Folha de S.Paulo
Seria ótimo se outros meios de comunicação, setores do empresariado, do mundo político, da igreja, das universidades e da classe média que apoiaram o golpe militar de 1964 se mirassem nesse exemplo.
Não se propõe um autoflagelamento irrestrito. Mas reconhecer o quanto uma atitude corajosa contribui para o país virar uma das páginas mais tenebrosas de sua história.
É necessário fixar os olhos no futuro. Mas isso só acontecerá se todos refletirem sobre o passado e chegarem, ao final, à mesma conclusão de "O Globo": "A democracia é um valor absoluto. E quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma".
Tendo em mente esse valor, cada segmento da sociedade deveria refletir sobre o seu papel nos anos de chumbo. É irrelevante e estéril a discussão sobre por que só agora "O Globo" fez o "mea culpa" ou o quanto se beneficiou do regime militar.
Até porque, para ser isonômico, teríamos que usar da mesma severidade ao analisar o comportamento de quase todos os meios de comunicação, de quase todos os grupos econômicos e financeiros e, por que não, de políticos que hoje estão no "campo progressista" e fazem parte da base dos governos lulopetistas.
O foco no retrovisor pode desaguar num ajuste de contas já rejeitado pelo povo brasileiro ao apoiar a anistia e ao transitar para a democracia pela via pacífica e pactuada.
Temos o direito de conhecer a verdade, sobretudo o que aconteceu com os mortos e desaparecidos. Mas o acerto com o passado não pode se dar dentro da ótica do revanchismo ou com uma reinterpretação da história que transforme em vilões todos os que apoiaram o regime militar.
Não estamos diante de um filme de bandidos e mocinhos. Todos não têm o mesmo peso na balança, claro. É fundamental reconhecer os erros cometidos no passado. Isso vale também para os que enfrentaram a ditadura com armas nas mãos. Estes, além de optar por um caminho equivocado, praticaram ações incompatíveis com a democracia.
Um exemplo foram os episódios que resultaram no assassinato do sinistro empresário Henning Boilesen, personagem do diretor Chaim Litewski no ótimo documentário "Cidadão Boilesen".
Tem razão a jornalista Suzana Singer, ombudsman da Folha, ao dizer: "É a primeira vez que se vê tamanho ato de contrição na imprensa brasileira. Trata-se do principal conglomerado de mídia assumindo um erro editorial --não de informação-- sobre um momento decisivo da história recente do país".
E faz sentido sua cobrança indireta: "A Folha, o jornal mais aberto a críticas e o único, entre os grandes, que mantém um ombudsman, nunca fez algo parecido". Nem os outros meios de comunicação o fizeram.
Torcemos para que o pioneirismo de "O Globo" sirva de exemplo para que se consolide em nosso país uma imprensa pluralista, investigativa, comprometida com a verdade.
Uma imprensa que nunca esteja submetida à tutela estatal, partidária ou de outra natureza para cumprir seu verdadeiro papel em um país de ordenamento democrático.
HUBERT ALQUÉRES, 52, é vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro. Foi presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (2003-2011)
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