FHC esboça autobiografia intelectual ao revisitar obras de pensadores do Brasil


MAURICIO PULS - Folha Ilustrada


Em "Pensadores que Inventaram o Brasil", Fernando Henrique Cardoso reúne seus ensaios sobre intelectuais --de Joaquim Nabuco a Antonio Candido-- que se dedicaram a explicar "o que somos".

Cada um deles construiu uma imagem de nação que iluminou algumas faces da realidade e, com isso, norteou os estudos posteriores.

A preocupação de Gilberto Freyre em descrever o caráter patriarcal da família brasileira, o empenho de Celso Furtado em reconstruir a formação do mercado interno no país e a ênfase de Caio Prado Júnior na subordinação da economia nacional ao capital mercantil abriram caminhos diferentes para explicar o nascimento de uma nação.

Tendo convivido com muitos dos "pensadores que inventaram o Brasil", FHC observa que tais sínteses grandiosas já não atraem os pesquisadores contemporâneos, voltados para a produção de artigos e monografias de alcance mais limitado. Mas fazem isso porque já encontraram "uma nação já formada".

Composto de escritos com dimensões e objetivos muito distintos, produzidos ao longo de 35 anos, o livro constitui uma pequena história das ideias no país --recorda o itinerário de "Ideologia da Cultura Brasileira", de Carlos Guilherme Mota-- entremeada com recordações pessoais.

Admirador de Joaquim Nabuco, FHC faz uma análise sutil dos dramas íntimos que levaram esse aristocrata a combater a escravidão e ressalta a profundidade de seus julgamentos: "Ninguém que tenha que lidar com o desafio de governar, sobretudo sociedades tão complexas e injustas como as nossas", deixará de reconhecer que, para avaliar o governante "é preciso comparar o estado em que receberam o país e o estado em que o deixaram".

Tendo sido assistente de Florestan Fernandes na USP, FHC destaca o papel de seu mestre na institucionalização da sociologia no país e sua personalidade rigorosa e estimulante.

"Isso tudo não impediu que Florestan fosse um polemista. Brigou, mas brigou sem fim. Só não brigou conosco... Mas com os outros, meu Deus, como brigou! E eu, que sou de temperamento mais cordato que o dele, em quantas frias entrei! Em quantas brigas na universidade, na congregação, em quantos desaforos terríveis!"

Em seus ensaios sobre Gilberto Freyre, FHC observa que "Casa-Grande e Senzala" é um livro apaixonante --com exceção dos prefácios, "tão cabotinos"--, mas tem a estrutura de um mito no qual muitos elementos se desvanecem: "Uma porção de aspectos, especialmente a rugosidade do real, que é sempre desagradável, podem desaparecer na síntese, sempre purificada de eventuais distorções ou imperfeições".

O ex-presidente explica ainda que a nostalgia de Freyre pelo passado o relegou a um papel menor a partir dos anos 1950, uma vez que as grandes correntes intelectuais da época (USP, Cepal, Iseb, PCB) estavam preocupadas em "livrar o país das mazelas de um passado que nos condenava ao subdesenvolvimento".

Também são particularmente interessantes os ensaios de FHC sobre Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido. Em seu conjunto, o livro constitui o esboço de uma autobiografia intelectual.

PENSADORES QUE INVENTARAM O BRASIL
AUTOR Fernando Henrique Cardoso
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,50 (336 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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