejam finalizadas em 2020. A primeira etapa deve custar 38 milhões de reais.

O destino do elevado é debatido desde a década de 90, quando o tráfego passou a ser interditado ali no período noturno devido à poluição sonora para os moradores do seu entorno.

P. Você o consulta para algumas decisões?
R. (silêncio). Olha.... Estou tentando aqui lembrar se em algum momento eu fiz uma consulta. Acho que mais quando é uma coisa que envolva Estado e município do que relações que envolvam o dia a dia da Prefeitura. Eu fiquei um ano e três meses trabalhando com ele, eu também conheço um pouco o jeito dele. Algumas coisas eu vou ligar [para perguntar], mas já sei a resposta porque já sei como ele pensa.

P. Você ainda hoje é chamado de “herdeiro de Doria”. Acha que a cidade já conseguiu isolar você dele?
R. Eu diria que não há um isolamento, porque a gente tem uma ligação inclusive antes da política. Uma das minhas primeiras recordações de João Doria é dele ajudando a minha avó [dona Lila Covas] no Fundo de Solidariedade, quando ela era primeira-dama. Claro, ele é governador e eu sou prefeito, então, também independentemente da questão partidária, tem uma relação institucional necessária para a cidade de São Paulo. Mas também nunca foi uma relação de subordinação, de patrão e empregado. Acho que essa emancipação não é que ela já aconteceu, ela não tem por que acontecer. Não há relação de subordinação entre nós dois.

P. No mundo político, sempre que entra um vice de alguém acaba ficando essa vinculação....
R. Eu dei toda a liberdade do mundo para ele para que quem quisesse acompanhar na campanha, que o acompanhasse. Depois, quem ele quis levar para o Governo do Estado, ele levou. Alguns continuam aqui... As pessoas não estão preocupadas assim “o Bruno está mais ou menos ligado com o Doria”. Estão preocupadas se tem remédio no posto de saúde, se o buraco vai ser asfaltado ou não. Acho que é uma questão muito mais filosófica do que prática para as pessoas.

P. Você extinguiu recentemente a secretaria de Desestatização, que era um dos carros-chefes da gestão Doria...
R. Carro-chefe é o programa.

P. Um dos carros-chefes, eu disse.
R. A secretaria cumpriu o seu papel, que foi colocar de pé a modelagem das várias concessões, privatizações, enfim, de todas as desestatizações. Agora precisa tocar. É questão de pegar o secretário da área, o jurídico, enfim, agora é muito mais uma questão de secretaria de governo do que uma secretaria específica para ficar modelando isso. Eu diria que ela cumpriu o seu papel e o programa em si continua. Quando ele [Doria] foi candidato, ele não prometeu criar uma secretaria, ele prometeu desestatizar. O carro-chefe continua.

"Se conseguir tirar do papel o Parque Augusta e o Parque Minhocão, são questões que mudam a cara de São Paulo. Não sei se lá na frente as pessoas vão dar tanta importância para isso... "

P. Bom, mas essa era uma das marcas de Doria. Qual é a sua? Que marca pretende deixar na Prefeitura de São Paulo?
R. A gente tem várias ações aqui no município.

P. Mas quais são as principais?
R. O difícil é saber o quanto as pessoas vão valorizar isso depois. Se conseguir tirar do papel o Parque Augusta e o Parque Minhocão, são questões que mudam a cara de São Paulo. Não sei se lá na frente as pessoas vão dar tanta importância para isso... Criar 85.000 vagas em creche é uma coisa também importante, embora não seja uma obra que as pessoas passem e olhem, é algo que muda o dia a dia da cidade. Então não sei se vai ser na área social, não sei se vai ser na área de desenvolvimento urbano... Não sei qual marca vai ficar, sei que estamos trabalhando bastante na área de cuidar das pessoas e de cuidar da cidade.

P. Mas não há uma área específica? Por exemplo, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) tentou imprimir uma marca na questão da mobilidade.
R. Mas veja: você acha que quando ele resolveu fazer ciclovia, ele fez ciclovia querendo ser lembrado por ter feito ciclovia? Ele fez porque achava que era o correto a fazer. E isso foi o que ficou mais conhecido da administração dele. A gente se preocupa com as metas, com os resultados. A marca, depois a pessoa diz qual é. Não sou eu que vou escolher.

P. Falando em ciclovia, como a Prefeitura tem lidado com essa questão de mobilidade? A administração tem investido menos na construção de corredores de ônibus. Isso não é mais necessário? Não é mais prioridade?
R. A gente resolveu focar na manutenção dos [corredores] atuais. A questão das pontes e viadutos é a ponta do iceberg da ausência de uma cultura de manutenção de equipamentos públicos [a Prefeitura mandou vistoriar mais de 70 estruturas depois que um viaduto na marginal Pinheiros cedeu, em novembro passado]. Hoje a gente tem vários problemas estruturais nos corredores existentes. Então nós vamos fazer corredor novo, só que a maior porcentagem de quilômetros vai ser de manutenção e melhorias nos existentes. A gente está tentando antes de começar uma coisa nova, botar para funcionar a que já existe. Isso vale também para os corredores de ônibus. Sobre a ciclovia: A gente termina agora, no primeiro trimestre, o plano cicloviário da cidade que estabelece onde você precisa ter ciclovia, ciclofaixa e ciclorrota e um plano de conexão entre as existentes. Com isso, a gente vai ter um norte para estabelecer com mais clareza onde continua, onde não continua e onde vão ser implementadas novas ciclovias. Nós vamos deixar a cidade com mais quilômetros de ciclovia do que nós encontramos, mas com muito mais conectividade

P. A Prefeitura impôs sigilo para alguns documentos referentes a pontes e viadutos, isso em um momento em que estamos discutindo restrições à Lei de Acesso à Informação....
R. Outro dia um grande jornal de circulação publicou uma ata que causou comoção na população porque aquela ata estava errada. O que a gente fez foi solicitar às empresas que estão fazendo os laudos para que apresentem para a Prefeitura e a Prefeitura vai disponibilizar esses dados. Não podemos correr o risco de ter informação incompleta, parcial, criando segurança onde não pode criar segurança e criando comoção onde não é preciso criar comoção. A gente vai divulgar todos os dados, vamos abrir todos os documentos, só que eles vão ser apresentados pela Prefeitura. A Prefeitura está contratando esses laudos e é ela quem vai apresentar para a população.

P. O Brasil está passando por tragédias como a do centro de treinamento do Flamengo e a de Brumadinho... Existe um risco?
R. O risco é você ter a divulgação de um laudo parcial que não condiz com a conclusão final de um trabalho, e isso pode criar uma falsa noticia. Essa é a preocupação.

P. Sim, mas existe razão para que a população de São Paulo tenha alguma preocupação de risco iminente em algum dos pontos?
R. A preocupação ela tem que ter. Tanto que nós estamos contratando laudo. A gente já considerava desde 2017 que as vistorias visuais eram insuficientes. Desde 2017 a gente começou a discutir com o Tribunal de Contas a contratação desses laudos. A Prefeitura entendia que a contratação tinha que ser por técnica e preço, e o Tribunal entendia que precisava ser só por preço. Como é uma coisa muito complexa, é um trabalho muito minucioso, que envolve muito conhecimento, a gente insistiu na contratação por técnica e preço. Até que o tribunal liberou isso no segundo semestre de 2018, que foi quando tivemos o incidente na ponte da marginal Pinheiros. Por isso nós solicitamos ao Tribunal que pudéssemos fazer [contratação em regime] emergencial. Porque não dá mais para a gente ficar na situação de não conhecer a real situação das pontes e viadutos na cidade. Então as pessoas têm que estar atentas, porque não é que a Prefeitura não sabe, mas ninguém sabe a real condição dessas pontes e viadutos e por isso nós estamos contratando esses laudos [nesta terça, o Ministério Público estadual acionou o prefeito e outras autoridades por improbidade administrativa por causa da queda do viaduto da marginal]. Todas as informações vão ser divulgadas. Mas vão ser divulgadas completas. Nós vamos divulgar a verdade. Acho que não interessa nem à Prefeitura e nem à imprensa divulgar informação errada só para vender jornal. É isso que nós não vamos deixar fazer.


"Não adianta eu preparar a campanha e não trabalhar aqui na Prefeitura. Eu posso ter 30 partidos junto comigo, posso ter o melhor marqueteiro, o melhor recurso e não ter trabalho para mostrar"


P. Sobre o Carnaval, você é réu por improbidade administrativa, juntamente a João Doria, por causa do processo de licitação da empresa que faria a festa deste ano. O que aconteceu?
R. A gente fez em 2017, exatamente o que a Prefeitura havia feito em 2016 na gestão anterior, em 2015, em 2014... Exatamente o que qualquer outra cidade faz quando organiza Carnaval de rua. O Ministério Público entendeu que isso é errado e resolveu entrar com uma ação contra a gente. É um direito dele. A gente tem total tranquilidade para defender isso. Resolvemos mudar a licitação neste ano para a forma como ele achava correta, para não ficar discutindo o futuro. Deu deserta a licitação [nenhuma empresa se interessou]. Fizemos uma nova agora para fazer direto com os patrocinadores. Mas volto a dizer: era exatamente o que a Prefeitura vinha fazendo nos anos anteriores. Não houve nenhuma novidade em 2018.

P. Quando nenhuma empresa se interessou no processo de licitação aberto neste ano, você chegou a dizer que, se preciso fosse, colocaria dinheiro da própria Prefeitura para fazer o Carnaval. Isso é completamente o oposto do que João Doria dizia. Ele inclusive se gabava ao dizer que nenhum dinheiro público tinha sido gasto com o Carnaval. Por que acha que o Carnaval tomou tanta importância para a cidade?
R. De acordo com a última pesquisa do Ibope, o Carnaval deve movimentar na cidade de São Paulo 1,9 bilhão de reais, chegando próximo aos 2,1 bilhões que é a expectativa no Rio de Janeiro, que é o maior carnaval. Portanto, o Carnaval tem que ser entendido como uma questão estratégica de geração de emprego e renda na cidade e é por isso a justificativa de colocar recurso. Não é uma festa fechada, de formatura, em que só os formandos vão se beneficiar com ela. É um atrativo de turistas para a cidade de São Paulo. Tanto que a Prefeitura coloca recurso no Carnaval, no desfile que tem no Anhembi. Coloca este ano e sempre colocou nos anos anteriores. É claro que quanto mais a gente puder fazer qualquer tipo de evento com recurso privado, melhor. Para que eu vou utilizar o recurso que eu poderia utilizar na creche no Carnaval? Óbvio que eu prefiro recurso privado. São duas questões diferentes. Entre utilizar o público e o privado, eu também prefiro utilizar o privado. Entre ter Carnaval, e não ter, porque não tem patrocinador, eu banco com recurso da Prefeitura.

P. O Carnaval cresce a cada ano. Como a cidade está se preparando?
R. Há um ano a gente vem se preparando. Imagina pensar, bloco por bloco, onde você começa, onde termina, quantas pessoas são, que horas começa... Esse é um trabalho que vem sendo feito desde o final do Carnaval passado. E agora, inclusive, a Prefeitura assume 100% do ônus da execução do Carnaval, porque agora tem o patrocinador para a Prefeitura organizar o carnaval. Antes a gente fazia uma licitação para a empresa fazer o carnaval e essa empresa que buscava patrocinador. Agora é a Prefeitura que faz, com o patrocinador. Então a Prefeitura tem total responsabilidade sobre o Carnaval de rua da cidade de São Paulo.

P. Como prefeito, qual é o aspecto que mais te fascina e o que menos te agrada?
R. Eu já fui secretário de Estado, deputado estadual, deputado federal... O que mais me fascina é a proximidade do governo municipal com as pessoas. Aqui, o dia a dia das pessoas é muito próximo. Quem faz política quer mudar a vida das pessoas e nada mais fácil de fazer do que na Prefeitura, que é onde você tem mais contato. Qualquer programa do Estado ou federal, ele leva um médio ou longo prazo para poder chegar no dia a dia das pessoas. Aqui, se eu mudar a mão da rua da sua casa, vai mudar o seu dia a dia. Então há uma proximidade com as pessoas muito maior. A que menos me agrada é a dificuldade de lidar com contradições da vontade da população. A população quer mais serviços públicos, mas menos impostos. Quer que tire o morador de rua da frente dela, mas quer respeito aos direitos humanos. Então você tem alguns conflitos que você tem que administrar e é o mais difícil porque são insolúveis. Isso é o mais difícil de lidar.


"As pessoas têm que estar atentas, porque não é que a Prefeitura não sabe, mas ninguém sabe a real condição dessas pontes e viadutos e por isso nós estamos contratando esses laudos"


P. Você falou da sua trajetória agora, e parece natural a reeleição. 2020 está no seu radar?
R. Neste ano, 2019 é o meu radar. 2020 é consequência de 2019. Não adianta se preocupar com 2020 sem passar por 2019. A preocupação agora é trabalhar, e aí a gente vê o que acontece em 2020. Não adianta eu preparar a campanha e não trabalhar aqui na Prefeitura. Eu posso ter 30 partidos junto comigo, posso ter o melhor marqueteiro, o melhor recurso e não ter trabalho para mostrar.

P. Como é governar em meio a toda essa polarização política?
R. É fincar a bandeira no que acredita e paciência. E apanhar dos dois lados, porque os dois lados batem em você.

P. Você recebeu algumas lideranças nesta semana para tratar da greve dos servidores públicos. Eles pedem a anulação da reforma da Previdência municipal, sancionada no final do ano passado.
R. Eles apresentaram a pauta de reivindicações e a gente marcou uma outra reunião amanhã para a gente começar a discutir alguns itens, levantar alguns impactos e deixamos claro que a reforma da previdência a gente não vai abrir mão.

P. É irrevogável?
R. (acena afirmativamente com a cabeça).

Comentários