“Por que Dilma não oferece mais saúde?”, análise do ITV


 Análise do Instituto Teotônio Vilela

Há coisas boas no programa de saúde anunciado ontem pelo governo federal. Não há quem seja contra colocar mais médicos à disposição da população. O problema é que muito do que a presidente da República agora promete não vem sendo feito nestes últimos anos. De promessas vazias, nossos hospitais e postos de saúde estão lotados.

O programa “Mais Médicos”, anunciado por Dilma Rousseff, visa ampliar a oferta de atenção básica à população, como atendimentos de urgência e emergência e consultas de clínica médica. Trata-se, efetivamente, da estratégia mais correta e recomendada de atuação na área da saúde. No entanto, ela vem sendo negligenciada pela gestão petista nos últimos anos.

Como parte do SUS, o país desenvolveu o Saúde da Família, que começou a ser implementado em 1994. Nos oito anos iniciais do programa, a cobertura expandiu-se fortemente, com taxa média de crescimento de 72% ao ano. De 2002 a 2009, porém, esta média caiu para 8% anuais e hoje praticamente estagnou, como mostra o economista André Médici.

O governo também anunciou que obrigará estudantes de medicina a atuarem dois anos no SUS antes de obter o registro definitivo. A regra vale para quem começar a estudar em 2015 e, portanto, só terá algum efeito prático a partir de 2021. Os problemas de saúde da nossa população são, porém, para ontem.

Ocorre que a penúria do nosso sistema de saúde decorre menos da falta de médicos do que de uma péssima gestão. De fato, grandes centros como Brasília, São Paulo e Vitória têm média de médicos por habitantes superior à de países europeus. E, por acaso, a saúde pública nestes lugares está boa?

Em 1996, o país tinha 82 faculdades de Medicina e graduava entre 7 mil e 9 mil médicos por ano. Hoje temos 201 faculdades e graduamos mais de 18 mil médicos. “Não é o número o problema”, conclui o ex-ministro Adib Jatene. A questão é que temos uma gestão dos recursos muito ruim e oferecemos aos médicos condições de trabalho muito inadequadas.

Tem sido comum nos últimos anos o governo federal simplesmente não aplicar em hospitais, salários e medicamentos todos os recursos que o Orçamento da União prevê. Em média, cerca de 15% deixam de ser executados. Numa rubrica que neste ano prevê R$ 82 bilhões, é muito dinheiro que poderia ser usado em benefício da população. Recentemente, o jornal O Globo mostrou que quase R$ 46 bilhões deixaram de ser gastos em saúde entre 2000 e 2010.

Seria ótimo se as boas intenções que Dilma manifestou ontem em relação à melhoria da saúde dos brasileiros – algo que ela só fez depois do calorzão que as ruas estão lhe fazendo passar – se traduzissem em ações efetivas. Mas a prática da presidente é distinta. Sob orientação dela, a base aliada no Congresso rejeitou, por exemplo, a destinação de 10% da receita bruta da União para a saúde, conforme previa a emenda constitucional n° 29, o que daria uns R$ 40 bilhões a mais.

Outra prática dissociada da realidade são as promessas que Dilma faz para aumentar a estrutura de atendimento à disposição da população. Ontem, ela disse que fará 601 UPAs e 15.977 UBSs. A meta anterior – já bastante desinflada em relação ao que a então candidata prometera em cima dos palanques – era fazer 269 UPAs e 7.557 UBSs. Mas, segundo o mais recente balanço do PAC, foram concluídas até agora apenas 12 UPAs e 434 UBSs, o que dá uns 5% dos prometido. É muito pouco, Dilma.

Entidades que representam os médicos já estão em pé de guerra e prometem resistir ao que o governo propõe. Têm razão quando sustentam que não adianta pôr mais médicos à disposição da população se a estrutura do SUS é caótica e ineficaz como é e as condições de trabalho, sofríveis. Também não é razoável aceitar que médicos estrangeiros sejam considerados aptos após um “treinamento” de meros três meses no país, sem sequer se submeter ao exame de revalidação de diplomas que é rotineiramente aplicado aos profissionais da área graduados fora do país.

Dilma Rousseff mostrou, mais uma vez, que só é ágil quando submetida a intensa pressão. É lícito responder ao clamor das ruas oferecendo serviços públicos de mais qualidade – uma demanda efetiva dos protestos, ao contrário do exotérico plebiscito proposto pela presidente. O que não dá para aceitar é que as boas intenções se choquem, mais uma vez, com um histórico de práticas que as desmentem e se transformem, mais uma vez, em promessas vazias.

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