“Minha casa, minha caixa-preta”, análise do ITV


*Análise do Instituto Teotônio Vilela

O Minha Casa, Minha Vida é um excelente programa. Ficará melhor ainda quando entregar o que promete. Poderá tornar-se quase perfeito se disser de onde vem o dinheiro que financia suas obras. Será louvado se deixar de ser usado como mera peça de campanha publicitária. Tal como existe hoje, é uma caixa-preta.

O programa foi lançado há pouco mais de quatro anos. Inicialmente, tinha como objetivo entregar 1 milhão de moradias. Com Dilma Rousseff já na presidência, a meta dobrou. O governo afiança que a maior parte (60%) destina-se a famílias com renda de até três salários-mínimos, em que se concentra o grosso do déficit habitacional do país.

A despeito de ainda não ter cumprido o compromisso ao qual se propôs, o governo petista segue inflando suas metas. Os números parecem ganhar vida própria e vão surgindo aos borbotões. Agora, a promessa da presidente é fazer 3,75 milhões de habitações, conforme disse anteontem em Brasília. Ela só não explicou como fará.

É meritório que intenções nobres como possibilitar a quem não tem teto adquirir sua casa própria cresçam e se multipliquem. O problema é quando tais pretensões se restringem a meros números vazios. No Minha Casa, Minha Vida, as contas não fecham. Sobra saliva e falta areia, concreto e brita.

Para inflar seu desempenho, o governo limita-se, na maior parte dos casos, a informar o número de unidades habitacionais “contratadas” e não as efetivamente “construídas”. Como entre contratação, construção e ocupação vai muito cimento, a realidade acaba sendo bem distinta, e bem pior, que a expressa no discurso oficial.

São parcos os balanços sobre o programa e opaca a sua contabilidade. A partir da “Mensagem ao Congresso Nacional” enviada pela Presidência da República em fevereiro, fica-se sabendo que 1,05 milhão de unidades foram finalizadas. Destas, menos de um terço destinam-se às famílias mais pobres: das 1,2 milhão de unidades prometidas para esta faixa de renda, só 291 mil foram entregues.

Este é apenas um dos problemas. Outro, que afeta muito mais gente, é a origem dos recursos que estão sendo usados para bancar as obras. O governo está simplesmente metendo a mão no FGTS dos trabalhadores para financiar as moradias, sem, contudo, ressarcir o fundo como deveria. Desde 2011 tem sido assim – nos dois anos anteriores, o ressarcimento foi apenas parcial.

As dívidas do Tesouro com o FGTS já ultrapassam R$ 4,8 bilhões, em valores atualizados. Em 2012, do R$ 1,8 bilhão que o Tesouro deveria ressarcir, nada foi pago, mostrou O Globo anteontem. Além disso, desde abril do ano passado a União deixou de repassar ao fundo os recursos da contribuição extra de 10% paga pelas empresas em casos de demissões sem justa causa: só aí foram tungados mais R$ 2,8 bilhões, utilizados para ajudar a maquiar os resultados fiscais de 2012.

Agora, o dinheiro do trabalhador também poderá vir a ser usado para financiar a compra de eletrodomésticos e mobiliário a juros camaradas. O governo não explica de onde virá a maior parte dos R$ 18,7 bilhões anunciados anteontem. Diz apenas que injetará mais R$ 8 bilhões na Caixa e, “enquanto durarem as operações”, abrirá mão da maior parte de seus dividendos no banco – que renderam R$ 7,7 bilhões ao Tesouro no ano passado, segundo o Valor Econômico.

Além de gatunar o FGTS do trabalhador e ajudar o governo petista a inflar artificialmente o superávit fiscal, o Minha Casa, Minha Vida também é útil para anabolizar os resultados do Programa de Aceleração do Crescimento e tornar menos anêmicos os números relativos ao investimento público.

Dos R$ 557 bilhões que a gestão federal diz ter aplicado no PAC até hoje, 32% referem-se a financiamentos habitacionais concedidos no âmbito do programa. A continuar assim, é possível que as prestações que os mutuários pagarão às Casas Bahia para ter um fogão novo e uma TV digital logo, logo estarão engordando a contabilidade oficial da gestão Dilma…

O Minha Casa, Minha Vida é uma boa ideia que o governo do PT, infelizmente, tem se mostrado capaz de desvirtuar. O programa habitacional é uma verdadeira caixa-preta, sobre a qual não se sabe ao certo quantas famílias estão sendo beneficiadas, quantas moradias foram efetivamente construídas, de onde estão vindo os recursos, nem em quais condições. É mais uma boa intenção das quais o inferno está lotado.

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