MP acusa dirigente do Ministério da Saúde de ter feito acordo irregular


Promotoria denuncia ações de Odorico, o bem relacionado

O MPE cearense acusa dirigente do Ministério da Saúde de ter selado acordo irregular com uma Organização Social, à época comandada por dois ex-subordinados


LEOPOLDO MATEUS - Revista Época

Organizações Sociais são entidades privadas, sem fins lucrativos, que recebem recursos públicos para realizar funções, como já diz o nome, de interesse social. Como, por exemplo, administrar hospitais. São comuns no Rio de Janeiro e em São Paulo. Unem o atendimento gratuito, natural do serviço público, a métodos privados de gestão, numa espécie de terceirização de um serviço público. Foi o que fez o atual secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Odorico Monteiro, em sua encarnação como secretário municipal da Saúde de Fortaleza (CE), em 2008, na administração de Luzianne Lins (PT). Com um detalhe: a terceirização de Odorico – que não é Paraguaçu, mas entende de dinheiro público – significou a transferência de atividades que seriam da Secretaria Municipal da capital cearense para uma Instituição presidida por ex-funcionários do próprio órgão. De forma irregular, segundo o Ministério Público.

O secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde e ex-secretário da Saúde de Fortaleza (CE), Odorico Monteiro 
(Foto: Erasmo Salomão - Ascom/MS)

O então secretário Odorico Monteiro decidiu celebrar um contrato com uma Organização Social, o Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e de Apoio à Gestão de Saúde (IDGS). Segundo o decreto que oficializou o acordo, o IDGS iria “pesquisar, desenvolver e produzir conhecimentos e tecnologia na área de informática, educação, saúde, serviço e gestão de saúde em Fortaleza”. Para missão tão ampla quanto vaga, recebeu, somente entre 2008 e 2010, R$ 116 milhões. (Não houve erro de digitação. Não foram R$ 11,6 milhões nem R$ 1,16 milhão. Foram R$ 116 milhões – pelo menos). O Ministério Público Estadual cearense resolveu avaliar o trabalho do instituto. Ao estudar os contratos com a secretaria, o modo como o IDGS foi criado e gerenciado e o que ele efetivamente fazia de 2008 a 2012, o MPE não gostou do que o Instituto “pesquisou, desenvolveu e produziu”. Baseado na sua própria investigação e em analises do Tribunal de Contas do Município (TCM) e do Conselho Municipal de Saúde, o promotor Ricardo Rocha entrou, no último dia 29, com uma Ação Civil Pública de Improbidade contra Odorico Monteiro, Alexandre Mont`alverne, que o sucedeu na secretaria, e dois ex-dirigentes do IDGS. 

Segundo o MPE, a contratação do instituto por Odorico foi “ilegal” – e alguns dos contratos foram firmados antes mesmo de o IDGS se tornar Organização Social. “O parecer do TCM demonstra que os valores vultosos, repassados com dispensa de licitação, não poderiam ter sido efetivados, pois foram feitos pagamentos antes mesmo de o IDGS se tornar uma Organização Social e o processo que a considerou OS foi totalmente ilegal”, diz o promotor. Segundo a ação, os quatro primeiros contratos, assinados em 1º de outubro de 2008, foram firmados antes da publicação do Decreto que qualificou o IDGS como OS – o que, segundo o MPE, foi oficializado apenas em 3 de novembro. O promotor também afirma que o acordo não foi submetido à análise da Comissão Municipal de Publicização e que não foi destacado qualquer critério objetivo pela Secretaria para a contratação. Ainda segundo o MPE, vários processos de contas foram aprovados mesmo antes da execução dos serviços. O promotor acredita que o valor repassado ilegalmente ao IDGS é muito superior aos R$ 116 milhões, pois alguns dos contratos foram omitidos, e o parecer não inclui aqueles firmados entre 2011 e 2012.

Tem mais. De acordo com os primeiros contratos de gestão anexados ao processo, firmados entre a Secretaria e o IDGS, do lado da Secretaria assinou Odorico Monteiro, secretário Municipal. Já pelo IDGS assinaram dois dirigentes: Reginaldo Alves das Chagas, nos primeiros contratos, e José Roger Barros Cavalcante, nos demais contratos e aditivos. Enquanto pesquisava o que os dois faziam ao longo de 2008, o promotor tomou o primeiro susto. Antes de assumir suas funções no IDG, ambos eram funcionários da secretaria da Saúde submetidos a Odorico. Cavalcante estava em cargo comissionado no setor de planejamento da Secretaria da Saúde. Chagas era coordenador de Saúde Bucal, a partir de um convênio entre a Prefeitura de Cruz, na qual é concursado, e a de Fortaleza. Ou seja, a Organização Social que recebeu R$ 116 milhões, entre 2008 e 2010, era presidida por dois funcionários submetidos à própria Secretaria em 2008. O segundo susto: em 2011, Reginaldo Chagas ainda foi promovido. Recebeu, no Ministério da Saúde, o posto de coordenador geral da Direção e Assessoramento Superior. Seu chefe? O próprio Odorico Monteiro.

O IDGS tinha, até o final do ano passado, cerca de 5 mil funcionários. Eram médicos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, arquivistas e pessoal de serviços e de apoio. Os profissionais atuavam em postos de saúde, hospitais e nos Núcleos de Atenção à Saúde da Família (Nasf), por exemplo. O IDGS recebia os recursos da Prefeitura de Fortaleza e os repassava aos funcionários até o quinto dia útil do mês. Repassava. No final do ano passado, vários empregados começaram a reclamar publicamente que não estavam sendo pagos. Ameaçaram parar suas atividades. Em dezembro, entraram em greve.

Nos últimos dois anos, pipocaram denúncias no Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza quanto ao uso político do IDGS. Segundo um parecer do Conselho, enviado ao MPE, denúncias de “casos de demissão arbitrária, assédio moral ou uso político partidário das vagas de trabalho dessa Organização Social, do avanço de práticas clientelistas, do nepotismo e da precarização das condições de trabalho” chegavam o tempo todo. Segundo o parecer, inúmeros funcionários demitidos do IDGS procuraram o Conselho afirmando que foram demitidos por não ser “afilhados de nenhum vereador”.

Em fevereiro, a Prefeitura de Fortaleza, já não mais sob o comando de Luizianne Lins, por meio da nova secretária de Saúde, Socorro Martins, disse que o município não renovaria os contratos com o IDGS, devido às revelações feitas pelas autoridades sobre o instituto. Dois meses depois, a secretária disse que a solução para o problema seria a desqualificação do Instituto como Organização Social. Afirmou que não faria mais pagamentos ao IDGS e que tinha parecer da Procuradoria Federal do Trabalho para passar diretamente o dinheiro aos funcionários. Pelo contrato firmado entre a Prefeitura e o Instituto, o IDGS deveria fazer o gerenciamento da saúde em Fortaleza, mas ele atuava apenas como empresa de prestação de serviços. “Não pensávamos que era tão grave como observamos. Mas, como já havia processo no Judiciário contra o IDGS, imaginávamos que algo estava realmente errado”, disse Socorro Martins há dois meses.

Reinaldo das Chagas tem ligações próximas com o Partido dos Trabalhadores. Além de ter atuado no Ministério da Saúde, ele foi condenado pela Justiça Eleitoral a pagar multa de R$ 35 mil por ter excedido o montante que poderia ter doado para as campanhas do deputado estadual Antonio Carlos (PT) e do deputado federal Eudes Xavier, também petista. Segundo ele, foi um erro, pois ele só doou para a campanha de Antonio Carlos. Ele promete recorrer. Nesta semana, Chagas assume a Secretaria de Saúde de Cruz, no interior do Ceará, também comandada pelo PT.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que Odorico Monteiro ocupou a Secretaria Municipal apenas nos quatro primeiros meses de atuação do IDGS, período em que só foram pagos R$ 1,9 milhão. Segundo o ministério, durante esse período foram assinados cinco contratos, com a aprovação do conselho administrativo responsável, e, apesar de assinados em outubro, só foram publicados em novembro. Monteiro já encaminhara documentos com informações sobre o assunto ao MPE, mas diz preferir aguardar notificação sobre a ação antes de falar sobre as denúncias. Alexandre Mont`alverne, que o sucedeu, afirmou que os contratos e aditivos foram assinados dentro da legalidade e necessidades do município e o que “o mais será respondido dentro do processo”.

José Roger Cavalcante, ex-dirigente do IDGS, disse não ter conhecimento das irregularidades apontadas pelo MPE, que só foi contratado pelo IDGS após se desligar da secretaria, em outubro de 2008, e que não houve conflito de interesses, pois nunca foi responsável por liberar recursos para pagamentos de serviços. Também afirmou que o rompimento entre a Prefeitura de Fortaleza e o IDGS deu-se por questões políticas. Chagas, que era funcionário do Ministério da Saúde até março, também negou a ilegalidade dos contratos que assinou. Segundo ele, a qualificação do IDGS como OS ocorreu dois meses antes da assinatura do primeiro contrato. Também disse ser funcionário concursado da Prefeitura de Cruz, no interior do Estado, e atuou na Prefeitura de Fortaleza devido a um acordo de cooperação assinado entre as duas cidades – mas que, quando foi para o IDGS, já havia se desligado.

O promotor envolvido no caso pede que os citados na ação percam seus cargos públicos, direitos políticos e devolvam os valores repassados pela Secretaria, além de ficar proibidos de participar de contratos com o poder público.

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