“Águas de março”, análise do Instituto Teotônio Vilela


As chuvas de fim de verão são tão previsíveis, que há 40 anos Tom Jobim usou paus, pedras e tocos que elas fazem rolar pelas ribanceiras como tema musical. Mas sua regularidade não parece ser suficiente para fazer o poder público agir a tempo de evitar a macabra repetição de mortes. Aconteceu ontem, mais uma vez, na região serrana do Rio.

Até agora, as chuvas deixaram 17 mortos e mais de 560 desabrigados em Petrópolis. Felizmente, as dimensões da tragédia da hora não se comparam às do dilúvio de dois anos atrás, que matou 900 pessoas. Mas isso não atenua a irritante omissão do poder público.

As famílias afetadas estavam morando em áreas consideradas de risco. O mais certo é que não estivessem lá, mas, sim, em locais mais seguros – para a presidente Dilma Rousseff, porém, elas simplesmente “não querem sair”. A questão é: foram dadas a elas opções para evitar a tragédia? Em muitos casos, não, a julgar pelos que publicam os jornais de hoje.

A promessa de construir novas moradias para famílias que vivem em áreas de risco – feita pela própria presidente da República, que, num de seus primeiros dias de governo, foi pessoalmente lá anunciá-las – não foi cumprida.

Segundo a Folha de S.Paulo, nenhuma das casas populares prometidas às pessoas desabrigadas pelas chuvas que atingiram a região serrana do Rio em 2011 foi entregue. Claro, o problema não é exclusivo do governo federal; há a leniência do governo fluminense e das prefeituras da região também.

No entanto, ainda de acordo com a mesma fonte, apenas seis meses atrás Brasília liberou os R$ 545 milhões prometidos para a construção das casas e obras de prevenção em Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo – as três cidades mais afetadas pelos temporais de 2011. Com tal delonga, não daria mesmo tempo para salvar as vidas.

Até seria possível dar um voto de confiança ao governo federal se seu histórico na prevenção, preparação e resposta a desastres não fosse tão ruim. No ano passado, por exemplo, menos de um terço dos recursos destinados a estas finalidades foram usados pela União, de acordo com a ONG Contas Abertas.

O Orçamento da União autorizava R$ 5,7 bilhões, mas somente R$ 1,8 bilhão foram pagos. No programa “Gestão de riscos e Resposta a desastres” – a grande promessa do governo petista após a tragédia serrana de 2011 – apenas 23% saíram dos cofres federais no ano passado.

“As demandas das populações mais vulneráveis somente são atendidas se a região tiver muitos eleitores, enquanto as pequenas localidades sempre ficam para depois ou nunca”, analisou a ONG, após ouvir especialistas.

Constata-se que as obras, quando acontecem, são sempre para remendar. Para prevenir, os investimentos quase não ocorrem. Outro levantamento do Contas Abertas, feito no início de 2012, ilustra isso.

Entre 2004 e 2011, as dotações autorizadas pelo Congresso para “prevenção e preparação para desastres” somaram R$ 2,8 bilhões, mas apenas R$ 695 milhões foram investidos. Em contrapartida, naqueles oito anos o país gastou sete vezes mais em “resposta a desastres e reconstrução”, ou seja, R$ 5,9 bilhões. Tudo ao contrário do velho ditado: Melhor prevenir do que remediar.

Entre as pastas responsáveis por prevenir e dar resposta a desastres está o Ministério da Integração Nacional, cuja maior notoriedade na era petista é sempre liberar mais dinheiro para a base eleitoral do ministro de turno. Como se vê, as tragédias que se repetem e a incapacidade de evitá-las são mais uma das nefastas consequências do sistema de partilha que orienta este governo, que vive de emergência em emergência.

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