Crack: sofrimento e omissão - Artigo de Andrea Matarazzo


Brasil Econômico 
17/01/2012

Sempre foi motivo de polêmica a discussão sobre que ações governos e sociedade devem adotar para enfrentar a dramática situação da proliferação do vício em crack nas cidades brasileiras. Alguns dizem que o problema só se resolverá com o fim da pobreza; outros criticam a presença ativa da polícia nas regiões de venda e consumo. Há quem defenda que impedir a ocupação do espaço público por traficantes – e dependentes, atraídos por estes – é autoritarismo. Vejo diariamente pessoas anunciando o que deve ser feito, grande parte com fórmulas pré-encomendadas de cunho político.

Fui Secretário das Subprefeituras de São Paulo, atuei contra o problema e sei algumas coisas a respeito do assunto. Uma delas é que os dependentes químicos estão em estado de intenso sofrimento, e isso nos obriga a agir. São pessoas abandonadas pelas suas famílias ou que as abandonaram, seja por falta de condições objetivas para ajudar, seja pela violência que se instala na relação do dependente com o tráfico. O fato é que o poder público não pode deixar essas pessoas à mercê dos traficantes, assim como cidade nenhuma pode compactuar com a existência de shoppings de crack a céu aberto.

É preciso que o poder público atue muito articuladamente, e para isso é necessário discernir claramente as atribuições de cada esfera de governo. Aos governos estaduais e suas polícias cabe dificultar ao máximo a distribuição de drogas pelo tráfico local. Deixar de fiscalizar as “cracolândias” é reservar território público para o traficante. E isso é inadmissível. Os municípios, por sua vez, precisam garantir bom padrão urbanístico, não permitir que trechos da cidade se deteriorem.

A matéria-prima do crack vem de países vizinhos e as nossas fronteiras, que deveriam ser fiscalizadas pelo governo federal, são verdadeiras peneiras furadas. Também cabe à União distribuir recursos para que os estados e os municípios executem seus planos de saúde e de urbanização. Não é isso que vem acontecendo. Nos últimos dez anos, o governo federal só vem reduzindo sua participação financeira na área da saúde, deixando as contas para estados e municípios.

Enquanto o Ministério da Saúde manda fechar leitos psiquiátricos, desde 2007 o governo paulista já criou 400 vagas para internação de dependentes químicos, já sensibilizado com a necessidade de enfrentar o crack em todas as regiões. Nos próximos dois anos, São Paulo vai dobrar o número de leitos disponíveis para estes pacientes.

A questão que ainda carece de resposta é como envolver as famílias no tratamento, garantindo acolhimento e retorno a situações de pertencimento. O debate deve acontecer entre pessoas que conhecem de fato essa realidade, não entre oportunistas de plantão que mal sabem onde fica a Nova Luz, que se valem do disfarce de político preocupado para criticar as ações em andamento. Não, não podemos deixar aqueles que consolidaram a cadeia produtiva do crack em São Paulo pautar o que realmente tem de ser feito. Qualquer coisa diferente de agir é omissão de socorro.

Andrea Matarazzo
Secretário da Cultura de São Paulo


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