“Necessária e legítima. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa” Artigo de Alberto Goldman


O ex governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho declarou que a intervenção da PM no presídio do Carandiru em 1992, razão do julgamento em andamento dos policiais que a realizaram, foi legítima e necessária. Vamos aos fatos.

Estava em curso, na ocasião, uma rebelião no presídio que tinha vários pavilhões e milhares de condenados. O fato ocorria em um pavilhão e havia o perigo da rebelião se estender pelos demais. Algumas informações davam conta de que atos de violência estavam se dando, pondo em risco a vida de vários prisioneiros.

Assim como a Segurança Pública é responsável pela ordem e pelo cumprimento da lei nas ruas da cidade, é responsável pela vida dos cidadãos, estejam eles nos seus afazeres do dia a dia, estejam eles submetidos a um regime prisional. A segurança do cidadão é dever do Estado e esse princípio vale também para aqueles que não desfrutam da liberdade de ir e vir.

Dessa forma o Estado deve agir, sob pena do crime de omissão, no cumprimento da lei e na preservação da ordem pública e da integridade das pessoas. Foi pois legítima a intervenção. E, no caso, foi necessária, pois sem ela o papel do Estado não seria cumprido.

Mas, como diz o dito popular, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. A legitimidade da intervenção e a sua necessidade não justificam o massacre de 111 homens, desarmados, ou armados de meios rudimentares. É obrigação, sim, a intervenção da polícia em um episódio qualquer para colocar ordem na casa mas tem de fazê-lo de forma a preservar as vidas das partes envolvidas. Aliás, se não é assim, para que a polícia? A polícia não pode ser um bando armado, dando tiros a torto e a direito, atingindo não só eventuais responsáveis ( por o que? ) mas outros presumivelmente inocentes.

A responsabilidade do governador é realmente política. Vale dizer, ele no comando da corporação policial não soube, ou não conseguiu, transmitir aos agentes do Estado a forma correta de conduta e, quem sabe, defendendo a absurda tese que diz que “aqueles que não reagiram estão vivos”, tenha transmitido uma mensagem que transforma a vida humana, mesmo a dos condenados, em matéria de menor importância.

O episódio do Carandiru é uma nódoa na história da civilização.

* Artigo publicado nesta quinta-feira (18) no Blog do Goldman

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