Cracolândia do DF fica a 3 km de Dilma


Traficantes e usuários de crack se espalham por rodoviária, comércio e estacionamentos a menos de 3 Km do Congresso e do Planalto
Fred Raposo - iG

24/01/2012

O servente Vanderlei Marques, 24 anos, levanta da cama com uma meta na cabeça: vender 200 canetas por dia. Desde que se internou em uma clínica de reabilitação para usuários de crack, há um mês e 20 dias, Marques diz pegar diariamente “mais de sessenta” ônibus, onde comercializa as esferográficas.

A rotina o mantém tão longe quanto perto da droga. Quando desembarca da condução na rodoviária do Plano Piloto, a principal de Brasília, vindo da cidade satélite de Taguatinga, ele se vê no coração das maiores cracolândias da capital – a menos de três quilômetros do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.


“Às vezes, eles (os viciados) instigam a gente”, resigna-se Marques, enfiado em uma blusa branca onde se lê “J-E-S-U-S” escrito em letras garrafais. “Tem muita gente que não aguenta a abstinência. O melhor é não ter contato nenhum com o crack, nem visual”.

O crack, porém, é o que há de mais “visual” na região central de Brasília. A Secretaria de Justiça do Distrito Federal (Sejus) estima que a população flutuante de usuários da droga no Plano Piloto de Brasília chegue a 2 mil pessoas.

Além da rodoviária, por onde circulam em média 700 mil viajantes ao dia, os usuários se concentram em pelo menos três outras áreas: os setores comerciais Norte e Sul e o shopping Conjunto Nacional. Todos trechos de fácil acesso, seja por ônibus, metrô ou vans piratas, e de intenso fluxo de pessoas.

“Há uma facilidade de doação, por terem várias pessoas trabalhando ali”, diz ao iG o secretário interino de Justiça do Distrito Federal, Jefferson Ribeiro. “Nesses lugares o dinheiro é fácil e a circulação de pessoas facilita o acesso a drogas”.
Foto: Alan Sampaio / iG BrasíliaAmpliar
Usuários fumam crack em frente a prédio do Setor Comercial Norte, em Brasília

Durante o dia é possível confundir o usuário com pedintes, flanelinhas, ambulantes e artistas de rua maltrapilhos, daqueles que se sentam na calçada e pintam o pôr do sol, barcos de pesca e borboletas gigantes com tinta acrílico em ladrilhos.

Não fosse, é claro, o inconfundível detalhe do cachimbo – que assume mutações em latinhas de refrigerante, vidros de remédio, canos de ferro, armações de durepox e até lâmpadas.

No Setor Comercial Sul, por exemplo, o consumo da droga à luz do dia se transveste em movimentos sutis, como uma breve parada numa cabine telefônica para uma “tragada”. Elas também ocorrem em frente a bancos, nas galerias subterrâneas e sob marquises e sombras de árvore de estacionamentos.

Na região, chama atenção a história de “Farinha”. Descrito como notório usuário de crack de “no máximo 8 anos”, ele ganhou fama principalmente entre comerciantes e policiais. “Farinha” chegou por volta de 2008 ao centro comercial, onde passava droga dos traficantes e dormia chupando o dedo nas calçadas de pedra.

Seus pés são descritos como velozes para fugir da polícia e, quando acuado, reagia atirando pedras, principalmente contra vitrines de lojas.

“Era igual um sacizinho e se gabava de ter cometido homicídios.”, afirma um comerciante que não quis se identificar. No fim do ano passado, "Farinha" foi recolhido pela Delegacia da Criança e do Adolescente, para nunca mais ser visto na região.

Nos últimos quatro meses a polícia abordou 10 mil suspeitos de consumir ou traficar crack no Distrito Federal. Cerca de 60% eram menores de idade como “Farinha”. Ao todo, 219 traficantes foram presos. Neste período, a polícia incinerou 3 toneladas de drogas, entre elas, crack, cocaína e maconha.

As medidas fazem parte de um plano do governo do Distrito Federal para conter o avanço da droga no Estado. Porém, a ação da polícia é encarada com ceticismo dentro da própria corporação. “Recolhemos cerca de 10 cachimbos de crack por dia. Mas não adianta prender. No dia seguinte eles estão na rua”, constata um oficial da polícia militar, que atua na guarita do 1º Batalhão da Polícia Militar (BPM), no Setor Comercial Sul. 

Agressividade

É depois que a noite cai, com os prédios vazios e a polícia dispersa, que o movimento de consumo de crack aumenta. É quando os usuários se sentem mais livre para deixar as galerias e se misturar a traficantes, prostitutas e travestis. Seu perfil é quase sempre o mesmo: magro, sujo, rosto chupado e peito cavo, olhar no infinito.

A perda de massa muscular é provocada pelo efeito devastador do crack. Em menos de 10 segundo após o usuário queimar a pedra, a droga atinge o cérebro. O efeito dura minutos, e o viciado busca outra pedra de crack a qualquer custo. O repórter tentou diversas vezes conversar com usuários. Em todas teve a integridade física ameaçada.

Além de cachimbos, o escaninho de ferro do 1º BPM há foices e espetos de churrasco enferrujados. A polícia garante que os usuários não usam as lâminas para atacar pedestres, apenas para “agredirem uns aos outros”.

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