Íntegra do discurso de saudação ao papa em Manguinhos


Clayton de Souza/Estadão

Santidade e demais autoridades, senhoras e senhores - Bom dia!

Em nome de toda a comunidade da Varginha, queremos dar as boas vindas e afirmar que este dia é muito especial por estarmos recebendo, neste lugar tão simples, Vossa Santidade, nosso querido e amado Papa Francisco.

Este dia histórico marcará as nossas vidas para sempre. Hoje, não é só a comunidade que está acolhendo Vossa Santidade, mas temos a certeza que é Vossa Santidade que está nos acolhendo de coração aberto, como um pai.

Portanto, gostaríamos de pedir a vossa permissão para quebrarmos um pouco o protocolo, assim como Vossa Santidade faz em alguns momentos, e chamá-lo de Pai, Pai Francisco, aquele que acolhe a todos e, especialmente, os mais pobres.

É assim que ouvimos falar e agora constatar. A sua história de vida é marcada por este ir ao encontro dos marginalizados, dos desfavorecidos, dos esquecidos pela sociedade e pelo poder público. Obrigado por estar aqui!

Pai Francisco, muitos nos perguntaram porque esta comunidade foi escolhida para receber a sua visita, e esta é a pergunta que nós também nos fazemos. A final esta comunidade da Varginha tem uma história comum a maioria das comunidades do Rio de Janeiro, que também se sentem visitadas no dia de hoje.

Esta comunidade iniciou sua história no ano de 1940. Este lugar foi um lixão aterrado que fora ocupado, em sua grande maioria, por pessoas vindas de vários estados do Nordeste brasileiro - região mais pobre do País e do estado de Minas Gerais movidas pelo sonho de dias melhores.

Pessoas que juntamente com seus familiares e amigos, construíram suas casas com muito suor, dedicação, esforço, lágrimas, união e bênçãos de Deus, como nossos pais e avós. Estes nunca desistiram de seguir em frente, mesmo com todos os confrontos armados que muitos moradores já presenciaram e, por muitas vezes, com o descaso do poder público no momento das enchentes e outras situações que ainda nos impedem de viver com dignidade.

Tal descaso, nosso amado Pai, ficou para trás a partir do momento do anúncio da sua visita a nossa comunidade. Deparamo-nos, todos os dias, com pessoas que iam e vinham asfaltando e iluminando ruas, limpando as calçadas regularmente e as caçambas de lixo sendo melhores distribuídas. Tudo aquilo que não fazia parte do cotidiano dos moradores passou a acontecer e --esperamos-- que possa continuar desta forma.

A sua visita, Pai Francisco, nos levou a mídia nacional e internacional. Nós não fazíamos parte das reportagens dos jornais, ou melhor, não das colunas sociais, mas sim, das colunas policiais e de tragédias, seja pelos confrontos armados que ocorriam ou pelas enchentes dos rios que ocorrem em dias de chuva muito forte. Tal problema de enchente até hoje nem sequer foi discutido com os moradores para encontrar uma solução.

Mas na vida, Deus sempre se faz presente e fortalece o seu povo com a esperança do novo amanhecer! Pela graça deste mesmo Deus, em 1971 fomos abençoados com uma capela, dedicada a São Jerônimo Emiliani que, mesmo sendo de uma família rica, dedicou sua vida a cuidar dos doentes, dos órfãos. O Papa Pio XI o proclamou "Patrono Universal dos órfãos e da juventude abandonada".

Minha esposa e eu sempre fomos engajados em pastorais das paróquias que participamos. E ao longo de nossos oito anos de relacionamento, namoramos, noivamos, nos formamos na faculdade, nos casamos, sempre tendo Jesus Cristo como centro de nosso relacionamento em todos os momentos, sejam eles de dificuldades e/ou de alegria.

Agora unidos por Deus em uma só carne fazemos juntos parte da juventude desta comunidade, uma juventude que busca em Deus sua força, seu caminho, que nunca desiste de seus sonhos, que luta por uma vida melhor por meio dos estudos e do trabalho digno.

Talvez somente agora, Pai, é possível encontrar a resposta porque esta comunidade está recebendo a sua visita. Porque somos pequenos, pobres, esquecidos, e mesmo diante dos aplausos e holofotes, permanecemos fiéis a Deus, simples, humildes e unidos.

Esta comunidade, como todas as demais comunidades do Rio de Janeiro e, ousamos dizer, do mundo, hoje se sente visitada e recordada por aquele que é o "Doce Cristo na Terra". Todas as periferias olham e se identificam com o ministério que o senhor, Pai Francisco, continua a exercer indo ao encontro daqueles que são "invisíveis" a sociedade.

Obrigado, pelo testemunho e amor!

Por fim, queremos agradecer a sua visita e que se possível não seja a única. Que o senhor leve em sua memória e em seu coração, esta comunidade tão pequena, tão simples e o amor que ela sente pelo senhor. E tenha a certeza que é o nosso atual e maior exemplo de cristão. Desejamos continuar aprendendo ainda mais a sermos humildes e servos de Deus, como o senhor é.




Fonte: Folha.com

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