Discurso de Fernando Henrique Cardoso durante a comemoração dos 20 anos do Plano Real



Assista ao vídeo do discurso:



Senhor presidente do Senado, Renan Calheiros, Senhor senador Aécio Neves, meus companheiros de Mesa aqui presentes, senhoras e senhores aqui presentes, parlamentares, amigos todos, não é a primeira vez que eu venho a este Senado da República para celebrar o fato de que nós conseguimos criar uma moeda estável, e, a partir daí, as perspectivas para o desenvolvimento do Brasil se abriram e se estão consolidando.

Mas eu venho com emoção cada vez que tenho o prazer de voltar a assumir esta tribuna, na qual eu me treinei, vindo da academia em épocas difíceis, quando nós jurávamos a Constituição – ainda era o regime militar – e, em seguida, dizíamos que faríamos tudo para mudar aquela Constituição. E foi aqui que eu aprendi, nos embates com pessoas valorosas – não me referirei a nomes para não pecar por omissão –, aquilo que me parece essencial: não se constrói nada no isolamento.

A construção de uma nação não é fruto de uma vontade isolada; ela é um trabalho de ourivesaria e que requer uma convergência de esforços. E foi isso que nós fizemos quando nos tocou o momento de enfrentar a questão da inflação. Nós não viemos do zero, os planos anteriores ensinaram. Muitos dos que trabalharam comigo na equipe econômica haviam trabalhado em planos anteriores, notadamente no Plano Cruzado. E a história não se faz a partir do zero; ela vai se construindo, vai se refazendo, vai se remodelando e requer certa humildade para entender o que já foi feito, por que se errou, onde se acertou, como reatar os fios, como continuar e como levar adiante.

Devo dizer que, para mim, foi uma surpresa enorme, quando eu era ministro das Relações Exteriores, ter sido indicado pelo presidente Itamar Franco para o Ministério da Fazenda. Foi mais do que uma surpresa, foi quase que um susto, porque, na verdade, àquela altura, ser deslocado do Ministério das Relações Exteriores, onde eu tinha alguma familiaridade com os temas, para enfrentar uma situação econômica – eu era o quarto ministro em sete meses – era mais do que uma aventura: era uma condenação ao fracasso.

E o presidente Itamar teve a intuição de que talvez fosse o momento de colocar alguém que, embora não economista, pudesse convencer os outros, primeiro os próprios economistas, depois o Congresso e, depois, o país, de que haveria um caminho. Devo dizer que, se não fosse a permanente atitude do presidente Itamar de apoio ao que eu estava fazendo, eu não poderia fazer. Na verdade, quando se tem que tomar decisões que afetam o conjunto do país, ou se tem um presidente que dá força ou é muito difícil caminhar. O presidente Itamar deu força a tudo que eu havia proposto a partir das sugestões da equipe econômica e do diálogo permanente com o Brasil. Entendi, desde o primeiro momento, que o desafio era aquele mesmo.
Recordo-me de que eu estava nos Estados Unidos, voltando do Japão, quando fui surpreendido por uma ligação telefônica do presidente Itamar, que me perguntou se eu aceitaria ser ministro da Fazenda. Fiz tudo para que ele não mudasse o então ministro, Eliseu Resende, que viria a ser senador mais tarde, porque eu acreditava que o ministro Eliseu Resende estava fazendo um esforço para reconstruir as nossas finanças. O presidente Itamar me disse: “Vou conversar com ele, mas acho difícil”. Retruquei: “presidente – eu tinha intimidade com o presidente –, estou longe, não quero faltar à sua confiança, mas, por favor, mantenha o Eliseu”. Mais tarde, recebi um recado do presidente Itamar – eu estava jantando na casa do então embaixador Sardenberg –, por intermédio da esposa do embaixador Sardenberg, de que o presidente da República não precisava mais falar comigo. Fui para o hotel feliz: “Bom, continuo ministro das Relações Exteriores”. Acordei com a voz indignada da minha mulher dizendo que eu havia sido, na verdade, nomeado ministro da Fazenda pelo presidente Itamar Franco. Ela não havia entendido por que e como eu tinha sido louco de aceitar. Eu ainda tentei dizer que não tinha aceitado nada. Ela não acreditou. Até que, mais tarde, o Secretário-Geral do Ministério, que era o embaixador Lampreia, telefonou-me e disse: “ministro, o senhor agora é ministro da Fazenda”.

Bom, eu assim virei ministro da Fazenda. A primeira coisa que fiz foi, com humildade, chamar aqueles que eu acreditava que poderiam me ajudar. Chamei o Pedro Malan, que era negociador da nossa dívida e era representante do Brasil, acredito, no Banco Mundial. Em seguida, chamei o Armínio Fraga, que estava por lá, que veio até mim, até a nossa representação na ONU, para conversar com ele. Nenhum dos dois pôde aceitar vir ao Brasil para trabalhar comigo. O Malan fez uma concessão: talvez viesse nos ajudar uma semana por mês.

Voltei, no avião, com o meu então chefe de gabinete do Ministério das Relações Exteriores, conversando com ele e formulando o discurso que faria, e que fiz. Cheguei ao Brasil e, no mesmo dia, recebi o Ministério da Fazenda. Aí tive a ousadia. Eu disse: “O Brasil tem três problemas principais: o primeiro é a inflação, o segundo é a inflação e o terceiro é a inflação, e nós vamos acabar com a inflação”. Meu Deus, como? Como?

Se os líderes não têm conhecimento das coisas, não têm ousadia e também não têm a humildade para saber que sozinhos não resolvem, não avançam. Minha primeira preocupação foi criar uma equipe, um conjunto de pessoas que pudessem me ajudar, porque eu nunca tive a pretensão de saber tudo, porque eu não sabia.

De fato, criamos. Não preciso mencionar… Dois ilustres membros dessa equipe estão aqui presentes: Edmar Bacha e Gustavo Franco. Foram muitos outros: André Lara Resende, Fritsch, Pedro Malan… Muitos outros colaboraram, muita gente ajudava. E nós levamos, quase que num bunker, quase que num isolamento, tentando entender o que fazer, tateando, aproveitando a experiência que muitos já haviam tido ao lidar com os problemas inflacionários e, ao mesmo tempo, fazendo uma pregação.

Se algum papel eu tive, foi o papel de ser o porta-voz de um clamor que estava no Brasil. O Brasil não aguentava mais a imprevisibilidade gerada pela inflação. Se alguma participação mais ativa eu tive neste processo, foi, primeiro, mantendo o presidente Itamar sempre alinhado com aquilo que nós estávamos construindo, segundo, fazendo com que meus colegas de governo no Ministério – e aqui haverá alguns que foram colegas meus naquela ocasião – entendessem do que se tratava e, terceiro, fazendo com que o Congresso Nacional também tivesse a necessária informação e consciência do desafio que nós estávamos enfrentando.

Já foi mencionado aqui que eu vim inúmeras vezes ao Congresso. Eu tinha a vantagem de ser senador e, portanto, enfrentar, de peito aberto, os meus companheiros do Senado, sem o temor que os tinham os ministros, que não tinham, ao mesmo tempo, a posição política que eu tinha… Eu havia sido líder do PMDB e do PSDB e tinha familiaridade com este Congresso. Eu vinha, frequentemente, ao Congresso, à Câmara dos Deputados, ao Senado, às Comissões, às reuniões, para defender um ponto de vista, para convencer o Congresso Nacional de que havia um caminho. E eu falava quase que diuturnamente na televisão, no rádio, com a imprensa do meu país para preparar um caminho para que a população também fosse receptiva às transformações que nós iríamos começar a desencadear no país.

E tomamos, logo de início, uma importante decisão: em vez de surpreendermos o país com medidas que apareceriam no Diário Oficial informando que a taxa de câmbio mudou, que a poupança foi confiscada, que a taxa de juros também mudou… Nós iríamos dizer, com antecipação, o que iríamos fazer. È uma decisão difícil, porque não é tecnocrática; é uma decisão de confiança no país, de confiança na população.

E eu devo lhes dizer, também com humildade, que nem sempre se pode fazer o que se vê com clareza como o melhor caminho. É preciso que o país esteja preparado para escutar, e nem sempre o país está disposto a escutar. Naquele momento, a situação era de tal desespero que a própria sociedade queria um novo caminho. Ela estava com os ouvidos abertos ao novo caminho.

E, na implementação desse programa, o tempo todo nós procuramos ampliar os apoios. Eu fiz tudo que podia, tudo, para convencer o Partido dos Trabalhadores de que o meu objetivo era algo positivo para o país e que os trabalhadores, os mais pobres, seriam beneficiados. Chamei ao meu apartamento, aqui, em Brasília, o líder do Partido, que era, então, o Lula, e o José Dirceu e tentei convencê-los da possibilidade de o Brasil avançar e da necessidade de aquele programa ser nacional.

A pergunta que me foi feita era muito simples: “E você acha que o PSDB vai ter um candidato competitivo, capaz de ganhar do nosso candidato?!”. Esse candidato era o Lula. Eu disse: “Com sinceridade, eu não creio”. O PSDB, àquela altura, cogitava até de apoiar o próprio Lula. Eu disse: “Não creio”. Eu não acreditava mesmo. Não era esse o meu objetivo. O objetivo era convencer de que era bom para o Brasil e que era preciso unir forças.

Fracassei em convencer a liderança do principal partido de oposição naquele momento. Chamei todos os líderes sindicais, sem exceção – Vicentinho, Medeiros –, todos, ao meu gabinete e expliquei. Num dado momento, um deles me disse a respeito da URV: “Mas isso quer dizer que nós vamos ter a correção dos nossos salários no dia a dia?” Eu respondi: “É isso!” “Mas isso é o que nós sempre quisemos!” “Pois é. Então, por que não apoiam?” Eles entendiam e, não obstante, iam para a Imprensa e diziam o contrário: “Esse plano é de austeridade. Mais uma vez, a classe trabalhadora vai sentir o peso da repressão salarial. Mais uma vez, a reconstrução das finanças vai ser feita à custa do povo brasileiro”. Era mentira! E sabiam que era mentira, porque eu expliquei em detalhes: “Não é isso. Nós não vamos criar um programa que tenha como consequência jogar o peso do ajuste nos que menos podem, nos mais pobres. É o contrário. Os que não têm conta no banco não têm o reajuste automático dos seus valores, dos seus haveres. E a maioria dos trabalhadores e dos brasileiros não tem conta em banco. Nós vamos resolver essa questão”.

Por razões compreensíveis do jogo político, mas indesculpáveis do ponto de vista nacional, não era possível obter o apoio. Mesmo assim, boa parcela da população se convenceu de que era chegado o momento de seguir adiante: empresários, a própria mídia… E foi fundamental. Um programa complexo! Aquilo que foi terminado no dia 27 de fevereiro de 1994, a Unidade Real de Valor, era muito difícil de explicar. Era muito difícil de explicar que era estável essa unidade de valor. Não obstante, o povo entendeu. E nós tomamos outra decisão, ousada à época: em vez de decretarmos, obrigatoriamente, que todos passariam de uma moeda à outra, demos a opção. E sempre respeitamos a institucionalidade, as leis. Na feitura do Plano Real, foi importantíssima a decisão tomada de que nada seria feito em detrimento do ordenamento jurídico. É o único plano que não foi embargado. Agora mesmo o Tribunal está para julgar uma decisão sobre planos e o Plano Real não está nessa situação, porque não houve desrespeito ao ordenamento estabelecido.

Nós confiamos que as pessoas saberiam escolher qual era o melhor caminho. E, para a nossa surpresa, em dois ou três meses, o conjunto da economia nacional já tinha mudado da moeda então vigente, que era o Cruzeiro Novo, para a URV, que, no dia 1ª de julho, se transformaria em Real: uma moeda nova. E esta moeda nova, exatamente como já foi aqui referido, para evitar a memória inflacionária e para despertar a crença da população, não constou, simplesmente, do corte de zeros: mudamos, fisicamente, a moeda, no conjunto do Brasil, num só dia – uma operação de guerra!

A feitura das novas moedas foi feita aproveitando-se as chapas antigas e os peixes antigos. O presidente Itamar não gostava de peixe, porque acreditava que não dava sorte; não obstante, não tínhamos outras formas de fazer a nova moeda, e assim fizemos. Sem que a opinião soubesse, preparamos uma enorme quantidade de moedas e de bilhetes, para, no mesmo dia, dizer ao Brasil: “Daqui por diante, o Brasil é outro”.
E tudo isso para quê? Para despertar confiança. O líder que não desperta confiança não é líder; o líder que não aponta o caminho não é líder; o líder que pensa que ele, sozinho, desperta confiança, sem ter um apoio bastante tecido com outras forças da sociedade, tampouco é líder. Pode haver líder na ditadura, que imponha pela força, mas o líder democrático convence, explica, ouve, tem que ter a humildade de ouvir, para, então, poder construir uma relação de confiança.
Isso foi o Plano Real: foi uma construção política, foi uma construção que nasce da democracia, que percebeu que o momento era da democracia e que, portanto, não haveria que fazer imposição, senão haveria que fazer um apelo, um convencimento, para que pudéssemos avançar.
Mas o Plano Real não nasceu do zero; foi sendo construído. Foi muito difícil; estávamos em moratória. Foi muito difícil romper com a moratória.
Eu era líder do governo, conforme havia sido designado pelo presidente Itamar Franco e mantido pelo presidente Sarney. E houve um dia em que, pela manhã, o presidente Sarney me pediu que fosse ao Palácio da Alvorada, juntamente com o líder do governo na Câmara. E fomos ao Alvorada, onde o presidente Sarney nos disse que o Brasil iria entrar em moratória, pedindo, então, que convocássemos os líderes, para comunicar, com antecipação, que, naquele mesmo dia, haveria a moratória.
E eu ainda objetei ao presidente Sarney na época, recordo-me: “Presidente, moratória é algo muito dramático, muito difícil. E aqueles, que estão hoje nas ruas pedindo para suspender o pagamento das dívidas, não vão aplaudir, no dia seguinte, o seu gesto corajoso de declarar a moratória”.
Na verdade, o presidente Sarney não tinha alternativa, porque, tecnicamente, não tínhamos mais como fazer frente às nossas dívidas. Estávamos quebrados; não era em moratória. E o Brasil entrou em moratória.
Para poder reconstruir a confiança, não só foi feito o que disse aqui a respeito do Real e que todos mencionaram – e já me referirei aos discursos que me precederam –, mas tivemos que reconstruir também a credibilidade junto aos nossos credores. Não foi fácil! Não vou entrar em detalhes, mas foi muito difícil.
O Fundo Monetário Internacional – isso é pouco sabido – não apoiou o Plano Real. Quando o ministro Malan era, então, presidente do Banco Central e eu, ministro da Fazenda, ele combinou comigo que iria a Washington para renegociar a possibilidade da moratória e também do Plano Real. A certa altura, ele me pediu que fosse aos Estados Unidos, porque ele não via condições de termos a nossa perspectiva aceita pelo Fundo Monetário.
O presidente do Fundo Monetário, à época, era o Sr. Michel Camdessus, que, por coincidência, eu já conhecia, pois sou amigo do ex-primeiro ministro da França, Michel Rocard, por sua vez, muito amigo de Camdessus.
Quando então cheguei ao Fundo Monetário, o Camdessus me convidou para ir a uma sala isolada com ele e me disse o seguinte: “tenho simpatia pelo esforço de vocês, mas eu não consigo convencer os nossos técnicos aqui de que o Brasil vai, realmente, fazer alguma coisa séria, porque a situação brasileira é frágil”. O Congresso estava, naquele momento, com um processo gravíssimo, a chamada CPI dos Anões do Orçamento; o então presidente da República era o vice-presidente; uma vez que tinha havido o impeachment. E acrescentou: “A sua equipe é jovem; é competente, mas não é experiente. Eu não consigo convencer, mas estou convencido de que vocês estão indo por um bom caminho”. E, em seguida, ele me deu uma carta que ele havia escrito, em francês, na véspera – até porque, nós estávamos em um jantar, conversando em francês, e isso sempre ajuda, porque os franceses gostam, não é? –, e ele disse: “Eu não posso dar o apoio; vou dar a você esta carta, em que dou o meu aval pessoal, mas não é o aval do Fundo”. Então, eu disse: “Mas nós não podemos fazer nada com um aval pessoal. Para terminar a moratória e estabelecer um novo contrato das dívidas, nós precisamos dar garantias; e as garantias requeridas são letras do Tesouro dos Estados Unidos. Assim, sem o aval do Fundo, o Tesouro não vai emitir uma série especial das letras para o Brasil contar”. Aí, ele sorriu e disse: “Vocês já têm essas letras”.

E era verdade! O ministro Malan tinha tomado a decisão comigo, e mais ninguém, de que, pouco a pouco – Gustavo Franco deve recordar-se disso, porque ele operava o Banco Central no assunto internacional –, nós iríamos comprando no mercado títulos do Tesouro americano – pouco a pouco, para que ninguém desconfiasse, porque, senão, subiriam os preços.

Mas é claro que o Fundo Monetário descobriu que estávamos operando assim. Diga-se de passagem, eu tive que vir a uma comissão do Senado aqui e um senador desabusado quis insinuar que ali teria havido um mal feito naquelas contas. Eu disse: “Olha, ainda bem que você não é meu aluno, porque eu te daria zero em economia”. Como eu era senador também, tinha liberdade – ele era suplente de senador na verdade – de dizer duramente a ele: “Não diga bobagens, rapaz, porque o que estamos fazendo é uma coisa meritória para o Brasil”. E assim foi feito.

Com esse fato, ainda tive que aduzir ao Camdessus: “Mas é preciso depositar esses títulos no FED, que não vai aceitar”. E ele disse: “Não; não precisa; basta depositar no BID, o Banco Interamericano”. E este era dirigido pelo Enrique Iglesias, amigo do Brasil. Assim, fui ao Banco Interamericano e concordamos com isso.

Graças a isso foi possível começar a renegociação das dívidas. Assim, creio que, em novembro de 1993, o Malan, então presidente do Banco Central, e eu fomos a Toronto, no Canadá, e assinamos, por uma manhã inteira, os novos contratos de dívida, uma vez que o Brasil tinha 700 bancos credores – e havia um sindicato que dirigia isso tudo. E isso para reconstruirmos a possibilidade de os mercados financeiros se abrirem para o Brasil.

Em suma, estou contando esse detalhe para mostrar que o Plano Real não foi feito simplesmente de um momento para o outro, como se mostrássemos ao país que nós tínhamos uma mágica. Não foi! Foi trabalho, trabalho duro de reconstrução das instituições, da credibilidade do país. Fomos ganhando credibilidade pouco a pouco. E tivemos sempre a consciência de que era um começo e que levaria muito tempo. E vários dos que aqui falaram anteriormente mostraram o tempo que isso tomou.

Como refazer a divida dos estados? Ninguém pagava ninguém. Como refazer tudo isso internamente? Como desindexar a economia, que foi sendo parcialmente desindexada? Como reconstruir as instituições?
Foi um trabalho insano e que foi feito. Foi feito por todos os brasileiros, porque o país sentiu que, dali para diante, ou se faria alguma coisa mais consistente, ou perderíamos o potencial histórico que temos.

Claro que sempre me entusiasma falar do passado, mas sou mais propenso a falar do futuro – e me alegrei de vir aqui. Ouvi os discursos aqui feitos e muito especialmente o que disse o senador Aécio Neves, com a confiança, de que chegou a hora de darmos novos passos.

Não farei discurso partidário – não é do meu estilo – numa Casa em que, hoje, se celebra uma festa nacional, mas qualquer brasileiro percebe hoje: quando as ruas reclamam, quando os empresários reclamam, quando os políticos reclamam, quando as donas de casa reclamam que algo está desengonçado, para usar uma palavra simples, é hora, de novo, de nós termos humildade.

Aos que hoje mandam, em vez de se cerrarem nos seus escritórios e pensarem que tecnocraticamente resolvem as questões, digo que é hora de se abrirem, de abrir o coração e dizer a verdade ao país.

Muita coisa foi feita, não foi só o Plano Real nem foi só o meu governo, longe disso. Não sou ingênuo ou maldoso para imaginar que tudo foi feito no passado e nada foi continuado. Muita coisa foi continuada! As bolsas que nós começamos o presidente Lula as expandiu; mesmo as dúvidas que se tinha sobre, enfim, o superávit primário. Eu fiquei surpreso quando o ministro Palocci anunciou um superávit altíssimo. E eles sempre criticaram o superávit antes.

Mas ainda bem que perceberam que ou fariam isso, ou o que havia acontecido no ano de 2002, o medo injusto de que os mercados ficariam possuídos por uma eventual eleição do PT… E eles perceberam que precisavam dar demonstrações, recriar a confiança. E foi feito! Muita coisa foi feita.

O Brasil avançou. O Brasil é hoje melhor do que quando eu deixei a presidência; como, quando eu deixei, era melhor do que à época do presidente anterior; como o presidente Sarney deixou-o também melhor do que o outro. O Brasil vai avançando, e é bom que avance.

Todavia, há momentos em que é preciso tomar novos rumos. Nós estamos chegando a um desses momentos. Não é apenas pela questão da dinâmica interna do país; o mundo também, depois da crise de 2007/2008, quando alguns acreditaram que haveria o declínio do Ocidente. Não é o que está acontecendo. O mundo está retomando energias, e energias a partir de novamente a economia americana voltar a crescer. Ainda: a economia chinesa tem que fazer exatamente o contrário – e tem que fazer – daquilo que nós fizemos no Brasil: aumentar o consumo e refrear a infraestrutura. De nossa parte, nós temos que aumentar a infraestrutura, não refreando o consumo, mas não expandi-lo pelo crédito apenas.

Eu acho que o mundo percebeu o começo de uma nova fase, e nós ainda estamos com os olhos no passado; nós ainda estamos apostando que as coisas irão mal no mundo e, quem sabe, nós possamos sozinhos – Sul-Sul –, juntamente com outros emergentes, levar o mundo adiante.

Vamos fazer parte desse novo mundo, sim. Temos todas as condições para avançar mais nele, mas temos que abrir os nossos olhos. A economia contemporânea é a economia do conhecimento. Ela requer inovação, requer fluxos de inovação. Aqui foi dito, e é verdade – creio que foi o senador Aécio que mencionou o dado –, que a taxa de crescimento da produtividade é quase nula no Brasil. E isto é fundamental: crescimento e produtividade. Não basta; tem que redistribuir ao mesmo tempo, mas é produtividade. E nós descuidamos disso.

Nós, brasileiros, estamos sentindo – está pulsando – que chegou o momento de uma nova palavra, mais moça, mais forte, abrir horizontes novos para o Brasil. Não é abrir horizontes novos cuspindo no presente e no passado, mas dando um passo adiante e mostrando ao país quais são os problemas.

Eu vou dizer o que talvez seja imprudente, mas, enfim, fui senador por muitos anos: nós temos vários problemas. Muita gente me criticou pela falta da reforma política no meu tempo. Tentamos reformas parciais. Muito bem; agora não dá mais! Não dá mais! É clamoroso que nós não podemos conviver com um sistema político-eleitoral que gera fragmentação partidária. Com 30 partidos e 30 novos ministérios, é a receita para a paralisação da Administração!

Não dá mais! E esse “não dá mais” não deve ser visto como a imposição da vontade de uma facção sobre os outros; tem que ser visto como a necessidade de um entendimento nacional, que tem que enfrentar essa questão com clareza, com firmeza. Não dá mais!

Também está visto que a paralisação das reformas – porque houve uma paralisação das reformas – cobra seu preço neste momento; cobra seu preço pela ineficiência não só da máquina pública. A ministra Gleisi Hoffmann deu uma entrevista, ao deixar o Ministério, em que dizia singelamente: “A máquina não responde”. E não responde por quê? Porque os incentivos estão errados e porque houve uma infiltração partidária na máquina pública. Isso não pode continuar! Isso tem consequências negativas para o desenvolvimento do país.

Também é visível que levamos muito tempo para descobrir que o Estado sozinho não dá conta de aeroporto, estrada, energia… Não dá conta! E não levamos tanto tempo assim para tirar a energia das agências reguladoras. Foi rápido. As agências reguladoras, hoje, já não têm a força que deveriam ter. Estão infiltradas por interesses de todo tipo. Está visível que precisamos fazer leilões, sim, mas temos que ter uma vigilância do setor público através das agências. Esses leilões foram paralisados por vários anos. Agora, comemora-se outra vez: “Meu Deus! É concessão!” E o que eu fiz com a telefonia? Não foi concessão?

É a mesma coisa!
Por que ter medo de dizer as coisas? Por que ter medo? Por que não dizer claramente ao país? Nem é preciso dizer “perdemos tempo e erramos”, mas, simplesmente, dizer a verdade: “Olha, tem de fazer. Nós custamos um pouco. Estamos atrasados.” Estamos atrasados e perdemos o momento da bonança. Perdemos o momento da fartura de capitais. Perdemos o momento em que os olhos estavam voltados para o Brasil, o que não quer dizer que, amanhã, não possamos recuperar. Eu sou muito confiante no Brasil. Não sou derrotista, não sou pessimista. Não! Eu falava muito da “fracassomania”. Agora, a presidente Dilma fala dos pessimistas. Eu não sou desse lado. Eu sou do lado do otimismo, mas do otimismo com realismo, dizendo a verdade ao país. E está na hora de dizer de novo ao país: “Olha, não só vamos ter de fazer uma reforma política, mas vamos ter de dar de novo um impulso grande na infraestrutura, com regulação governamental, mas com capitais privados.”

Vamos ter, sim, de enfrentar a questão de que todos nós falamos e que é difícil de enfrentar, que é a da educação, que é fundamental e que requer uma inovação muito maior do que a que nós já estamos imaginando. O que ensinar? Nós não sabemos mais o que ensinar. Mudou tudo! O que se ensina? Quanto tempo se leva para a formação? Qual é a metodologia? É preciso sacudir o país nessa matéria. Eu não tenho fórmula, estou apenas dizendo que é preciso abrir o jogo.

É preciso voltar a entender – por sorte, há sinais positivos – que a lei é igual para todos. Todos nós somos iguais pelo menos perante a lei, pelo menos perante a lei!

Chegou a hora de reconhecer que a situação de insegurança das nossas cidades atinge todos, os ricos, que se protegem com escolta, e os pobres, que não têm escolta para se proteger e que têm medo das ruas. Um país cujas ruas não são o abrigo do povo, mas o pavor do povo, não pode ser um país que seja feliz. Nós precisamos enfrentar com seriedade a questão da segurança.

Não vou continuar desfilando os problemas. Há muito problemas, mas há muita possibilidade de avançar. Fiquei, realmente, feliz de ouvir os discursos que me antecederam, não só porque louvaram não o que eu fiz, mas o que o Brasil fez, que foi adotar uma moeda estável e dar passos importantes, mas também porque se abrem perspectivas.

É preciso ter coragem de dizer as coisas, sem agressividade, mas com clareza. Já está passando da hora. Há momentos em que é preciso renovar. Sempre, a democracia requer sempre renovação, o que, às vezes, é duro, porque a renovação vai contra nós próprios que estamos no poder, em alguns lugares, há muito tempo. É preciso que haja o outro lado. É preciso que o outro lado se constitua. E, depois, até pode voltar, mas é preciso que haja esse jogo, porque, senão, fica tudo tão encastelado que não muda. Há tantos interesses, há tantos comprometimentos, que não se avança.

Está na hora! O Brasil está precisando de ar novo, de sangue novo. Eu diria até mesmo que a minha geração já passou. Outro dia, conversando com amigos meus, todos octogenários, eu disse: “Nós já morremos, gente! Nós somos testemunhas.” É verdade! Quer dizer, não morremos em determinado sentido, porque estamos aí pelo menos percebendo as coisas. Mas não dá mais! Tem de passar para outra geração. No Brasil, há muita gente jovem. Nós temos de confiar mais nos jovens, de abrir caminhos para os jovens e de fazer com que esse entusiasmo avance mais. Entusiasmo, etimologicamente, quer dizer Deus na alma, no corpo. É preciso entusiasmo, é preciso haver aquele brilho, aquela eletricidade no ar, para que as pessoas digam: “Ah, eu acredito em você.
Vamos em frente! Está na hora!”
Está na hora, senadores, está na hora de mostrar ao Brasil que há caminhos. Venham comigo, que nós vamos continuar sendo um grande país! Somos um grande país. A estabilidade foi apenas o começo. Está no momento de um novo salto!
Muito obrigado.

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