“A vitória de Obama”, artigo de Fernando Henrique Cardoso


Artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para o jornal Metro

A vitória de Obama nas eleições americanas mostra o efeito das mudanças que estão ocorrendo na sociedade americana. O reconhecimento social dos negros, depois das lutas memoráveis pelos direitos civis, das quais o pastor Martin Luther King é o símbolo, terminaram por fazer com que as populações negras, finalmente, tivessem seus direitos e pudessem se expandir econômica, social e politicamente. Obama simboliza isso. Há mais, entretanto. A presença dos que os americanos chamam de “latinos” e, curiosamente para nós, distinguem entre eles e os “brancos”, vem crescendo demográfica e agora politicamente. Negros e “latinos” votaram maciçamente por Obama. Por fim, jovens e mulheres, pelos dados apurados, somaram-se àqueles dois contingentes para dar maioria a Obama.

Com isso Obama teve uma vitória expressiva, mas não consagradora, pois ainda assim quase a metade dos eleitores votou em Mitt Romney, quase todos brancos. Ou seja, a sociedade está dividida entre, por um lado, os recém-aceitos pela nação (negros, latinos, mulheres eleitoras e jovens) e, por outro, no campo republicano, as populações mais enraizadas no país e tradicionais. Claro, nos dois campos há exceções. Mas esta foi a imagem que transpareceu no voto. Isso mostra ao mesmo tempo a grandeza e as dificuldades da sociedade americana. Grandeza porque, bem ou mal, mesmo que não haja nada equivalente à cordial fusão de raças de um país de predominância de mulatos como o Brasil, mostra que as minorias são reconhecidas pela força das leis, se expressam e, quando juntas, podem ganhar. Dificuldades porque não é bom ter um país que ao se expressar eleitoralmente se divide tão nitidamente entre o país aberto, democrático, moderno, e o país mais modorrento e branquela.

Obama ganhou porque ele expressa em si o novo país, apesar de suas indecisões, de não haver entregue o que prometeu e do abismo fiscal para o qual ajudou a empurrar os Estados Unidos. Venceu porque se mostrou mais disposto a lutar pelos mais pobres. Simboliza o “novo”. Mas o “outro” país ganhou as eleições para a Câmara de Deputados, tem capacidade de bloquear decisões e, portanto, continuará com força suficiente para impedir que Obama vá mais longe em suas propostas de reforma.

Por fim, as eleições americanas têm um quê de provinciano. Nelas nada foi dito sobre a crise financeira mundial, sobre as dificuldades da Europa. Pouco se falou sobre o Irã, a Síria, Israel e a Palestina ou sobre o Paquistão, o Afeganistão e Coreia do Norte. Nem se falou de aquecimento global. Nada sobre as grandes questões mundiais. Neste contexto, para que falar de Brasil ou da América Latina? Falou-se sobre as questões domésticas.

O presidente, entretanto, terá de decidir sobre questões mundiais que afetam a todos nós e ao povo americano também. Este é o drama das democracias de massa: os dirigentes são escolhidos com base em problemas concretos, locais, dos eleitores. Entretanto, o mundo está cada vez mais interligado e depende de decisões que serão tomadas por quem foi eleito para cuidar da província…

Comentários