Em meio à crise hídrica, Alckmin decide travar embate político


Daniela Lima - Folha.com

O governador de SP Geraldo Alckmin (PSDB)em coletiva de imprensa em Brasília sobre a crise de abastecimento de água

Todos os dias o governador Geraldo Alckmin (PSDB) checa a previsão do tempo. No computador de seu gabinete e no tablet que carrega consigo, instalou um aplicativo que indica a possibilidade de chuvas em São Paulo.

Esse hábito é só mais um na rotina de verificações que o tucano implementou desde o acirramento da crise hídrica.

Ele avalia dados da Sabesp sobre as represas diariamente. Tem mapas com indicações de reservatórios e mananciais em sua sala e no material que leva para reuniões com subordinados e, não raro, afere, secretaria por secretaria, o consumo de água nos prédios da administração.

"Estou aqui com o governador e ele quer saber por que o gasto no Cidade 4 disparou", disse, no ano passado, o então secretário de Planejamento, Júlio Semeghini, a um servidor. O Cidade 4 é um edifício no centro que abriga várias secretarias do Estado.

Ironicamente, a austeridade que exige da própria equipe no "dever de casa" reflete também, na avaliação de alguns aliados, a maior debilidade do tucano como gestor.

"Ele tem muito apreço pelo micro, controla com lupa esses pequenos indicadores. Mas demorou para encarar a situação no macro", diz um ex-secretário. "Ele vê a árvore, mas tem dificuldade em enxergar a floresta", resume.

A resistência em decretar um rodízio e em dimensionar o impacto que um agravamento pode ter na economia são parte das críticas. Há ainda a avaliação de que ele demorou a ver que era preciso, além do embate técnico, o político.

Em um ano, o nível do Cantareira caiu de 22,4% para 5,1% -apenas o segundo número inclui as duas cotas de volume morto já acionadas. Durante a campanha eleitoral, Alckmin negou a necessidade de racionamento.

"Pode até chover menos do que a média que ultrapassaremos o novo período seco. Temos as demais represas cheias, sistemas de substituição crescentes e há mais reserva técnica", afirmou à Folha, em setembro. No dia 14, quando ele usou o termo racionamento para se referir à redução na captação de água, foi acusado de "estelionato eleitoral" por Alexandre Padilha (PT), rival na eleição.

'GUERRA POLÍTICA'

Nesta semana, auxiliares viram uma "guinada" na estratégia de Alckmin, motivada por dois fatores: o sentimento de que estaria pagando sozinho por uma crise que considera nacional e o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff na terça (27).

A petista disse que sua gestão "apoiou, apoia e apoiará" os "governos estaduais, responsáveis constitucionalmente pelo abastecimento", frase decifrada como modo de jogar nos Estados todo o ônus.

Após a fala, Alckmin chamou seu vice, quatro secretários e um marqueteiro. "Há uma guerra, uma guerra política, uma guerra de comunicação e nós estamos perdendo", disse, segundo relatos, o vice, Márcio França (PSB).

Do encontro saíram determinações: água é "questão estrutural para todo o governo"; escolas terão campanhas; a Sabesp lançará novas propagandas; a publicidade trará "prestação de contas" do que foi feito pelo governo.

Foram as primeiras medidas do que se chamou de reação à "saraivada da oposição e da imprensa". Alckmin quer martelar a versão de que reagiu antes dos outros Estados.

Ele determinou que os secretários saiam em defesa das ações da gestão e pediu estudos que mostrem quanto o governo federal investiu em abastecimento no Sudeste. "Vamos nos antecipar aos ataques", disse um auxiliar.

Para o governo, o fato de Rio, Minas e Espírito Santo também terem adotado medidas para conter o uso de água deu a São Paulo a chance de distribuir responsabilidades.

"Parece que o Pezão [governador do Rio] descobriu ontem que acabou a água. Onde é que estava a ANA [Agência Nacional de Águas] quando o Sudeste inteiro secava, e só São Paulo apanhava?", diz um integrante do governo.

As acusações de que assistiu apático ao esvaziamento dos reservatórios são das que mais irritam o governador.

Alckmin já havia criticado a "politização da crise" na eleição. Boa parte da propaganda eleitoral de Dilma em 19 de outubro foi dedicada à falta de água no Estado como indicativo da incapacidade dos tucanos de planejar.

A preocupação com a crise, descrita como "obsessiva" por aliados, tem motivo: o desfecho determinará a estatura que Alckmin terá como presidenciável em 2018. Hoje, no PSDB, seu nome desponta ao lado de Aécio Neves (MG).

Se contornar a crise, pode sair maior do que entrou e desequilibrar a disputa interna. O insucesso terá efeito contrário. Alckmin está, agora, entre a árvore e a floresta.

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