"O que falta é competência", editorial do Estadão


O ESTADO DE S.PAULO



O prefeito Fernando Haddad se queixou durante muito tempo da falta de dinheiro para tocar seu ambicioso programa de obras. Chegou mesmo a exagerar a importância dos recursos do aumento do IPTU, que a Justiça suspendeu por medida liminar e restabeleceu depois no julgamento do mérito. Mas, decorrida metade de seu mandato, fica claro que não foi isso que o impediu de cumprir o muito que prometeu para seduzir o eleitorado durante sua campanha. A diferença entre a promessa e a realidade se deve mais à deficiência de planejamento do que à falta de meios.

O exemplo mais recente disso é o balanço do quanto Haddad recebeu dos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prometidos pela presidente Dilma Rousseff, sabidamente interessada - como o ex-presidente Lula, padrinho político de ambos - em transformar o atual governo da maior cidade do País numa vitrine da autoproclamada competência do PT. Até agora, a Prefeitura recebeu apenas R$ 418 milhões dos R$ 8,1 bilhões acertados em meados de 2013. É muito pouco.

Não adianta a Prefeitura fazer contas engenhosas para criar a impressão do contrário. Do total de R$ 4,3 bilhões empenhados em novos projetos no ano passado, R$ 291,3 milhões vieram da União. O valor, alega o governo Haddad, é 130% maior do que os R$ 127 milhões recebidos em 2013. Esse jogo das porcentagens não engana. É pouco mesmo.

As duas razões que explicam a incapacidade da Prefeitura de aproveitar os recursos oferecidos pela União deixam mal Haddad. Uma é a lentidão das obras selecionadas para aproveitar o dinheiro do PAC. Já que a maioria dos convênios firmados prevê a transferência dos recursos durante a execução das obras, e não antes, o atraso delas acarreta o da entrega do dinheiro. E a responsabilidade pelo atraso é inteiramente da Prefeitura.

Outra, muito mais grave, é a incapacidade do governo municipal de elaborar, com a presteza necessária, os projetos das obras selecionadas. E a preparação e a aprovação dos projetos são, é claro, precondições para se pensar em liberar recursos. A explicação do secretário municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, Roberto Garibe, para a demora na apresentação dos projetos não convence. "O Município não tinha o costume de fechar convênios, principalmente visando o investimento em infraestrutura. Isso é uma novidade para São Paulo. Ainda mais no volume dos compromissos firmados (de R$ 8,1 bilhões) ", diz ele.

Eis aí algo que resta provar, porque é difícil de acreditar que a administração de uma cidade como São Paulo seja tão desprovida de recursos técnicos. Como explicar que ela funcionou a contento até agora? E, supondo-se que as carências eram tão grandes, o governo não tinha o direito de assumir compromissos que sabia não poder cumprir, só para dar a impressão de que executaria um programa bilionário.

O mais provável é que Haddad e sua equipe não souberam até agora tirar o máximo do quadro técnico do setor de planejamento da Prefeitura. Esse não é o primeiro caso em que o atual governo exibe uma atuação, na área de elaboração de projetos, que deixa a desejar. Mais por pressa e desleixo do que por falta de quadros.

O melhor exemplo disso são os conhecidos problemas de Haddad com o Tribunal de Contas do Município (TCM). O últimos deles, no fim do ano passado, foi a suspensão pelo tribunal da licitação para a construção de novos corredores de ônibus, uma obra cara, de R$ 2,4 bilhões. Entre outras razões, pela inexistência de recursos orçamentários comprovados para a contratação das obras. Uma licitação anterior, igualmente para a construção de corredores, esta de R$ 4,7 bilhões, foi suspensa no início de 2014, também por ausência de recursos orçamentários suficientes.

São falhas bisonhas, a indicar muito mais correria que insuficiência técnica. No ano passado, o valor total dos projetos barrados pelo TCM chegou a R$ 6 bilhões.

O problema de Haddad não é dinheiro, que está sobrando, mas competência, que está faltando.

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