Prévias eleitorais são avanço político - Editorial O Globo


Escolha de Serra em São Paulo mostrou a validade das primárias


Políticos e partidos brasileiros, com exceções, têm ojeriza a prévias eleitorais. Pode ser que pela tradição autoritária nacional, muito presente na vida política, candidato goste de ser ungido em conversas de gabinetes, sem precisar gastar o verbo com a militância e filiados. Mesmo o PT, durante muito tempo legenda que se vangloriava de supostas práticas democráticas internas, se acomodou a decisões do líder supremo Lula. Quem o ex-presidente apontar, este será o escolhido. Dilma Rousseff e Fernando Haddad que o digam.

O PSDB de São Paulo acaba de dar positiva demonstração de como primárias nunca prejudicam o partido. Mesmo que a adesão não tenha sido maciça na escolha de quem irá disputar as eleições na capital — 6 mil em 21 mil em condições de votar —, as prévias confirmaram a preferência por José Serra, considerado por muitos dirigentes tucanos a melhor opção para tentar manter a prefeitura sob influência do partido.

O ex-governador ficou muito tempo indeciso, ainda na dependência de um projeto pessoal irrealista — o de candidatar-se, mais uma vez, em 2014 ao Planalto —, e jamais poderia ser imposto como candidato da legenda, apesar de ser o único a poder costurar alianças importantes para fazer frente a Haddad, lançado em mais um “dedazo” de Lula, e Gabriel Chalita, do PMDB. Participar das primárias, junto com o secretário estadual de Energia, José Aníbal, e o deputado estadual Roberto Trípoli, contornou qualquer possibilidade de crise no partido. E ao se lançar, Serra conseguiu logo o apoio de dois outros pré-candidatos, que renunciaram à disputa, os secretários estaduais de Meio Ambiente e de Cultura, Bruno Covas e Andrea Matarazzo.

Houve reparos ao fato de Serra ter obtido 52% dos votos, contra 31,2% de José Aníbal e 16,7% de Trípoli, sob o argumento de que apenas se ultrapassasse a barreira dos 70% haveria a certeza de que contaria com o apoio efetivo dos tucanos. Ora, para quem na prática não fez campanha, atrair pouco mais da metade dos votos não pode ser minimizado. Serra ficou à frente do segundo colocado cerca de vinte pontos percentuais, uma razoável margem.

As primárias tucanas servem de lição aos demais partidos. Ao próprio Serra, que se opôs a concorrer com Aécio Neves no processo de definição do candidato à presidência em 2010. Agora, a escolha interna do seu nome retirou o partido de um beco sem saída. Ou melhor, o desfecho seria uma derrota assegurada este ano em São Paulo. Que pode ocorrer, mas, vistas de hoje, as eleições ficaram mais promissoras para os tucanos. Ou menos ingratas.

O exemplo americano deve ser sempre citado. As primárias dos dois grande partidos, Republicano e Democrata, são exercícios vibrantes de democracia e de esclarecimento do eleitorado, assim como de formação de unidades dentro das legendas. Se em 2008 Hillary Clinton era a favorita diante de Barack Obama, e travou com ele ácida luta, isso não impediu que se tornasse ativa secretária de Estado do governo do ex-adversário.

Agora, o duro confronto entre os republicanos, em que o não tão conservador Mitt Romney lidera, tem mostrado que, se o Tea Party é capaz de falar alto e condicionar a agenda do partido, não conta com votação proporcional à sua gritaria. Ganha a democracia americana, como poderia ganhar a brasileira.

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