"Mais fogo de artifício", editorial do Estadão


O ESTADO DE S.PAULO


O que o governo do prefeito Fernando Haddad não tem de competência e de realizações em benefício da população - basta ver sua má avaliação, atestada por pesquisas de opinião - sobra em capacidade de fazer barulho com projetos que estão mais para fogo de artifício do que para qualquer outra coisa. Foi assim com as faixas exclusivas para ônibus e vai ser, ao que tudo indica, com as ciclovias, também defendidas com unhas e dentes pelo secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, sempre pronto a agitar a demagógica bandeira da demonização dos automóveis.

Poucos mais de dois meses depois de anunciar a implantação de 400 km de ciclovias até o final de 2015, cuja execução vai acarretar a eliminação de 40 mil vagas de estacionamento, o governo começou a acelerar sua execução. A ambição é grande, como mostra reportagem do Estado - fazer com que São Paulo se aproxime de grandes cidades de países desenvolvidos, como Berlim e Nova York, que contam, respectivamente, com 750 km e 675 km de ciclovias. Outra característica desse projeto é que ele tem em comum com o das faixas exclusivas a total improvisação.

Um e outro saíram da cartola de mágicas do atual governo como soluções revolucionárias para melhorar a mobilidade urbana - para usar a expressão da moda - da capital. Até hoje Haddad e Tatto não divulgaram nenhum estudo sério e consistente capaz de justificar a implantação a toque de caixa de mais de 400 km de faixas exclusivas de ônibus em apenas um ano e meio, um prazo bem menor do que o que eles próprios haviam fixado. E o mesmo deve acontecer com as ciclovias.

Se os estudos relativos a elas existem, por que não foram divulgados juntamente com o anúncio de sua implantação? A essa altura não adianta mais fazer a pergunta seguinte, sobre como é possível implantar uma rede de 400 km de ciclovias sem um planejamento sério e responsável, porque as faixas exclusivas são a melhor demonstração de que esse é o modo de agir do atual governo.

A reportagem cita exemplos de espanto e revolta de moradores das ruas em que as ciclovias começaram a ser implantadas. Os de uma delas - a Rua Fernandes Moreira, na zona sul - estão pedindo, por meio de abaixo-assinado, que se reveja o projeto, discutindo-o com a população dos locais por onde passará a ciclovia. "Aconteceu da noite para o dia. Por que não nos avisaram?", reclamou um deles. E dizer que quem age assim é o governo comandado por um partido, o PT, que não perde oportunidade de espalhar que é sempre preciso ouvir os anseios da população.

Especialistas colocam em dúvida a própria viabilidade do projeto. É o caso do consultor em engenharia urbana Luiz Célio Bottura. Depois de lembrar que em cidades dotadas de "sistema viário espaçoso" é uma tradição criar faixas exclusivas para bicicleta, ele afirma que esse não é o caso de São Paulo, "que é uma colcha de retalhos". Por isso, a circulação de bicicletas "conflita com o tráfego geral". A seu ver, "poucas das nossas vias podem receber esta opção de circulação, que não se pode imaginar ser uma opção para a massa da população".

É compreensível que Haddad e Tatto não tenham ouvido técnicos como Bottura, que entendem do assunto, porque isso talvez os tivesse levado a não embarcar nessa aventura. E tudo indica que é exatamente essa aventura que queriam. Tal como as faixas exclusivas, as ciclovias custam relativamente barato - R$ 8 milhões por 400 km. Por pouco dinheiro, fazem muito barulho, impressionam a plateia e cortejam os politicamente corretos que veem na bicicleta, equivocadamente, uma panaceia para melhorar a mobilidade urbana.

Eles fecham os olhos para as características urbanas de São Paulo, apontadas por Bottura, e para o fato de um terço dos deslocamentos serem feitos por carros - que ficarão sem 40 mil vagas de estacionamento. As consequências disso não serão boas para a cidade, porque os que usam carros certamente não usarão bicicletas nem optarão pelos ônibus, lentos e desconfortáveis. Afinal, nas tão decantadas faixas exclusivas sua velocidade aumentou, em média, apenas 1 km por hora.

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