Estudo do governo federal diz que era impossível prever seca prolongada no Cantareira


ÉPOCA teve acesso, com exclusividade, a relatório elaborado por dois órgãos federais que explica por que a seca no verão de 2013/2014 não foi prevista pelos cientistas. Documento é usado pelo governo paulista para justificar dificuldades no trato da crise hídrica

MURILO RAMOS - ÉPOCA

Nível baixo em uma das represas do sistema Cantareira, em São Paulo 
(Foto: Luis Moura / Parceiro / Agência O Globo)

Nos últimos dias, a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo – a Sabesp – tem observado com cautela a elevação do nível do Sistema Cantareira, que abastece 6,5 milhões de pessoas na capital paulista. A despeito da boa notícia, os dirigentes da empresa sabem que é impossível prever quanto vai chover nos próximos meses. Diante desse quadro, o governo estuda a adoção de rodízio no abastecimento. O drama relacionado à escassez de chuvas começou em novembro de 2013. Em junho do ano passado, a Sabesp recorreu ao governo federal para saber por que chovera tão pouco no verão anterior.

ÉPOCA teve acesso, com exclusividade, ao estudo produzido por dois órgãos ligados ao Ministério da Ciência e Tecnologia e remetido à Sabesp. No relatório denominado “Diagnóstico da Estação Chuvosa 2013-2014 na Região Sudeste do Brasil com ênfase no Sistema Cantareira”, os especialistas explicam o que causara a escassez de chuvas e por que fora impossível prever a estiagem prolongada. O relatório reforça a hipótese de uma rara alteração climática ser o maior responsável. Por isso, o documento é usado hoje pelo governo de São Paulo para justificar dificuldades para lidar com a crise.

No documento de 17 páginas, Marcelo Seluchi, do Centro Nacional de Monitoramento de Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), e Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), afirmam que a principal causa para a falta de chuva na maior parte do verão 2013-2014 foi a atuação de um bloqueio atmosférico. “Intenso, persistente e anômalo sistema de pressão atmosférica que, através da inibição das correntes ascendentes de ar, prejudicou a ocorrência das típicas pancadas de chuva, assim como a passagem/desenvolvimento de sistemas de escala maior normalmente responsáveis pelos maiores acumulados de chuva ao longo da estação chuvosa.”

A partir da leitura do relatório, é possível concluir que as previsões feitas por especialistas para o verão passado não se concretizaram. Todo mês, o Inpe elabora uma previsão sazonal, para os três meses seguintes, com a colaboração de outras instituições federais e estaduais. Segundo o estudo, na previsão de consenso no mês de outubro, o cenário mais provável para a região de divisa entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais (incluindo a área de captação do Sistema Cantareira), nos meses de novembro e dezembro de 2013 e janeiro de 2014, era o de chuvas próximas à normalidade. Havia até uma segunda previsão, de chuvas acima dos valores normais. Ledo engano. Depois do verão, os especialistas verificaram que a “estação chuvosa 2013-2014 foi, em termos de volume de chuva acumulada, a pior de toda a séria histórica desde 1962... incluindo a área de captação do Sistema Cantareira”. Uma agência americana corroborou as informações dos especialistas brasileiros ao concluir que, na região do Sistema Cantareira, choveu entre 25% e 50% do nível histórico.

"A comunidade científica não identificou com meses de antecedência nenhum indício da possibilidade de uma redução acentuada das chuvas durante a estação chuvosa 2013-2014 sobre a Regiãõ Sudeste", conclui o estudo.

Mas por que houve erro nas previsões? Os especialistas do MCT afirmam que os modelos numéricos utilizados nessas previsões climáticas sazonais não são eficientes para antecipar os fenômenos meteorológicos de escala regional, "como o bloqueio que afetou a porção leste do Brasil nos meses de janeiro e fevereiro de 2014". Para esse tipo de análise, o melhor método são os modelos numéricos regionais. Eles, entretanto, fazem previsões para curto prazo, para sete a dez dias. E, no fim de 2013, ainda não apontavam, para a primeira semana de 2014, estiagem. Pelo contrário, o levantamento feito pelo modelo regional Eta/CPTEC/Inpe indicava chuva abundante de 1º a 7 de janeiro de 2014. "Apenas a partir do dia 4 de janeiro, as previsões indicavam uma diminuição significativa da chuva em parte da região Sudeste", afirma o estudo. Dessa data em diante, eram apontadas sucessivas semanas de estiagem, sem ser possível detectar quando voltaria a chover. "Finalmente, apenas a partir do dia 14 de fevereiro, os modelos previram novamente ocorrência de precipitação moderada sobre o Estado de São Paulo, em função da aproximação de um frente fria que conseguiu posteriormente afastar o sistema de bloqueio de alta pressão", diz o relatório.

Sob a condição de permanecer no anonimato, um dirigente da Sabesp disse a ÉPOCA que as informações foram importantes para entender o fenômeno. Só não trouxe alívio, segundo ele, porque a falta de chuvas entre os meses de novembro de 2014 e janeiro de 2015 foi pior que a verificada um ano antes. “Alguns especialistas nos disseram que a chance de uma piora era inferior a 0,01%. Não é que aconteceu? É um desastre”, afirmou.

Mesmo com um cenário ainda catastrófico, o governo de São Paulo adia a decisão sobre o rodízio de água na Grande São Paulo. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo desta quarta-feira (11), com o aumento do nível do sistema Cantareira nos últimos dias (chegou a 6,1%) e o avanço de algumas obras para abastecer regiões atendidas pelo sistema por meio de outras represas, a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) espera que seja possível passar pelo período de seca normal, de maio a setembro, sem o corte de água.

A crise hídrica na cidade de São Paulo é o principal foco de preocupação do governo paulista. De acordo com a pesquisa Datafolha publicada no domingo (8), a avaliação positiva de Geraldo Alckmin caiu de 48% para 38% e a negativa subiu de 17% para 24% desde outubro. Alckmin jamais sofrera um baque desse tamanho.

Abaixo, trechos do relatório "Diagnóstico da Estação Chuvosa 2013-2014 na Região Sudeste do Brasil com ênfase no Sistema Cantareira":




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