Julgamento do mensalão tem início com clima tenso no STF


Relator Joaquim Barbosa discute com revisor Ricardo Lewandowski sobre competência da Corte em avaliar o processo; cronograma original sofre atraso e procurador-geral da República só fará sua sustentação hoje

MARIÂNGELA GALLUCCI, FELIPE RECONDO - O Estado de S.Paulo

O julgamento do mensalão começou em clima tenso entre os ministros do Supremo Tribunal Federal. Relator e revisor do processo discutiram sobre a competência da Corte para julgar os 38 réus acusados de participar de um esquema de compra de votos no Congresso Nacional durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A discussão começou após Marcio Thomaz Bastos levantar a questão.

A longa discussão atrasou o cronograma original do Supremo. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fará sua sustentação oral apenas hoje. Os advogados de defesa dos réus começam a falar apenas na semana que vem. Alguns advogados que participam do julgamento acreditam que o atraso pode impedir que o ministro Cezar Peluso, considerado linha dura, dê suas sentenças sobre o caso. Isso porque ele vai se aposentar compulsoriamente em 3 de setembro ao completar 70 anos.

Em São Paulo, Lula foi homenageado em um evento realizado por empresários. Questionado se iria acompanhar o julgamento que deve encerrar um capítulo obscuro de seu governo, o ex-presidente afirmou: "Tenho mais coisa para fazer do que isso". Em discurso, defendeu seu legado ao ressaltar suas realizações no Planalto.

O julgamento do mensalão começou tenso ontem no Supremo Tribunal Federal. Na primeira sessão que decidirá o futuro de 38 pessoas acusadas de integrar um esquema de compra de votos no Congresso durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, ministros discutiram entre si, explicitaram diferenças sobre o caso e atrasaram o cronograma inicial.

Agora, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que fará a acusação, precisou ter sua exposição oral adiada para hoje. Os advogados de defesa vão falar apenas na semana que vem. A estimativa é de que o julgamento dure cerca de dois meses.

Logo após a abertura dos trabalhos, o advogado Marcio Thomaz Bastos, responsável pela defesa de um ex-diretor do Banco Rural, questionou a competência do Supremo para cuidar o caso. Isso porque, entre os 38 réus apenas três têm foro privilegiado, ou seja, por serem deputados federais, têm de ser julgados num tribunal João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). O restante dos réus teria de ser julgado em instâncias inferiores da Justiça, argumentou o advogado, ao pedir o desmembramento do caso.

A deliberação sobre essa questão colocou o relator do processo, Joaquim Barbosa, em rota de colisão com o revisor do processo, Ricardo Lewandowski. Houve, inclusive, bate-boca. Barbosa, que tende a votar pela condenação dos acusados, defendeu a competência do Supremo para julgar o caso. Mas Lewandowski discordou, mostrando que tende. Como se tratava de uma questão que havia sido discutida anteriormente pelos ministros, Barbosa chegou a acusar o colega de "deslealdade". "Está em jogo a credibilidade do tribunal. Essa questão (desmembramento) já foi debatida três vezes. Essa é a quarta", disse Barbosa que, há seis anos, propôs o desmembramento, mas foi voto vencido na Corte.

Lewandowski reagiu dizendo que o termo utilizado pelo colega era muito forte e que isso prenunciava um julgamento "muito tumultuado". Ele também afirmou que estava sendo atacado pessoalmente. "Como revisor, ao longo deste julgamento farei valer o meu direito de me manifestar."

O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, teve de interferir várias vezes para tentar apaziguar os ânimos e chegou a pedir ao revisor que fosse mais rápido em sua manifestação. O pedido não surtiu efeito. Ressentido com a pressão que sofreu para que liberasse o processo do mensalão, Lewandowski falou mais de uma hora sobre uma questão preliminar, tornando inviável o cumprimento do cronograma original.

Ele argumentou que em outras ocasiões o STF determinou a transferência de inquéritos e ações penais para a primeira instância, corroborando a tese de Thomaz Bastos segundo a qual um cidadão tem direito ao chamado duplo grau de jurisdição, isto é, de poder recorrer a uma instância superior da Justiça - isso está estabelecido, lembrou o advogado, na Constituição e no Pacto de São José da Costa Rica.

Terminada a longa discussão, a proposta de Thomaz Bastos foi rejeitada pelos ministros por 9 votos a 2. Depois, houve tempo apenas para que Barbosa lesse o resumo de seu relatório sobre o escândalo. Os trabalhos serão retomados hoje às 14 horas com a fala do procurador-geral da República.

Consequência. Advogados de réus acreditam que, com o atraso de ontem, diminuem as chances de o ministro Cezar Peluso dar suas sentenças sobre o mensalão. Visto como um juiz duro, de forte formação no Direito Penal e que tenderia a votar pela condenação na maioria dos casos, ele vai se aposentar de forma compulsória no dia 3 de setembro por completar 70 anos.

Pelo cronograma definido pelo tribunal, Peluso conseguiria votar se antecipasse o seu voto. Ele só pode fazer isso, porém, após os votos do relator e do revisor do processo. Se o cronograma atrasar em um dia apenas, o ministro pode ficar de fora.

O calendário do julgamento já está "implodido", segundo observaram informalmente ontem advogados de defesa dos réus. Alguns participantes do julgamento chegaram a especular a possibilidade de o Supremo iniciar suas sessões pela manhã a fim de manter o cronograma. Isso não impedirá novos atrasos devido à tensão em plenário, avaliam os advogados dos acusados.

"Infelizmente ele (Peluso) não participará", disse Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o publicitário Duda Mendonça. Ele ressaltou que o próprio voto antecipado já seria ruim porque no STF os ministros podem alterar o seu voto em meio ao debate em plenário.

Outro advogado, que pediu para não ser identificado, destacou as discussões entre Barbosa e Lewandowski. "Em 30 minutos o relator e o revisor já estavam discutindo. O cronograma é inviável. O Peluso está fora", sentenciou.

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