Entrevista de José Serra ao jornal Folha de S.Paulo


'O PSDB não tem vocação para colocar fogo no país', diz José Serra

Gustavo Uribe - Folha de S.Paulo


Em entrevista concedida na madrugada da segunda-feira (22), brecha encontrada na agenda eleitoral, o ex-governador José Serra disse que o PSDB, alvo de críticas por fazer uma oposição fraca, não tem vocação para atuar no estilo "quanto pior, melhor".

Candidato ao Senado Federal por São Paulo, ele acredita, contudo, que a legenda pode fazer uma oposição mais "eficaz", como na época do governo de Fernando Collor.

Na liderança da disputa, com 37% segundo o Datafolha, ele evitou dizer se aceitaria um ministério num eventual governo de Marina Silva (PSB) e disse que cumpriu até o fim o mandato de senador, quando foi eleito em 1994.

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O senhor ocupou o cargo de senador na década de 1990. Por que concorrer novamente ao Senado Federal?
Para o Brasil mudar, é preciso que o Senado Federal também mude. A minha perspectiva é defender os fundamentos do regime democrático, apresentar uma voz de peso no que se refere às grandes questões políticas e econômicas do país e trabalhar pelos projetos em função de São Paulo e do Brasil.

A atuação do PSDB no Congresso Nacional como oposição ao governo federal é criticada por lideranças do próprio partido, que a consideram fraca. Falta à sigla uma atuação mais incisiva?
Eu fui líder do PSDB na Câmara dos Deputados no governo de Fernando Collor e não fiz uma oposição do quanto pior melhor, embora tivesse feito oposição. Nós nunca trabalhamos para colocar incêndio no país. O PSDB não tem vocação para isso. Neste contexto, eu acho até que é possível fazer uma oposição mais eficaz, como nós fizemos naquela época.

Em entrevista à Folha, o candidato Gilberto Kassab (PSD) disse que, nos últimos 30 anos, os senadores não souberam negociar em favor de São Paulo, o que inclui o mandato do senhor. Faltou habilidade política dos últimos senadores?
Eu não vou gastar um tempo precioso debatendo com outros candidatos. Em relação à minha atuação no Senado Federal, ela foi focalizada no que era mais importante para São Paulo e chegou ao entendimento fiscal mais importante da história de São Paulo no pós-guerra: a federalização da dívida dos estados. Eu organizei no Senado Federal a renegociação da dívida de São Paulo.

O senhor tem defendido que uma de suas principais bandeiras eleitorais é acabar com a guerra fiscal. Em 1994, quando o senhor foi eleito senador, já se discutia o tema, mas não foi resolvido...
Não foi resolvido e deve-se notar que o problema piorou nos anos recentes. Na origem, a guerra fiscal está baseada no fenômeno da repartição da cobrança do ICMS, na alíquota interestadual. O problema é o fato criado, o desequilíbrio que se cria ao corrigir. De repente, tem impactos enormes do ponto de vista das finanças dos estados e das empresas. Por outro lado, o fim da guerra fiscal pressupõe mecanismos jurídicos de punição, em geral sempre se discute sobre retroatividade ou não.

Como o senhor acredita, que com a mesma configuração do Congresso Nacional dos anos 1990, é possível mudar esse quadro agora?
É muito difícil, continua sendo muito difícil, sobretudo porque é necessário ter o Senado Federal, que tem três representantes de cada estado. A maioria dos estados tem alguma ressalva quanto colocar fim à guerra fiscal. Nos próximos anos, tem de haver uma negociação intensa sobre isso. No meu caso, o peso individual é bastante alto, porque eu conheço o assunto com profundidade: fui o relator na Assembleia Constituinte do capítulo tributário e de relações federativas e ocupei o Ministério do Planejamento.

O senhor acredita que a devolução pelas empresas dos incentivos considerados inconstitucionais pela Suprema Corte deve ser um processo rápido ou se estender por anos?
Há uma situação de desequilíbrio que não dá para resolver de uma hora para outra. Há de ter um entendimento. No fundo, o que a Suprema Corte está dizendo é: procurem um entendimento. Não deixa de ter um papel positivo, porque pressiona por uma solução. A Suprema Corte está se posicionando bem no assunto. Se houver um governo empenhado, é possível fazer no horizonte de um mandato, o importante é fixar um caminho, estar na trilha de enfraquecer essa guerra até que ela termine.

Na semana passada, em evento com artistas e intelectuais, o senhor afirmou que pretende modificar a Lei Rouanet. Que mudanças pretende fazer?
Não estou apresentando isso na proposta de governo, porque é preciso me debruçar sobre isso. Há uma distorção, o que é indiscutível. O orçamento do Ministério da Cultura é pequeno e o volume de incentivos que já era direcionado é muito grande. Onde entra a política pública nessa matéria? Eu acho que tem de ter política pública. Em São Paulo, nós temos o PROAC para atividades artísticas, mas o predominante do orçamento não é isso. Há capacidade de fazer políticas culturais efetivas: ou com o aumento (dos recursos) ou que boa parte desses incentivos sejam objeto de uma orientação de prioridades públicas. Em São Paulo, criamos companhia de balé e escola de teatro, que eram prioridades.

O presidenciável Aécio Neves e o senador Aloysio Nunes Ferreira defendem a redução da maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos. Essa é a solução para o problema da criminalidade no país?
Tenho uma proposta alternativa. Ela não é contraditória a essa, mas é mais fácil de ser aprovada e implementada. Eu temo que uma discussão sobre mudança constitucional leve muitos anos. A minha tese é aumentar o período de internação de menores para dez anos em caso de crimes hediondos. Isso é possível fazer por lei e me parece um caminho melhor e mais efetivo. Neste caso, economiza-se uma polêmica que vai durar muitos anos sem que o problema seja enfrentado.

O senhor é defensor do aumento do combate ao tráfico de drogas, mas já se posicionou contra a legalização de entorpecentes. Como pretende enfrentar o problema?
Irei fazer dois projetos sobre a questão das drogas. O primeiro propõe a interrupção de todo tipo de cooperação com países que favorecerem o contrabando de drogas para o nosso país. É uma tese e o Senado Federal tem peso sobre questões de política externa, porque aprova os embaixadores. O segundo é o de criação de uma campanha educacional contra o consumo de drogas, como fizemos com o cigarro em São Paulo. É o cúmulo o Brasil não ter uma campanha educacional contra as drogas.

A reforma política tornou-se uma das principais pautas das eleições presidenciais deste ano. Que mudanças são necessárias no sistema eleitoral brasileiro?
Eu defendo o voto distrital e vou reapresentar proposta criando o sistema distrital nos municípios com mais de 200 mil eleitores a partir da eleição de 2016. É possível fazer isso e confio que seja aprovado. Isso diminui o custo de campanha eleitoral pelo menos cinco vezes e aumenta a representatividade no sistema democrático. A cláusula de barreira também é essencial na política brasileira. O Congresso Nacional aprovou e caiu na Suprema Corte. Eu já ouvi que muitos ministros provavelmente repensariam isso.

O senhor acredita que a bancada do PSDB vai crescer ou diminuir no Congresso Nacional na nova legislatura?
A minha impressão é de que vai aumentar, mas só as urnas irão dizer. Até porque há muitas coligações e o candidato a governador que ganha carrega outros partidos também, então é difícil avaliar a priori.

O senhor foi citado pela presidenciável Marina Silva (PSB) como um dos políticos com os quais ela gostaria governar. O senhor aceitaria assumir um ministério de um governo dela caso fosse convidado?
A campanha eleitoral não está decidida. Eu estou concentrado no apoio a Aécio Neves e confio que ele pode chegar ao segundo turno. Não vou entrar em nenhuma discussão em que o efeito prático seria depreciar meu candidato.

O senhor defende que o PSDB deve adotar que posição em um segundo turno entre Dilma Rousseff e Marina Silva?
Não vou discutir isso porque significaria antecipar o resultado que não está determinado.

O senhor considerou os recentes ataques de seu afilhado político, Gilberto Kassab, uma traição?
Como eu disse, não vou me manifestar sobre campanha eleitoral.

Ele tem insistido na propaganda eleitoral que pretende cumprir os oitos anos de mandato até o fim. O senhor também pretende cumprir os oito anos?
Como eu cumpri no passado. Eu terminei meu mandato como senador.

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SERRA X SUPLICY

Confira as propostas dos dois principais candidatos que disputam vaga no Senado pelo Estado de São Paulo

DROGAS
Serra: Interromper cooperação com países que favorecem o contrabando de entorpecentes para o Brasil e criar campanha educacional contra o consumo dessas substâncias
Suplicy: Defende o estudo de medidas para a descriminalização das drogas, com medidas para distinguir que só o uso de drogas não deve ser considerado crime

MAIORIDADE PENAL
Serra: Aumentar o período de internação de menores de 18 anos para dez anos em casos de crimes hediondos
Suplicy: Reforçar medidas socioeducativas e adotar penas alternativas para menores que cometerem crimes graves

REFORMA POLÍTICA
Serra: É a favor do voto distrital em municípios com mais de 200 mil eleitores a partir de 2016 e da "cláusula de barreira" (para diminuir o número de partidos)
Suplicy: É a favor do voto distrital misto e da extinção do financiamento privado para campanhas

SAÚDE
Serra: Aumentar a parcela do governo federal no financiamento do SUS e fixar prazo máximo de seis meses para a aprovação de novos genéricos
Suplicy: Acompanhar a execução de pesquisas para tratamento de doenças raras

EDUCAÇÃO
Serra: Trazer investimentos do governo federal para ampliar o ensino técnico e propor projeto que permita, para gastos com educação, a mesma dedução de Imposto de Renda autorizada para saúde
Suplicy:Trabalhar pela expansão do ensino de tempo integral para todas as crianças, adolescentes e jovens de São Paulo

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