Mensalão: O escândalo que mudou a cara do PT


Para analistas, partido perdeu com mensalão a bandeira da ética e sobreviveu, depois de 2005, graças à força de Lula e a sua política de alianças

Gabriel Manzano, - O Estado de S. Paulo


Dida Sampaio/AE
Militante em frente ao Congresso Nacional dois anos antes da denúncia do mensalão

Já com sete anos completos, vivendo dias de glória na austera sala de sessões do Supremo Tribunal Federal, o mensalão tem papel garantido na história: ele marcou em definitivo a vida de um dos maiores partidos do País, o PT, dividindo-a em um "antes" – os tempos da bandeira ética, quando todos os outros partidos eram "farinha do mesmo saco" – e um "depois", em que o exercício do poder matou o sonho e levou aos conchavos e ao antes desprezado "é dando que se recebe".

Essa é, com pequenas diferenças, a impressão de muitos estudiosos da vida partidária do País. Por exemplo, o historiador Lincoln Secco, autor do livro A História do PT: "O episódio dividiu, sim, a história petista em duas partes, porque derrubou o discurso pela ética na política e retirou de cena os principais quadros históricos do partido", diz o historiador da USP. Como ele, o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano considera o episódio crucial na vida do partido, mas não o vê como um acidente: "Ele é o coroamento de um longo processo interno que se desenhava muito antes".

E, do ponto de vista ideológico, um terceiro estudioso do assunto, o psicanalista Tales Ab’Sáber, define o episódio como "a instalação do PT na política de direita brasileira". Ab’Sáber pondera, no entanto, que "os demais partidos, inclusive partícipes do próprio mensalão, não têm nada de melhor a oferecer no manejo da política do País".

A turbulência em que mergulhou o partido, naqueles meados de 2005, justifica tais reações. Mal o deputado Roberto Jefferson fez a denúncia, o então poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, "saiu rapidinho" do governo, como ele sugeriu. O presidente do PT, José Genoino, foi afastado em seguida. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi duas vezes à TV pedir desculpas ao País e dizer-se traído.

Resistência. A oposição, feliz, achava que o petismo estava acabado e que sua volta ao Planalto, no ano seguinte, era inevitável – tanto que nem se arriscou a pedir o impeachment de Lula, achando melhor "vê-lo sangrar".

Essa visão se desmanchou em poucos meses. O tal "muro divisório" do petismo não alterou os humores do eleitorado como se imaginava. A militância encolheu, mas não entregou os pontos. O partido baqueou, mas, à sombra do prestígio de Lula – que conseguiu manter-se acima da crise – reagiu. Não só faturou as eleições presidenciais de 2006 e 2010 como continuou a dividir com o PMDB as grandes bancadas na Câmara. Em 2006 elegeu 83 deputados. Em 2010, saltou para 88. Mais que as denúncias da oposição e da mídia, o que valia eram reações como a do ator Paulo Betti que, em agosto de 2006, sentenciou: "Não dá pra fazer política sem botar a mão na merda".

O Ibope deu números a esses tempos sombrios do partido. Em março de 2003, antes do estrago aprontado por Jefferson, 33% dos eleitores do País diziam ter simpatia pelo PT. O índice foi caindo devagar, bateu no fundo em fevereiro de 2006, com 21% – mas a sigla ainda liderava esse ranking. Em março de 2010 já emplacava de novo os 33%, que mantém até hoje. "O maior custo eleitoral foi a perda da característica ética. Hoje o PT se iguala aos demais. Mas continua sendo o que tem a maior preferência", conclui a diretora executiva do Ibope, Marcia Cavallari.

O sonho e o poder. O que salvou o partido, avisa Secco, "foi o capital social, que lhe deu forças para se recuperar". Mas é uma recuperação apenas como ocupação de poder – pois, do antigo sonho, da pureza ética, poucos se arriscam a falar. "Esse sonho desapareceu muito antes", alerta Roberto Romano. "Nas eleições de 1989, contra Fernando Collor, era fácil ver nas ruas gente paga para agitar bandeiras do PT. A burocracia já pesava mais que a militância."

Para Romano, as origens do mensalão vêm da primeira infância do PT. Dos três grupos que o formaram ainda nos anos 1970, os "realistas", com Lula e José Dirceu à frente, venceram os católicos e os trotskistas. E Lula, ironiza ele, "aprendeu a fazer política e concessões com o patronato". Em 2002, a Carta aos Brasileiros – garantia dada "ao mercado" de que, se eleito, respeitaria as regras e contratos – "foi a capitulação" dos idealistas ante a lógica da conquista do poder. Naquela ocasião, diz o professor, "deviam ter convocado um congresso e mudado o programa do PT. Aquele não servia mais".

Na sua "fase 2", em que tenta – ainda hoje –reduzir o mensalão a uma campanha da imprensa e das oposições, Ab’Sáber vê o petismo empenhado em produzir "uma alucinação negativa de que (o mensalão) não existiu".

O partido, segundo ele, continuará usufruindo os privilégios típicos dos poderosos. "Mas no dia em que o PT perder o poder, eu temo pelo seu destino. Até lá ele tenta desesperadamente se enraizar nos municípios e no Estado enquanto perde relevância histórica – ou seja, tenta tornar-se um PMDB qualquer."

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