A favor da garupa - Artigo de Andrea Matarazzo


O exercício da cidadania pressupõe a divisão de responsabilidades entre cidadão e poder público. Não por acaso, frases como “depende de você”, “faça a sua parte” e “conheça os seus direitos” ilustram praticamente todas as campanhas de conscientização mundo afora.

Não raramente, no entanto, propostas arbitrárias, travestidas de excêntricas, tentam jogar sobre a população ônus que não lhe cabe, rompendo o delicado equilíbrio entre o dever do Estado e a responsabilidade individual de cidadãos.

Este é, certamente, o caso do projeto de lei estadual nº 485, que proíbe o tráfego pessoas na carona (ou garupa) de motocicletas.

Sob o argumento de que a medida ajudaria a reduzir o número de acidentes de trânsito e, principalmente, assaltos praticados com motos, o texto foi recentemente aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

A depender da vontade dos deputados paulistas, a lei valeria nos dias de semana, em todas as cidades com mais de 1 milhão de habitantes -São Paulo, Campinas e Guarulhos, segundo projeção feita para 2011 pela Fundação Seade.

Se, hoje, o legislador acha razoável que as pessoas sejam proibidas de andar na garupa para evitar assaltos, o céu, então, é o limite.

Por que não obrigar os motoristas a levar mais de uma pessoa em seus carros para melhorar o trânsito? E se os bandidos migrarem para as bicicletas? Vamos proibi-las também? Absurdo.

O governador Geraldo Alckmin tem uma enorme preocupação com a questão da segurança, e saberá tomar a decisão mais equilibrada. Mas sabe que não se pode punir o trabalhador, e justamente a população de menor renda, que utiliza motocicletas -e sua garupa- como meio de transporte e de trabalho.

A proposta apresentada aumenta o preconceito contra motociclistas e motoboys, um contingente de cerca de 1 milhão de pessoas em São Paulo. Se a lei considera que quem pilota motos e os garupas são risco em potencial, temos, portanto, 2 milhões de assaltantes nas ruas? E por que proibir garupas apenas nos dias de semana, se a maioria dos crimes ocorre nos finais de semana?

O projeto tem uma série de outros problemas de ordem prática, a começar pelo critério, completamente aleatório, de limitar a proibição apenas a cidades com mais de 1 milhão de habitantes.

São Bernardo do Campo tem 771 mil moradores. Do ponto de vista da segurança e da redução de acidentes, o que a diferencia de Campinas, que tem 1,090 milhão?

Hoje, dois motociclistas morrem por dia na região metropolitana de São Paulo. Por isso, é urgente que haja uma modernização das leis, inadequadas para a nova realidade das grandes cidades brasileiras. Organizar a circulação das motos entre os carros e aumentar o tamanho das placas são duas opções factíveis. Por que não buscá-las?

ARTIGO DE ANDREA MATARAZZO PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, TENDÊNCIAS/DEBATES, EM 16/12/2011

ANDREA MATARAZZO é secretário da Cultura do Estado de São Paulo. Foi secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo e subprefeito da Sé (gestões Serra-Kassab), ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (1999-2001), embaixador do Brasil na Itália (2001-2002) e secretário de Energia do Estado de São Paulo (governo Covas).

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